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À beira da catástrofe

Por Paul Krugman (The New York Times)
Atualização:

Uma coisa não muito engraçada ocorreu no caminho da recuperação econômica. Nas duas últimas semanas, o que deveria ter sido um debate extremamente sério sobre como salvar uma economia em situação desesperadora, se transformou num teatro político trivial com republicanos despejando todos os velhos clichês sobre gastos perdulários do governo e as maravilhas dos cortes de impostos. É como se o pavoroso fracasso econômico dos últimos oito anos não houvesse acontecido - e, no entanto, por incrível que pareça, os democratas ficaram na defensiva. Mesmo que um grande pacote de estímulo seja aprovado no Senado, existe um risco concreto de que partes importantes do plano original, em especial a ajuda a governos estaduais e municipais, sejam amputadas. De alguma maneira, Washington perdeu qualquer senso do que está em jogo - da realidade de que podemos perfeitamente estar caindo num abismo econômico, e que se o fizermos, será muito difícil sair dele. É difícil exagerar o tamanho das dificuldades econômicas que enfrentamos. A crise começou no setor imobiliário, mas o estouro da bolha imobiliária da era Bush acionou a queda das pedras de dominó não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo. Os consumidores, com a sua riqueza dizimada e seu otimismo abalado pelo colapso dos preços das moradias e um mercado acionário em queda, cortaram seus gastos e aumentaram fortemente sua poupança - uma boa coisa no longo prazo, mas um golpe enorme na economia neste momento. Os incorporadores de imóveis comerciais, observando a queda dos aluguéis e a escalada dos custos do financiamento, estão cortando seus planos de investimento. Empresas estão cancelando planos para expandir a capacidade por não estarem vendendo o suficiente para usar a capacidade de que dispõem. E as exportações, uma das poucas áreas fortes da economia americana no último par de anos, estão despencando agora na medida em que a crise financeira atinge nossos parceiros comerciais. Enquanto isso, nossa linha principal de defesa contra recessões - a capacidade habitual do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) de amparar a economia cortando taxas de juros - já foi ultrapassada. O Fed cortou as taxas que controla basicamente a zero, mas a economia continua em queda livre. Não é de surpreender, portanto, que a maioria das projeções econômicas advirtam que na falta de uma ação governamental estaremos a caminho de uma recessão profunda e prolongada. Alguns analistas privados preveem um desemprego de dois dígitos. O Escritório de Orçamento do Congresso está um pouco mais otimista, mas ainda assim seu diretor advertiu recentemente que "na falta de uma mudança na política fiscal... o déficit na produção nacional em relação aos níveis potenciais será o maior - em duração e profundidade - desde a Depressão dos anos 30". O pior de tudo é a possibilidade de que a economia se veja, como aconteceu nos anos 30, presa numa prolongada armadilha deflacionária. Já estamos mais perto de uma deflação que em qualquer ponto desde a Grande Depressão. Em particular, o setor privado está experimentando cortes generalizados de salários pela primeira vez desde os anos 30, e haverá muito mais disso se a economia continuar se debilitando. Como assinalou o grande economista americano Irving Fischer, há quase 80 anos, a deflação, uma vez iniciada, tende a se autoalimentar. À medida que as receitas em dólar caem em face de uma economia deprimida, o peso da dívida se torna mais difícil de suportar, enquanto a expectativa de novas quedas de preços desestimula os gastos com investimento. Esses efeitos de deflação deprimem ainda mais a economia, provocando mais deflação, e assim sucessivamente. E armadilhas deflacionárias podem durar muito tempo. O Japão teve uma "década perdida" de deflação e estagnação nos anos 90 - e a única coisa que permitiu que o Japão escapasse de sua armadilha foi um boom global que intensificou as exportações do país. Quem salvará os Estados Unidos de uma armadilha parecida agora que o mundo todo está em retração ao mesmo tempo? Será que o plano econômico de Obama, se aprovado, garantirá que os Estados Unidos não tenham sua década perdida? Não necessariamente: alguns economistas, eu inclusive, acham que o plano é insuficiente e deveria ser substancialmente maior. Mas o plano de Obama certamente melhoraria nossa sorte. E é por isso que os esforços de republicanos para tornar o plano menor e menos eficaz - para transformá-lo em pouco mais que outra rodada de cortes de impostos ao estilo Bush - são tão destrutivos. O que Barack Obama deveria fazer então? Eu me incluo entre os que acham que o presidente cometeu um grande erro em sua atitude inicial, de que suas tentativas de transcender o partidarismo terminaram fortalecendo políticos que recebem ordens de marcha de Rush Limbaugh. O que importa agora, porém, é o que ele fará em seguida. Já é hora de o presidente Barack Obama partir para a ofensiva. Ele precisa, sobretudo, não se esquivar de assinalar que os que se colocam no caminho do seu plano em nome de uma filosofia econômica desacreditada, estão colocando em risco o futuro da nação. A economia americana está à beira da catástrofe, e boa parte do Partido Republicano está tentando empurrá-la por sobre essa beira. *Paul Krugman é articulista

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