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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Síndrome da meia-entrada

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Atualização:

Cada um com sua razão. Idoso paga meia-entrada no cinema e no teatro porque é maior de 60 anos. Grande parte dos jovens paga meia-entrada porque é estudante.

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Mas essa é apenas uma ponta de um novelo de enormes proporções. O Brasil sofre de uma doença que os economistas Marcos Lisboa, Zeina Latif e Samuel Pessôa chamam de “síndrome da meia-entrada”, fenômeno que se manifesta em grande número de atividades da economia brasileira.

É o que tem direito à pensão vitalícia por morte; as mulheres que se aposentam, em média, aos 52 anos de idade; são os idosos que podem rodar no metrô ou no ônibus urbano sem terem de pagar passagem; é o empresário que consegue reserva de mercado ou subsídios para seu negócio; o estudante que cursa de graça os cursos superiores em universidades públicas. 

Há amplo consenso na sociedade de que as vítimas da ditadura recebam alguma reparação. Mas, como observa o professor Samuel Pessôa, no Chile, onde a ditadura foi muito mais feroz do que no Brasil, as reparações equivalem a 10% das que são pagas no Brasil. E por aí vai, a lista é enorme.

Muita gente reage automaticamente a esse tipo de avaliação. Argumenta que se trata de direito adquirido e de benefícios mais do que justos, ou, ainda, que se baseiam em amplas justificativas técnicas. Não há como negar. Só que não dá para escapar da matemática e da lógica. Justa ou injusta, alguém paga essa conta. Se não há almoço de graça, também não existe o Estado que faz chover. A economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif , observa que parte importante das despesas e renúncias tributárias em vigor no Brasil hoje corresponde a algum tipo de meia-entrada.

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No Metrô de São Paulo, o maior do País, em 2014 o ressarcimento das gratuidades previstas em lei foi de R$ 289 milhões. O número de usuários que embarcam sem pagar tarifa cresceu 4% entre 2011 e 2014, enquanto o de usuários pagantes aumentou 2,7%.

Desde 1990, trabalhadores demitidos sem justa causa podem andar de graça no Metrô por até três meses. Como o desemprego vem crescendo, o número de usuários nessas condições também sobe a cada dia, atualmente são 12 mil beneficiados. 

E não é só José que paga a fatura que João não paga ou só paga meia. Além de apresentarem custos difusos e pouco transparentes, essas práticas aumentam as distorções da economia. Para que essas estruturas possam subsistir, o País deixa de construir metrôs, estradas, portos; não consegue manter sistemas de educação e de saúde adequados...

Ou seja, o Brasil carrega o peso das opções que fez ou manteve ao longo de sua história. Cada sociedade tem o direito de escolher que benefícios distribuir e para quem distribuir. “O que se espera é que sejam canalizados para setores que apresentem uma relação adequada de custo-benefício”, adverte Zeina. No Brasil, essas coisas proliferam e se mantêm, porque começaram não se sabe bem por que e continuam também porque há muito tempo são assim.

Algumas práticas são mais graves do que puramente direitos a abatimento de 50% nos tickets de shows e de cinemas. Como aponta o professor Samuel Pessôa, o sistema previdenciário do Brasil, que cobre as aposentadorias do setor público e do privado, custa 13,0% do PIB. Em países com estrutura etária equivalente à do Brasil, não passa de 2,5% do PIB.

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O déficit da Previdência Social no ano passado foi de R$ 56 bilhões. A expectativa é de que salte para R$ 100 bilhões em dois ou três anos.

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De acordo com estimativas do pesquisador do Ipea Paulo Tafner, o número de indivíduos em idade ativa no Brasil vai continuar crescendo até 2020, mas depois tende a se estabilizar. No entanto, pelo envelhecimento da população, o segmento de indivíduos em idade de se aposentarem deverá crescer cerca de 3,5% ao ano. Isso quer dizer que, de 2010 para 2040, o Brasil terá triplicado o número de idosos e mantido a mesma população ativa.

São contas e mais contas que não fecham e vão produzindo os rombos fiscais que hoje paralisam o País. Se não forem consertados, podem transformar o Brasil numa nova Grécia.\COLABOROU LAURA MAIA

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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