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Um triste fôlego para o Mercosul

Pela primeira vez em muito tempo, uma cúpula do Mercosul vai chamar a atenção da imprensa e do público. Na sexta-feira, os presidentes do Brasil, Dilma Rousseff, da Argentina, Cristina Kirchner, e do Uruguai, José Mujica, se reúnem em Mendonza, região vinícola da Argentina. Também devem participar Estados associados como Bolívia, Colômbia e Venezuela.

Por Raquel Landim
Atualização:

Mas os holofotes estão voltados para o membro ausente: o Paraguai. Após o impeachment relâmpago do ex-presidente Fernando Lugo, todos ficarão atentos a reação dos demais membros do Mercosul. O atual presidente paraguaio, Frederico Franco, disse que não vai participar da cúpula porque precisa cuidar das questões internas. Mas sua presença não seria bem-vinda. É até possível que Lugo participe do encontro.

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Por enquanto, os demais membros do Mercosul chamaram seus embaixadores no Paraguai para consultas. Todos os presidentes condenaram o episódio, argumentando que não foi garantido o direito de defesa de Lugo, mas parecem divididos sobre a intensidade das medidas a serem tomadas. Enquanto o Brasil defende apenas o isolamento político, a Argentina parece mais inclinada a impor sanções comerciais.

Se não fosse pelo imbróglio do Paraguai, essa cúpula do Mercosul passaria praticamente em branco. A agenda comercial da reunião não está apenas esvaziada, mas também é negativa. Ao invés de discutir maneiras de aumentar a integração, os países vão se debruçar sobre barreiras e propostas protecionistas. O único ponto "positivo" é a intenção de discutir um acordo de livre comércio com a China, que ninguém consegue entender, porque provoca calafrios nos empresários do bloco.

Uma das principais propostas na mesa será a lista de exceção da Tarifa Externa Comum (TEC). O Mercosul já aprovou um aumento da lista para que elevar as tarifas de importação de 100 produtos. Agora vai discutir uma segunda ampliação - mais 100 produtos na visão do Brasil, mais 300 na opinião da Argentina. O volume não é tão significativo quando consideramos que a Nomeclatura Comum do Mercosul (NCM) conta com mais de 1.400 itens, mas, mesmo assim, trata-se de uma agenda claramente protecionista.

As desavenças comerciais entre Brasil e Argentina também são mais evidentes do que nunca. Preocupada com a fuga de capitais e tentando evitar a desvalorização de sua moeda, a Argentina adotou medidas severas de contenção de importações. Além das já tradicionais licenças não-automáticas, o país agora exige autorização prévia para qualquer importação e impõe que o comprador exporte o mesmo valor previsto.

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As medidas argentinas vão claramente contra as regras da Organização Mundial de Comércio (OMC) e o país já está sendo questionado pela União Europeia. Para o Brasil, a situação do vizinho é especialmente delicada, porque atinge principalmente a indústria, que exporta manufaturados para a Argentina e já está sofrendo bastante no mercado doméstico brasileiro com a concorrência dos importados.

O governo brasileiro evitar bater de frente com a administração Kirchner por reconhecer que a situação econômica do vizinho é complicada. Mas a pressão do setor privado já provocou algumas reações. O Brasil está atrasando propositadamente a entrada dos carros argentinos. Ao invés dos 60 dias permitidos pela OMC, as licenças de importação dos veículos feitos no vizinho estão demorando até 90 dias. O governo brasileiro também colocou travas para a compra de produtos que interessam a Argentina como vinho, pera, uva passa, trigo, entre outros.

O protecionismo de ambos os lados já afetou a corrente de comércio entre Brasil e Argentina, que encolheu 7,4% neste início de ano. Foi o único grande parceiro comercial do Brasil com o qual isso ocorreu. Até com a União Europeia, bloco com vários países enfrentando recessão severa, a corrente de comércio cresceu 3,2%. As autoridades brasileiras vêem com preocupação a perda de importância relativa da Argentina como parceiro comercial. Mas parece que não há muito a fazer. O Mercosul está em frangalhos e ganhou um triste fôlego com o episódio de Lugo.

 

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