Claudio Marques
13 de fevereiro de 2017 | 18h50
Mariana Pelozio, do restaurante Duas Terezas, tem negócio em contêiner na Vila Butantan. Foto: Gabriela Bilo / Estadão
Caroline Monteiro e Paula Pauli | Especial para o Estado
Eles têm capacidade para 33 mil litros e vida marítima de cerca de 15 anos. Sua função original é transportar cargas em navios, oceano e mundo afora. Mas atualmente, têm sido utilizados para uma finalidade totalmente diferente. “Os contêineres dão vida a projetos hipercriativos, de bares e lojas a estandes de venda e residências”, diz o sócio fundador da fábrica de design Contain-it, Arthur Norgren. A empresa é responsável por transformar contêineres em projetos urbanos.
Mariana Pelozio é quem está na outra ponta do negócio. Ela é proprietária e chef de um restaurante inspirado em suas duas avós, o Duas Terezas. O estabelecimento, que hoje fica dentro de um contêiner, surgiu em um food truck. “Primeiro, criei o Duas Terezas em um trailer. Mas vi a possibilidade de montá-lo em uma dessas caixas de aço e adorei logo no primeiro momento”, diz ela. “Achei inovador e muito mais fácil do que construir algo do zero, com tijolos e cimento.”
O restaurante fica dentro da Vila Butantan, um local de convivência a céu aberto na zona oeste de São Paulo. O espaço, que abrigou um food park de 2014 até 2015, hoje possui 43 contêineres para quem quiser locar e instalar seu próprio negócio. “Contratamos um arquiteto cenógrafo para criar um ambiente inovador e diferente na cidade de São Paulo”, diz Luiz Galvão, responsável pela Vila Butantan.
O ambiente foi tão receptivo à chegada de Mariana, que a chef agora pensa em expandir sua rede de comida caseira – mas só se for em um contêiner. “Não quero um restaurante de alvenaria. Para equipar o meu negócio, gastei menos do que gastaria em outras situações e, com certeza, ficou pronto muito mais rápido.”
Do início. Bruno Peotta é um dos fundadores da RentCon, empresa que desenvolve e executa projetos em contêineres. Ele percebeu uma necessidade do mercado: a de colocar negócios em prática de forma rápida, para que empresários comecem a trabalhar o quanto antes.
“Em alvenaria, um restaurante demoraria um ano para ficar pronto, e sairia mais caro. Com contêiner, a construção dura entre dois e quatro meses, dependendo do tamanho. Isso achata o cronograma e possibilita o empreendedor a começar a faturar mais rápido, além de proporcionar uma economia de 30 a 35% no valor do projeto”, diz.
Bruno Peotta e Vinícius Bittencourt, diretores da RentCon, empresa que faz projetos com contêineres. Foto: Divulgação / RentCon
A convivência com contêineres começou quando Peotta era pequeno, porque seu pai tinha estaleiros. Como a engenharia naval sempre esteve presente em sua vida, ele percebeu rapidamente a capacidade de reinventar os caixotes de metal.
“Sempre soube do potencial de reutilização dos contêineres. Quando algum deles ficava danificado, o pessoal transformava em depósito; ou seja, eram sempre reaproveitados.”
Para Arthur Norgren, da Contain-it, a maior vantagem das caixas de aço são a resistência, a mobilidade e a sustentabilidade. “Nossa empresa surgiu de um casamento entre a engenharia e a arquitetura. Vimos que o mercado corporativo tinha uma demanda muito grande por infraestrutura itinerante e tempo-
rária”, conta. A própria Contain-it, inclusive, é toda feita de contêineres.
Fábrica da Contain-it é toda feita com contêineres. Foto: Divulgação / Contain-it
Preparação. Norgren conta qual é o processo de uma caixa que sai do mar e se transforma em um projeto sob medida. Primeiro, eles compram as estruturas, que devem ter laudo comprovando a ausência de contaminação. Depois da limpeza, é feito um trabalho de funilaria para desamassar o aço, caso necessário. De acordo com os pedidos, a fábrica faz serralheria e modificações estruturais, como tirar parede ou colocar porta.
“Existe cliente que não gosta das características estéticas do contêiner e pede para cobrirmos com placas lisas, por exemplo.” Por fim, são realizadas a pintura, estrutura elétrica e hidráulica, os revestimentos e acabamentos.
“Contêineres são como Lego. Você monta e desmonta como quiser”, explica Peotta. As empresas já produziram até casa e piscina, além de bares temporários, quartos de hotel e estruturas para eventos, como os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, shows e festivais.
Segundo Norgren, em seis anos de empresa, a construção baseada em contêineres se tornou bastante popular, mas causou também a ascensão de projetos mal executados que estigmatizam o produto como locais de calor ou frio em excesso. “Se o projeto for bem realizado, a temperatura não vai ser um problema”, diz.
Com a fama desse tipo de projeto, a Contain-it resolveu investir em espaços como o LINGUA (Lugar de Interação Gastro Urbana), que fica na Vila Mariana e loca contêineres para restaurantes. “Os food trucks distorceram o cenário da gastronomia de rua. Agora queremos recuperar a qualidade perdida.”
Espaços se espalham e conquistam as grandes cidades
Apostar em contêineres como forma de abrigar lojas e restaurantes deu tão certo que surgiram espaços destinados quase exclusivos a negócios nesse formato. Um dos primeiros nasceu em San Diego, na Califórnia, Estados Unidos.
Trata-se do Quartyard, que se denomina um parque urbano formado a partir de um projeto de faculdade. Philip Auchettl, australiano residente na Califórnia, desenvolveu um trabalho de conclusão de curso em arquitetura que acabou se transformando no que hoje é o espaço de convivência. O local abriga contêineres e alguns food trucks, além de realizar shows e eventos privados. “A prefeitura de San Diego tinha um bom terreno, que estava no ócio. Pensei que aquilo não estava certo”, conta Auchettl.
“Propusemos ao governo a ideia de utilizar o espaço como um parque urbano, com contêineres, e funcionou. Por meio de um financiamento coletivo, arrecadamos seis mil dólares em apenas alguns dias.” Desde então, San Diego se tornou um pouco mais receptiva. Além de oferecer, de segunda a segunda, o espaço com restaurante, fábrica de cerveja, café e um pequeno parque para cães, o Quartyard também conta com um grande gramado, destinados aos cães. “Com nosso projeto, conseguimos aumentar o valor da área no entorno, e deixar a comunidade ao redor mais convidativa e amigável”, diz o australiano.
Em São Paulo, esse conceito também já cria suas raízes. O Vila Butantan, localizado no bairro homônimo, abriga 43 contêineres, sendo que 80% deles já estão ocupados. O leque de negócios é grande: de loja de utensílios domésticos a restaurante libanês.
Mobilidade. O responsável pela Vila, Luis Galvão gosta da mobilidade que os contêineres proporcionam. “Não saberia precisar o tempo que ficaremos neste espaço, mas acho que essa mobilidade deixa tudo mais livre”, diz Galvão.
A inspiração para o projeto veio de um shopping móvel da Nova Zelândia, segundo ele. “Fizemos questão de utilizar contêineres legítimos no projeto. Dá muito mais trabalho, mas respeitamos a concepção do que eles são.” A Vila Butantan, assim com a maior parte de espaços como este, também realizam show e eventos.
A maior motivação de Galvão foi semelhante à de Auchettl: o desejo de um espaço, em meio ao urbanismo da cidade, que oferecesse aos cidadãos respiro e modernidade ao mesmo tempo.
“Queríamos uma relação urbana e contemporânea no lugar. É uma tendência mundial: espaços a céu aberto, com uma convivência democrática, como um espaço público, mas com detalhes de urbanismo que fazem a diferença.”
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