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Analises do cenário econômico

Sobre percepções e entrega

A interinidade de Temer cobra seu preço quando há concessões para a política aqui e ali; de um lado, o governo abre o cofre, e de outro, prega o ajuste

Por Zeina Latif
Atualização:

Já ficou claro que a interinidade de Michel Temer cobra seu preço. Exacerba as naturais e, às vezes necessárias, ambiguidades do governo. O governo ora acena para o mundo político, abrindo o cofre, ora acena para o ajuste da economia, montando um time econômico com credibilidade e sinalizando com uma agenda de ajuste fiscal estrutural. É natural que haja concessões para a política aqui e ali. Isso faz parte da negociação política. O cuidado que se deve ter é de não ceder em demasia a ponto de ameaçar a credibilidade do governo e do ajuste fiscal.

No balançar desse pêndulo entre a economia e a política, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, não parece ter muito protagonismo e influência. Se essa percepção for correta, mesmo que perturbadora, não necessariamente compromete a agenda econômica. O núcleo duro do governo parece compreender a importância do ajuste fiscal como condição para uma volta cíclica do crescimento de forma tempestiva e suficiente para reverter a tendência de alta da taxa de desemprego. É, portanto, a dura realidade da economia e o pragmatismo do PMDB que, em última instância, "blindarão" a agenda econômica.

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A dubiedade do PMDB por ora está sendo tolerada pelos agentes econômicos. Um vez superada a "lua-de-mel", que tem prazo de validade, os agentes econômicos passarão a ser mais exigentes, demandando sinais mais convincentes do governo. Ironicamente, isso é boa notícia. A disciplina dos mercados é importante, e o PMDB certamente será sensível a isso, procurando se ajustar.

Não se trata de creditar ao mercado o domínio da verdade. Nem de longe. A questão é que é o segmento da sociedade que mais parece compreender a necessidade de ajuste fiscal, e esse reconhecimento acaba refletindo nas expectativas e nos preços de ativos. Não há ideologia, mas sim a compreensão que há restrições orçamentárias na economia e que desequilíbrio fiscal sistemático cobra seu preço, hoje refletido na armadilha de inflação alta e recessão. A continuar como está, sem reformas, o País viverá inflação crônica e risco de calote do governo, se não da dívida, de pagamentos a aposentados, pensionistas, servidores, fornecedores... Infelizmente, o setor produtivo parece menos conectado. Enquanto o governo ajusta o salário dos servidores públicos, o setor produtivo se cala, apesar do sofrimentos dos trabalhadores com as demissões.

Em 2015, não demorou muito para o mercado perceber que o ministro Levy estava politicamente fraco e que não conseguiria mais liderar uma agenda de ajuste fiscal. Seu prazo de validade foi até julho. A diferença entre Dilma e o PMDB é que este é mais sensível à crítica e ao humor dos mercados. Dilma ignorou os alertas e deixou escapar o selo de grau de investimento do Brasil.

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O PMDB é mais atento a críticas, e reage. Por enquanto de forma tímida, apenas se justificando e reafirmando seu compromisso com reformas, mas não reconhecendo o erro e buscando revertê-lo ou compensá-lo. Logo isso não será mais suficiente. Coordenar expectativas com promessas pode funcionar por um tempo. Só por um tempo. Com resultados decepcionantes, o mercado passa a esperar movimentos concretos e mais ambiciosos na direção do ajuste das contas públicas. O espaço para erros se estreita.

Quanto maiores os deslizes agora, maior o custo em termos de credibilidade, dificultando o ajuste. Que a credibilidade da agenda fiscal seja preservada. Como escreveu José Bonifácio a D. Pedro, ao instruí-lo para anunciar a independência do Brasil, "um momento perdido é uma desgraça".

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