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Analises do cenário econômico

O desafio de decifrar a sociedade

Crise foi alimentada por erros e dificuldades de articulação política em torno de uma agenda mínima de reformas

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Por Zeina Latif
Atualização:

O quadro político é elemento chave na construção de cenários econômicos neste momento. Não deveria ser assim. Se o país tivesse instituições mais sólidas, o peso da política seria menor. A agenda econômica do país estaria mais blindada. Mas é o que temos para hoje.

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O tema impeachment voltou. Não que tivesse sido eliminado do horizonte dos cenários econômicos. Afinal, economistas que analisam a deterioração da economia e sabem que ainda há mais por vir ficam com a sensação que alguma mudança de rumo será necessária para renovar a agenda econômica do país. E o impeachment poderia ser um possível gatilho, ainda que não seja garantia para nada.

O que se vê hoje no país não é mais de um ciclo econômico normal. O quadro é mais grave. Cada vez mais analistas utilizam o termo depressão para qualificar a retração em curso da economia.

A crise econômica, já contratada por conta da crise fiscal, foi adicionalmente alimentada, de forma perigosa, por erros de política econômica este ano e as dificuldades de articulação política em torno de uma agenda mínima de reformas.

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Especialistas já usam o termo 'depressão' para descrever a crise no Brasil ( Foto: Dida Sampaio/Estadão)

Apesar do esforço da Fazenda, o governo não conseguiu entregar resultados bons o suficiente para afastar o risco de solvência da dívida em um horizonte de médio prazo. Não se trata apenas de cobrir o rombo das contas públicas no curto prazo, mas de indicar que o país está avançando em medidas que contenham a elevação inercial de gastos públicos como proporção do PIB. Isso só poderá ser enfrentado com reformas, e sequer se conseguiu sinalizar que elas virão.

A consequente perda do grau de investimento pela S&P e a ameaça de mais rebaixamentos adiante impõem sacrifício adicional ao setor produtivo, pelo contágio financeiro. Câmbio e juros em alta e crédito apertado.

O mercado de crédito que já estava frágil, com inadimplência em alta e oferta de crédito em baixa, piora a passos largos. A concessão de crédito bancário para pessoa jurídica, descontada a inflação, está em patamares de 2004, sendo que as únicas modalidades de crédito que estão em elevação são aquelas de pior qualidade: cheque especial e cartão de crédito. Elas têm taxas inadimplência mais elevadas (19,5% e 16,5%, respectivamente em out/15) e taxas de juros estratosféricas (259% e 84,5% aa; se for para cartão de crédito rotativo, 283%), segundo o Banco Central.

A inadimplência das empresas cresce, sem sinais de acomodação. Os pedidos de recuperação judicial aumentaram 37% no acumulado do ano até novembro, com tendência de alta. Em novembro o aumento foi de 47% na variação anual. Para as médias empresas, a alta acumulada estava em 80%.

Não por acaso vai ficando mais claro o aumento da taxa de desemprego. O problema é que este é um ciclo que está nas fases iniciais. Empresas com dificuldade financeira podem acelerar as demissões.

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Segundo a PNAD contínua do IBGE, o nível de ocupação só começou a recuar na comparação anual em setembro, depois de meses perdendo fôlego. Tomando a série que desconta o padrão sazonal, o nível de ocupação em setembro equivale ao nível de meados de 2014. Ainda confortável, mas em queda rápida.

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Considerando o emprego com carteira, dados da Rais/Caged indicam que o comércio e o setor de serviços, que são os últimos a sentir a crise, começaram a demitir este ano. São justamente os setores que mais empregam (73% dos empregos com carteira no setor privado). O emprego com carteira recuou 1,1% (373,5 mil vagas) em relação ao fechamento de 2014. Essa cifra representa apenas 1,5% do emprego com carteira no setor, o que sugere que haverá mais demissões diante de quedas no faturamento (estimo algo como -1% anual em setembro em ternos nominais), confiança do empresário em patamares mínimos e dificuldades financeiras das empresas.

Com a crise chegando ao mercado de trabalho, pesquisas recentes revelam importante piora do humor dos indivíduos. O medo de perder emprego atinge recordes de alta e o índice de satisfação com a vida, recordes de baixa, segundo pesquisa da CNI iniciada em 1999. A deterioração dos indicadores é disseminada quando se consideram classes sociais, região do país e escolaridade. No consolidado, o índice do medo de desemprego atingiu 105,9 pontos em setembro de 2015 ante 74,8 ao final de 2014. O índice de satisfação com a vida registrou 93,9 pontos ante 103,5 ao final de 2014.

O que mais chama a atenção na dinâmica recente desses indicadores é a velocidade da deterioração, que é inédita, assim como esta crise.

O jogo (ou seria a guerra?) do impeachment começou e os dois adversários traçam suas estratégias. Difícil acreditar que serão movimentos precisos e consistentes o tempo todo. Basta lembrar a evolução da campanha eleitoral de 2014, quando a cada programa eleitoral e fala dos candidatos se notavam mudanças de discurso, como reação às pesquisas qualitativas e de intenção de voto. Provavelmente teremos muitas idas e vindas nos próximos meses.

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Não há dúvida que o principal elemento neste enredo será a sociedade, com sua influência sobre o comportamento de organizações da sociedade civil, de instituições e lideranças do país. O comportamento da sociedade é o imponderável. Não só para definir o destino da presidente, mas também o destino do país. Em eventual aprovação do impeachment, terá o próximo presidente legitimidade e apoio político para as necessárias reformas para o país ao menos evitar o colapso econômico?

Como nos ensinou o sociólogo FHC, na crise, a primeira reação das pessoas é de se recolherem para cuidarem de suas vidas. Quando surgirá a percepção que o esforço pessoal não é mais suficiente, sendo necessário haver mudanças na agenda econômica do país?

Sem essas respostas, a construção de cenários fica muito comprometida. Precisamos ouvir os sociólogos.

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