
O revezamento na contratação de empresas para auditar demonstrações financeiras divide opiniões de especialistas. De um lado, há quem defenda a rotatividade em pró da análise isenta e objetiva dos números. Por outro, o argumento é que o conhecimento sobre o negócio se perde na trasnsição e acaba gerando custos maiores para as companhias. No caso do Brasil, há ainda o questionamento sobre a concentração nesse mercado, que também levanta questionamentos sobre os efeitos práticos do rodízio. Especialistas consultados pelo Estado dão sua opinião sobre o assunto. Deixe seu comentário e participe também da discussão.
Andre Marini
IIA
A discussão sobre a obrigatoriedade de promover alteração do auditor independente em uma empresa, há tempos é algo debatido mas que conta com importantes inferências que precisam ser abordadas em uma análise ampla. Do ponto de vista da auditoria interna, que responde diretamente ao conselho de administração de uma organização, o rodízio do auditor externo não traz significativas mudanças, visto que a ação colaborativa - no sentido de fornecer subsídios e materiais para avaliações - deve ser mantida.
Entre os aspectos positivos, os novos auditores costumam trazer uma visão diferenciada, que pode contribuir com sinergias, apontamentos construtivos e importante leitura ainda mais clara dos sistemas de controles internos. Surgem nessas mudanças recomendações com o intuito de estimular a aderência ao planejamento estratégico da empresa. A grande vantagem é que essa nova equipe, que acaba de chegar, proporá novas abordagens e um enfoque, muito provavelmente, distinto da praticada pela equipe anterior, embora o objetivo seja o mesmo, ou seja: avaliar controles internos, validar saldos, realizar testes substantivos e de conformidade, para posterior emissão do parecer dos auditores independentes.
No outro extremo, há situações relevantes, que impactam principalmente nos custos dessa operação de transição. A nova auditoria independente precisará de dezenas de horas a mais de trabalho para começar a entender melhor o negócio de quem irá auditar. Leva-se tempo para um raio x minucioso e esse tempo impacta em consumir energia de quem recebe os auditores internamente e claro, no bolso da organização. A rotina é alterada, esse entrosamento que já acontecia com o time anterior precisa ser concebido novamente. Há um período de maturação que, muitas vezes, pode demandar mais tempo para que os novos auditores estejam aptos a emitir suas opiniões.
Os auditores externos têm papel fundamental em um processo de transparência e na elucidação dos conceitos de governança e compliance, garantindo a confiabilidade almejada pelos acionistas. Eles atuam embasados em colher evidências para fundamentar sua opinião e, costumeiramente, colaboram no oferecimento de pontos de aprimoramento. É singular quem se beneficiará mais ou menos dos rodízios. Há o aspecto cultural da gestão de cada organização e ainda o status atual de como a auditoria externa vem sendo aplicada. Em alguns casos o rodízio é essencial, em outros; será custoso e complexo. Não há uma receita perfeita, mas já que a obrigatoriedade o faz necessário, que os gestores tentem tirar o melhor proveito das vantagens e possam minimizar os pontos desafiadores.
presidente da Diretoria Executiva do Instituto dos Auditores Internos do Brasil (IIA)
Sérgio Lucchesi Filho
Moore Stephens
especialista em auditoria e gestão tributária, foi diretor técnico da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac); atualmente, integra o Comitê Técnico da Moore Stephens na América Latina e é CEO das unidades de São Paulo e Rio de Janeiro
Antonio Castro
Abrasca
Desde a audiência pública da norma que tornou obrigatório o rodízio de firma de auditoria, a Abrasca vem chamando atenção para o potencial dano contido na ideia em virtude do risco de erro, que é maior quando um novo auditor inicia os trabalhos com uma companhia, além da grande demanda de tempo dos profissionais da empresa para explicar aos novos auditores sobre as particularidades das suas operações. A curva de aprendizado, em media, pode levar até 24 meses.
A CVM encomendou um estudo econométrico para avaliar se a troca da auditoria havia gerado melhorias nos balanços das companhias abertas. A conclusão do estudo é que havia ocorrido variações, em termos quantitativos, que indicariam aperfeiçoamentos dos dados contábeis a partir do trabalho do novo auditor.
Como o resultado era diametralmente oposto à observação empírica dos auditores, reunidos no Ibracon, e dos contadores das companhias, reunidos na Abrasca, a Associação encomendou estudo qualitativo ao Centro de Estudos Contábeis da FGV para que fossem avaliadas as ocorrência que indicavam aperfeiçoamentos segundo o estudo quantitativo da CVM. A conclusão obtida foi que as variações quantitativas que seriam indicativas de aperfeiçoamentos, na realidade, deveram-se a outros fatores.
Por exemplo, era premissa da CVM que uma redução de ativos no balanço elaborado por novos auditores significasse conservadorismo, portanto, um aperfeiçoamento da demonstração. Na realidade, os casos concretos de redução de ativos foram decorrentes de cisão da companhia aberta, não se devendo a redução do número a maior acuidade do novo auditor. Foi uma coincidência: troca de auditor concomitante com cisão.
O estudo da FGV foi conclusivo: o rodízio de firma de auditoria é um custo sem benefício. Infelizmente parece não haver sensibilidade para a eficácia da regulação vis-à-vis seus custos, que são muito grandes no caso do rodízio principalmente para as companhias abertas internacionalizadas com muitas empresas de grande porte.
presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca)
Idésio Coelho
Ibracon
Hoje, no Brasil e em boa parte dos países, empresas de capital aberto são obrigadas a trocar periodicamente as firmas que auditam suas demonstrações contábeis. Os benefícios dessa prática, porém, são controversos, e um estudo norte-americano divulgado recentemente pela Federação Internacional dos Contadores (Ifac, na sigla em inglês) propõe uma abordagem diferente para avaliar a relação entre a duração desses mandatos e a qualidade da análise das demonstrações contábeis.
Batizado de The Effects of Auditor Rotation, Professional Skepticism, and Interactions with Managers on Audit Quality (Os efeitos do rodízio de auditor, ceticismo profissional e interação com gestores na qualidade da auditoria, em tradução livre), o estudo foi realizado pelos professores Kendall O. Bowlin, Jessen L. Hobson e M. David Piercey, respectivamente das universidades de Mississipi, Illinois e Massachusetts. O objetivo foi determinar o elemento-chave da dinâmica que, no mundo real, estabelece-se entre o auditor independente e o gestor de uma empresa auditada, o que envolveu o acompanhamento, em situação controlada de laboratório, de pares anônimos de auditores e gestores nas suas tomadas de decisões.
Até agora, havia apenas duas formas de enxergar a questão. Os apoiadores do rodízio argumentam que ele preserva a independência do auditor e melhora a qualidade da auditoria, ao impedir que a intimidade com o cliente aumente a predisposição a confiar nas informações fornecidas. Seus oponentes alegam que a rotatividade, além de acarretar custo alto para as empresas, faz com que conhecimentos específicos dos meandros do negócio se percam a cada mudança, prejudicando a qualidade técnica da auditoria.
O novo estudo torna a discussão um pouco mais complexa ao introduzir uma variável subjetiva à análise e concluir que o rodízio, em alguns casos, aumenta os riscos que se propõe a eliminar.
É natural que, com o passar do tempo, o ser humano ganhe confiança na sua capacidade de avaliar a veracidade ou não das informações que recebe em determinado contexto. No caso do auditor, isso tanto pode exacerbar a confiança quanto o ceticismo frente às informações apresentadas pelos gestores. O revezamento mina esse mecanismo psicológico de reforço, interferindo diretamente no resultado do trabalho do auditor. Se uma predisposição à confiança se estabelece, a ruptura é positiva. Mas, quando o ceticismo prevalece, o relacionamento mais longo favorece a qualidade da auditoria.
O saldo dessa descoberta para as empresas e o mercado é trazer à luz uma alternativa mais eficiente (e barata) para garantir a excelência da auditoria, que é a substituição dos custosos rodízios pelo privilégio ao ceticismo profissional, um pré-requisito na profissão de auditor independente. Se parecer subjetivo demais, o caminho do meio aponta para, no mínimo, uma ampliação significativa dos intervalos para essa rotatividade. No Brasil, atualmente, adota-se o rodízio a cada cinco anos. É muito pouco quando se pensa em conhecer a fundo operações que chegam a envolver milhares e milhares de transações a cada dia.
presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon)
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