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A advertência de Mangabeira

Por Ribamar Oliveira e email: ribamar.oliveira@grupoestado.com.br
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Há uma grande torcida para que o Plano Americano de Recuperação e Reinvestimento, que o presidente eleito, Barack Obama, enviará ao Congresso logo após a sua posse, no dia 20, evite a depressão na economia dos Estados Unidos e seja a base para a retomada do crescimento mundial. Como não há muito o que fazer em matéria de política monetária naquele país, onde a taxa de juro do Federal Reserve (Fed, o banco central deles) já está próxima de zero, as esperanças se voltam para a política fiscal expansionista, de estímulo ao consumo e à produção. A fórmula a ser adotada pelo governo Obama é a mesma, grosso modo, da utilizada pelo presidente Franklin Delano Roosevelt para enfrentar a Grande Depressão dos Estados Unidos, nos anos 30, com programas que ficaram conhecidos como New Deal. Mas políticas fiscal e monetária expansionistas não retiram automaticamente uma economia da depressão, advertiu o ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, em conversa com este colunista. Mangabeira foi, durante muitos anos, professor da Universidade de Harvard, onde teve Barack Obama como um de seus alunos. "Somos amigos", disse. Para Mangabeira, a leitura que se faz hoje do New Deal é "enigmática", pois, como observou, o plano de Roosevelt fracassou; ao contrário do que as pessoas pensam, não impediu a depressão. Em alguns anos da década de 30, a queda da atividade econômica se acentuou, com o New Deal em execução. A economia dos EUA só foi reerguida, observou o ministro, com os gastos para a 2ª Guerra Mundial. A Alemanha, durante o governo de Hitler, foi o único país em que a política de expansionismo fiscal e monetário deu certo, lembrou. "Mas somente porque Hitler já estava preparando a guerra", ponderou. Com gastos maciços em armamentos e uma mobilização popular que só uma ditadura conseguiria promover, Hitler conseguiu tirar a Alemanha da depressão. Uma fórmula impensável em sociedades democráticas. O ministro critica o atual debate em torno da crise, pois ele estaria centrado em apenas dois aspectos, que considera superficiais, embora verdadeiros: a necessidade de melhor regulação do sistema financeiro e a defesa de políticas fiscal e monetária expansionistas. "As pessoas estão apegadas ao que costumo chamar de keynesianismo vulgar", disse. Para ele, esses aspectos da crise obscurecem os problemas mais agudos, que precisam ser enfrentados para que o mundo volte a crescer de forma sustentada. O primeiro deles é o desequilíbrio atual entre países poupadores, que acumulam imensos saldos comerciais, e países gastadores, que têm acentuados déficits. Em um extremo está a China, com seus continuados saldos comerciais; do outro, os Estados Unidos, com os seus déficits crônicos. O receio de Mangabeira é que uma política fiscal e monetária expansionista, que estimule o consumo das famílias, acentue o desequilíbrio da balança comercial dos EUA, pois demandará mais importações. O caminho para resolver esse desequilíbrio é difícil, mas, em sua opinião, inevitável. As famílias americanas terão de poupar mais. A China, por seu lado, terá de ampliar o mercado interno, pois sem o consumo americano não terá como sustentar o modelo exportador montado no fim do século passado. Para fazer isso, o governo chinês terá de promover uma forte distribuição de renda. O segundo problema está relacionado à necessidade de reorganizar o sistema financeiro para que se dedique mais aos financiamento da atividade produtiva. Para o ministro, apenas uma pequena parte dos recursos hoje disponíveis vão para a economia real. Uma das ideias de Mangabeira é usar a poupança dos sistemas previdenciários para financiar projetos de investimentos. O ministro acha importante a regulação do sistema financeiro internacional, mas rejeita a proposta dos países europeus de criar um banco central mundial. "O mundo não precisa de uma megaBruxelas", disse, numa referência ao Banco Central Europeu (BCE). A ideia de que "um grupo de burocratas" passe a definir as regras financeiras para todo o mundo não agrada Mangabeira. "A esquerda e a direita precisam se unir contra isso", afirmou, esclarecendo que expressava uma opinião pessoal, não do governo brasileiro. Para ele, a regulação não pode matar a criatividade do sistema. Por isso, Mangabeira prefere que os governos estabeleçam princípios a serem seguidos por todos os países e o seu cumprimento seja condição para o ingresso em organismos multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC). Um desses princípios seria o sistema de câmbio flutuante, que ajudaria a corrigir desequilíbrios comerciais que existem hoje. Mangabeira escreveu, recentemente, o documento intitulado Usando a Crise para Reorganizar os Mercados, enviado, com a anuência do presidente Lula, à equipe de Obama. Nesse documento, ele expressa suas ideias para a solução da crise internacional.

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