Investimento em tecnologia dá força a 'patinho feio' do café brasileiro

Variedade conilon, ‘prima pobre’ do arábica, agora tem seu selo de Indicação Geográfica; para presidente de instituto, conquista torna o café 'reconhecido nacional e internacionalmente'

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Por José Maria Tomazela
3 min de leitura

SOROCABA - Diante do charmoso arábica, o café conilon sempre foi o “patinho feio” da cafeicultura brasileira. Relegado a um papel de coadjuvante, ele é usado para agregar peso ao protagonista ou como blend em misturas dominadas pelo grão principal. Essa realidade começa a mudar. 

Investimentos em tecnologia e práticas sustentáveis de produção estão levando o conilon a um novo patamar. O “primo pobre” do arábica já ingressou na restrita categoria de cafés especiais, e sua principal área de produção, o Espírito Santo, acaba de receber o selo de Indicação Geográfica (IG).

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Em 2020, das 63 milhões de sacas de café produzidas no País, 14,3 milhões eram do conilon. Foto: Felipe Rau/Estadão

Para o diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), Celírio Inácio, esse é o melhor momento da longa trajetória da espécie no Brasil. “Pela primeira vez o conilon entra na categoria de cafés especiais e com notas sensoriais muito elevadas. Esse conceito de que conilon só servia para ‘blendar’ o café não é mais verdade.”A mudança de patamar, segundo ele, é resultado do esforço de órgãos de pesquisa do governo, da indústria e das cooperativas e associações de produtores para melhorar a qualidade da espécie. “Quando o produtor começou a tratar melhor o cafeeiro, colher no tempo certo e secar da forma correta, o conilon passou a mostrar qualidades que não era identificadas e a ser reconhecido pelo mercado.”

Maior produtor mundial, o Brasil cultiva duas espécies de café, o arábica e o robusta, do qual o conilon é a principal variedade. Em 2020, o país produziu 63 milhões de sacas (de 60 quilos), sendo 14,3 milhões do conilon, que produz 30% mais, porém é vendido a preços até 40% mais baixos. Neste ano, mesmo com a bienalidade – o cafeeiro carrega em um ano, em outro não –, a variedade deve produzir até 15,5 milhões de sacas, compensando parte da queda de 31,5% prevista para o arábica. “É um café cada vez mais valorizado aqui e no exterior e só não exportamos mais porque o mercado brasileiro consome quase toda a produção. O setor industrial já percebeu que o conilon não é mais o ‘patinho feio’”, disse Inácio.

Em 11 de maio, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) concedeu o selo IG para o café conilon produzido em todo o Espírito Santo. Do Estado saem 10 milhões de sacas, respondendo por 66% da produção nacional. “A conquista inédita promove o protagonismo do Estado e torna o café conilon reconhecido nacional e internacionalmente”, disse o presidente do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), Abraão Carlos Verdin. O grão é cultivado também em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Rondônia.

Luiz Claudio de Souza, de Muqui (ES) é um exemplo da mudança no conceito do conilon. “As portas estão se abrindo”. 

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Mudança

A melhora na qualidade levou a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) a romper uma tradição. Até recentemente, apenas o arábica podia ser classificado como café especial. “Há cinco anos iniciamos um trabalho de redefinição do que é um café especial e, em consulta aos filiados, não se falou em exclusividade para o arábica. Fomos atrás e descobrimos cafés conilon fantásticos”, conta a dirigente Vanusia Nogueira

A BSCA já emitiu laudos de qualidade para o conilon da Nescafé, do grupo Nestlé, e, em abril, deu o primeiro certificado para uma propriedade, a Fazenda Venturim, em São Domingos do Norte (ES). A certificação leva em conta as boas práticas, a sustentabilidade socioambiental e a qualidade como bebida.

A indústria já detectou o potencial do conilon e investe para dar apoio aos seus parceiros capixabas. Em abril, a Nescafé lançou uma edição limitada de café em grão a partir de um conilon especial. “Quebramos um paradigma”, disse a diretora Raquel Muller. Segundo ela, o conilon casacom o paladar brasileiro, pois é um café mais encorpado.

O engenheiro agrônomo Pedro Malta, do departamento de agricultura da Nescafé, conta que esse trabalho foi iniciado há dez anos no norte do ES, onde produtores migraram para a produção sustentável. “As fazendas adotaram novas tecnologias”, afirmou.