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Presidente de grupo de pecuária sustentável defende pacto com produtores, ONGs e indústria

Caio Penido propõe a efetiva implementação do Código Florestal e o pagamento por serviços ambientais ao pecuarista que aderir ao desmatamento zero

Por Tania Rabello
Atualização:

O presidente do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS), Caio Penido, está propondo um novo pacto agroambiental para a cadeia produtiva de carne bovina do País. Os principais pontos desse acordo, que envolveria produtores, indústria, varejo e organizações não governamentais (ONGs), entre outros segmentos, compreendem sobretudo a efetiva implementação do Código Florestal e o pagamento por serviços ambientais (PSA) ao pecuarista que aderir ao desmatamento zero - política atualmente adotada pelas indústrias frigoríficas e pelo varejo.

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Segundo ele, também é necessária a regularização fundiária, ainda um entrave para solucionar os problemas ambientais da cadeia. O tema será discutido nesta quinta-feira, 29, pelo GTPS, fórum sobre pecuária sustentável que reúne pecuaristas, instituições financeiras, indústrias frigoríficas, sociedade civil, ONGs, setor de insumos e serviços, varejo, restaurantes e ensino e pesquisa.

Caio Penido explica que a ideia é deixar de lado o que chama de "slogan do desmatamento zero" puro e simples e fixar uma política que reconheça que o segmento pecuário, cumprindo a lei ambiental do País, amplamente discutida e aprovada pela sociedade, pode ser sustentável. E, também ao garantir a biodiversidade, deve ser recompensado. "Em vez de ser calcinado no exterior como desmatador, o País deve figurar como exemplo de produção de alimentos aliada à proteção da natureza e à baixa emissão de gases do efeito estufa", afirma o presidente.

Em entrevista exclusiva ao Broadcast Agro, Penido lembra que estudo da Nasa mostra que o País tem 65% de seu território coberto com vegetação nativa. "Nós já preservamos e, na minha opinião, o fato de o mundo não conseguir ver o Brasil como campeão da biodiversidade é consequência direta dessa estratégia adotada lá atrás, de desmatamento zero e de criminalização do setor agropecuário."

Caio Penido, pecuarista e presidente do GTPS, propõe conversar com todos os setores para firmar o pacto agroambiental. Foto: Arquivo Pessoal

Criador de gado de corte em Cocalinho (MT) e um dos fundadores da Liga do Araguaia - grupo que reúne 62 fazendas no Vale do Araguaia que desenvolvem projetos ligados ao sequestro de carbono -, Penido diz querer aproveitar o momento atual na pecuária para levar à frente as estratégias acima. Ele lembra as várias iniciativas recentemente anunciadas por grandes indústrias frigoríficas do Brasil, como JBS, Marfrig e Minerva, para monitorar na Amazônia os fornecedores indiretos de gado - pecuaristas que vendem bezerros e bois magros para o criador que vai engordá-los e enviar para abate.

Desde 2009, por pressão de ONGs e de países importadores de carne do Brasil, os frigoríficos lançaram mão de sistemas para monitorar os seus fornecedores diretos de gado, sobretudo na Amazônia. Caso encontrem alguma irregularidade socioambiental nas fazendas, elas são excluídas da lista da indústria. Agora, o círculo se fecha mais ainda contra desmatamentos, com frigoríficos passando a adotar sistemas que identificam as fazendas de origem dos bovinos, desde o seu nascimento até o abate.

Penido acredita que, embora os três grandes players da indústria da carne ainda exijam desmatamento zero - vetando até mesmo aqueles feitos dentro da lei -, o caminho natural, à medida que a cadeia de fornecimento estiver 100% rastreada, será os frigoríficos passarem a adotar o pagamento por serviços ambientais para estimular os pecuaristas a abandonarem de vez a retirada de florestas da propriedade.

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A ideia a ser lançada na reunião desta quinta-feira, conforme carta do GTPS enviada aos membros do fórum, é construir um modelo de rastreabilidade e monitoramento do indireto baseado em respeito ao Código Florestal; respeito aos mecanismos desenvolvidos para garantir a sanidade do rebanho brasileiro; não apoio a estratégias de fragilização e criminalização da imagem de empresas ligadas ao agro, que alimentam a polarização e a associação da imagem do Brasil com a destruição da Amazônia, e respeito à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Ainda sobre o "desmatamento zero", o pecuarista avalia que "não é o Brasil" que tem interesse nessa estratégia que se sobrepõe até mesmo ao Código Florestal - já que a lei ambiental brasileira permite a retirada de mata nativa em determinadas proporções, conforme o bioma. "O interesse por esta pauta de desmatamento zero é dos verdadeiros culpados pelas grandes emissões de gases do efeito estufa, como Estados Unidos e União Europeia", diz. "De nossa parte, temos interesse em desmatamento ilegal zero, e, se quiserem desmatamento zero de fato, este deve vir atrelado a uma estratégia de pagamento por serviços ambientais", reforça.

No seu entender, os grandes países responsáveis pelo aquecimento global estão "acomodados" na cobrança pela preservação das florestas brasileiras, sem contribuir de fato com os produtores para a conservação e só ampliando exigências e impondo restrições aos produtos agropecuários nacionais. "Temos de cobrar para esses países reduzirem suas emissões e neutralizarem parte delas pagando pelos nossos serviços ambientais. É uma questão de justiça e equilíbrio", continua. "Por que eles estão descarregando todo o ônus de conservar sobre nós, impondo uma agenda colonialista, de fora para dentro, sem debate com a sociedade e obrigando que trabalhemos de graça nessa conservação pelo resto da eternidade?", questiona. E arremata: "Precisamos tirar a bazuca apontada para o Brasil e apontar para os verdadeiros culpados das emissões, exigindo retribuição por estarmos preservando parte da biodiversidade do planeta".

Penido comenta que, dentro do GTPS, um grande ponto de atrito foi justamente o mote do "desmatamento zero". "A Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat) liderou um movimento para retirar uma frase na missão do GTPS, de compromisso com desmatamento zero; isso foi colocado em votação e aprovado", diz ele. "Na ocasião, as ONGs que fazem parte do GTPS se apresentaram publicamente na reunião de conselho e disseram, com muita transparência: aceitamos a mudança, mas vocês devem saber que a sociedade civil é a favor do desmatamento zero."

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Entretanto, fora do GTPS, ele diz que sempre houve pressão a favor do desmatamento zero, reforçada por ONGs e países que adotaram estratégias conjuntas com foco na agropecuária. "Elas pressionaram, os frigoríficos brasileiros tiveram que ceder para não perder clientes e o pecuarista, que buscava seguir o Código Florestal, que é a lei ambiental do País, se sentiu desrespeitado e excluído", diz. Penido reconhece, porém, que as ONGs "estão cumprindo seu papel de apontar para os erros da cadeia, como devem mesmo fazer", assinala. "Elas, muitas vezes, cumprem papéis que o setor público não consegue e isso é motivo de elogio", ressalta ele, que garante manter "excelente relação" com as ONGs, como Imaflora, Amigos da Terra, TNC, WWF e Ipam - todas participantes do GTPS, e tem conversado bastante com elas a respeito deste novo possível pacto.

Agora, com a oportunidade de discutir a rastreabilidade total da cadeia de fornecedores de bovinos, ele pretende reunir o setor interessado dentro do GTPS para "cortar de vez a estratégia de explodir a imagem do agro brasileiro lá fora como forma de pressionar a cadeia produtiva pela preservação e também pela regularização fundiária". A solução, segundo ele, será o amplo diálogo, "colocando de lado o ódio e a polarização", diz.

"Vamos tentar pactuar com ONGs, com a indústria frigorífica, varejo, bancos, sociedade civil em geral e produtores formas de preservar, mas dentro do arcabouço do Código Florestal, e promover a rastreabilidade do fornecedor indireto de gado de forma inclusiva, e não exclusiva, como aconteceu no passado", diz. "Eu trabalho numa proposta de todo mundo se 'perdoar', esquecer e olhar para a frente, para uma agenda comum brasileira na área ambiental, que não exclua nenhum grupo e beneficie o País como um todo, nessa visão de que somos, de fato, uma potência agroambiental."

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Para Penido, é urgente a imediata e efetiva implementação do Código Florestal, além dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs) nos Estados, para que pecuaristas com pendências ambientais tenham condições de se regularizar. "É bom lembrar que os bois de pecuaristas vetados em listas de frigoríficos não estão morrendo no pasto; de alguma forma eles estão sendo colocados no mercado", ressalta.

Na sua avaliação, todos poderão pressionar o governo pelo Código Florestal, regularização fundiária e pela efetivação do pagamento por serviço ambiental. "Temos de pegar todos os lados, principalmente ONGs, indústrias e pecuaristas, para se juntar e resolver o problema, sem detonar a imagem do Brasil ou enfraquecer o Código Florestal", acrescenta.

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Outra estratégia que Penido tem em mente é garantir que os pecuaristas estejam representados em outro importante fórum, a Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura. "A classe pecuarista não está representada ali; tenho conversado com integrantes da Coalizão a esse respeito, para que o produtor participe da visão estratégica do fórum", explica Penido, acrescentando que sua ideia inicial é que a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) seja o representante dos produtores rurais nesta mesa-redonda, ou alguma outra entidade de âmbito nacional, como a Sociedade Rural Brasileira (SRB). "Uma entidade nacional teria recursos para levar à frente os debates dentro da Coalizão, pois um grande problema, para o pecuarista e associações regionais, é ter de se deslocar constantemente da fazenda para participar dessas discussões", acredita.

Com tais medidas, Penido espera acabar com as "bolas nas costas" que os pecuaristas costumam tomar. "Muitos já me procuraram para reclamar que mesmo cumprindo com os protocolos de sustentabilidade não encontram apoio e se sentem sabotados", diz. "Por isso, minha estratégia será de transparência para organizarmos uma ação positiva com todos os membros do GTPS", acrescenta. "Precisamos encontrar uma saída comum, na base do diálogo e não da polarização, para consertar isso", finaliza.

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