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'Estratégia ambiental do governo é equivocada, míope e de curto prazo', diz ex-presidente da SRB

Para Pedro de Camargo Neto, Brasil ficou em posição subalterna frente aos EUA, China e Europa, os grandes responsáveis pelo aquecimento global

Foto do author Márcia De Chiara
Por Márcia De Chiara
Atualização:

A estratégiado governo brasileiro na questão ambiental é míope e equivocada e o Brasil está numa posição subalterna em relação aos Estados Unidos, China, Europa, os grandes responsáveis pelo aquecimento global. A avaliação é de Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira e ex-secretário de Produção e Comércio do Ministério da Agricultura nos anos2001 e 2002, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso

Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileia Foto: Arquivo pessoal

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Apesar do avanço do desmatamento, Camargo Neto diz que o Brasil está numa posição até vantajosa em relação a esses países quanto à questão climática pelo fato de ter uma matriz energética limpa, com hidrelétricas, carro a álcool, biodiesel. Com isso, teria condições de adotar uma estratégia diferente já na cúpula global sobre a mudança climática, marcada para o fim deste mês nos Estados Unidos.

No lugar de pedir dinheiro aos países ricos, o governo, na sua opinião, deveria pressionar as nações causadoras do aquecimento global para que elas façam a sua parte, já que oaquecimento global pode provocar uma catástrofe e colocar em risco a agricultura brasileira . “Estamos brigando pelo desmatamento ou pedindo dinheiro para os países ricos ao invés de pressioná-los. Há toda uma estratégia para ganhar dinheiro com o que pode ser uma catástrofe.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. vê a atual situação do agronegócio e da pauta ambiental?

Há uma polarização geral no País e no agronegócio, que afeta até a pauta ambiental. Tem uma parte que defende o governo Bolsonaro, independente de qualquer coisa. E outra parte que o contesta. Essa polarização tem impedido debates construtivos dentro do agronegócio e em qualquer outro lugar, o que dificulta muito resolver a questão.

Como o agronegócio vem lidando com a pauta ambiental da sustentabilidade dos seus produtos e da redução do desmatamento?

Todo mundo tem a questão da sustentabilidade como uma preocupação. Digo isso com tranquilidade, porque fui presidente da Sociedade Rural Brasileiranos anos 1990 e lancei em 1994 uma cartilha sobre a preservação do meio ambiente. Existiu a preocupação de ter um Código Florestal. A questão climática ganhou projeção internacional muito grande com a eleição do Biden (Joe Biden, presidente dos Estados Unidos). A conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas) marcada para o final do ano vai ser muito relevante e terá influência muito grande no setor. A Europa tem todo um direcionamento da sua política agrícola pautada na questão ambiental e os Estados Unidos estão caminhando nesse sentido. E a gente está aqui ou brigando pelo desmatamento ou pedindo dinheiro. É o que o governo tem feito. O Salles (Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente) esteve em Madri e pediu dinheiro, quando apresentou a metano Acordo de Parisde neutralidade nas emissões de gases de efeito estufa. E agora, na cúpula (cúpula global sobre a mudança climática que ocorre no fim deste mês nos EUA), ele está pedindo dinheiro. Vejo isso como equivocado, porque o Brasil e a agricultura brasileira correm risco muito grande por conta do aquecimento global.

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Como assim?

O aquecimento global, que ainda não chegou a um grau e meio acima do nível pré-industrial, já abriu áreas de produção na Rússia que antes eram geladas. No Brasil, temos cinco biomas e podemos ter mudanças no regime de chuvas que podem colocar em risco a nossa produtividade de regiões inteiras. O aquecimento global pode colocar em risco a agricultura brasileira ou parte dela.

Como tratar essa questão?

O Brasil tinha de ter uma estratégia. Quem estácausando esse aquecimento global não é o País. São os Estados Unidos, a China e a Europa. Eles estão causando algo que pode nos prejudicar muito. Ao invés de pressioná-los, estamos pedindo dinheiro. A perda de produtividade de duas safras é um prejuízo muito maior do que qualquer coisa que se possa obter com crédito de carbono. E aqui só se fala em dinheiro, crédito de carbono, pagamento de serviço ambiental. Há toda uma estratégia para ganhar dinheiro com o que pode ser uma catástrofe.

Então a estratégia do governo é equivocada?

É totalmente equivocada, míope e de curto prazo. Estados Unidos, China e Europa estão causando o desastre e preocupados em não continuar causando. Estão reduzindo a emissão de gases de efeito estufa, fazendo investimentos milionários no carro elétrico, por exemplo. Nós, que podemos sofrer o desastre que eles estão provocando e podemos pagar o pato, parece que não estamos preocupados. Estamos vendo como oportunidade para ganhar dinheiro.

O que precisaria ser feito para mudar isso?

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Precisaria ter consciência. O aquecimento global é sério. Esse um grau e meio não pode acontecer, porque terá reflexos no Brasil. Como o País está numa posição até vantajosa, temos uma matriz hídrica na energia elétrica, carro a álcool, biodiesel, teríamos de pressionar fortemente a Europa, China, Estados Unidos para eles fazerem a parte deles. Nós teríamosde estar numa posição de força, pressionando, não querendo passar o pires. Acho que é um erro estratégico e muito grave. A questão do aquecimento global não é gripezinha. É algo sério, mas existe o negacionismo, o mesmo que há em relação à covid-19.

E o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, como está nessa história?

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O Salles diz que está ótimo com o Kerry (John Kerry, enviado dos EUA para o clima), que são aliados. Até pediu US$ 1 bilhão para barrar o desmatamento ilegal. Acho que a cúpula global sobre a mudança climática marcada para o fimdo mês nos EUAnão tinha de ser usada para pedirdinheiro para os EUA, Europa, setor privado ou quem quer que seja. Mas para pressionar esses países, do que ser parceiro.

O sr. acha que o Brasil tem condição de virar o jogo da agenda ambiental?

Virar o jogo não tem condição, mas acho que estamos numa posição subalterna. E, no clima, não éramos para ser subalternos. O Brasil é um país positivo com o clima. Não é por coincidência que a Rio Eco 92 foi no Brasil.

Mas e o desmatamento?

No desmatamento não fizemos nada. Não podíamos ter deixado o desmatamento chegar onde chegou. O desmatamento é o nosso calcanhar de aquiles. Basicamente, é ilegal e cresceu. O último dado do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostra que o desmatamento cresceu 9,5% na Amazônia de 2019 para 2020 e no Pará, 24%. É um absurdo o Pará ter esse aumento no nosso nariz. O que estamos fazendo? Nada ou quase nada. Estamos pedindo uma graninha para começar a fazer. Está errado.

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O compromisso brasileiro de reduzir o desmatamento até 2030, firmado no Acordo de Paris, é factível?

Acho que tem de reduzir o desmatamento hoje, não por causa do Acordo de Paris. Porque é lei. Tem de enfrentar o desmatamento ilegal porque está na lei brasileira, não por causa de Biden, Estados Unidos, nem por causa do consumidor europeu.

O agronegócio está fazendo algo nesse sentido?

Acho que está dividido, porque está polarizado. O que se vê é que setores que sofrem pressão da Europa em cima de seus produtos têm feito algo. Isso é bom, mas insuficiente.

O sr. vê risco de boicote às exportações brasileiras do agronegócio por causa da questão ambiental?

Sim, vejo, embora a Europa, que lidera esse boicote, seja cada dia menos relevante nas exportações brasileiras.Mas é preciso ter uma agenda ambiental não pensando nas exportações. Tudo tem de ser sustentável para o consumidor brasileiro.

O sr. acha que existem condições de se dar passos nessa direção com essa configuração política atual?

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Acho que a sociedade tem de se posicionar. Se houver essa clareza, se a sociedade estiver mobilizada, qualquer governo muda.

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