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A bomba-relógio do salário mínimo

Por José Pastore
Atualização:

Se as discussões das medidas provisórias que mudam o seguro-desemprego, abono salarial e pensões por morte são desafiadoras para o Congresso Nacional, os parlamentares precisam se preparar para enfrentar uma dificuldade ainda maior: a revisão da fórmula do salário mínimo, prevista na Lei n.º 12.382/2011. Com base na fórmula atual, o reajuste do salário mínimo é feito pela inflação do ano anterior e o crescimento do PIB de dois anos atrás. Essa combinação é virtuosa quando a inflação é baixa e o crescimento do PIB é alto. Nesse caso, o aumento do salário mínimo é influenciado mais pelo PIB do que pela inflação, captando, em boa medida, o crescimento da produtividade. Nada melhor do que ter aumentos de salário atrelados aos ganhos de eficiência. Ocorre que os últimos anos têm sido marcados por uma situação inversa. A inflação aumentou muito e o PIB cresceu pouco. Como consequência da fórmula atual, os reajustes do salário mínimo foram sempre superiores aos ganhos de produtividade. Para 2016, o quadro será mais grave, pois espera-se chegar a uma inflação mais baixa - o governo fala em 4,5% -, ao mesmo tempo que o salário mínimo será reajustado por uma inflação altíssima de 2015 (7% ou mais) e um PIB baixíssimo de 2014 (0,2% ou menos). Mais uma vez, a maior parte do aumento do salário mínimo decorrerá da inflação, e não da produtividade. Isso induzirá a aumentos da própria inflação, a menos que se tenha no País um desemprego devastador, o que é indesejável e improvável. Essa conjugação de forças será uma verdadeira bomba-relógio para o programa do ajuste fiscal, operando como uma correia de transmissão entre a inflação passada e a inflação futura. Além disso, a fórmula atual provoca fortes impactos na base da estrutura salarial e nas contas públicas. No primeiro aspecto, os aumentos garantidos pela fórmula alavancam de modo acentuado os rendimentos próximos ao salário mínimo. Um estudo recente do Banco Central mostrou que os trabalhadores que ganharam até um salário mínimo, entre 2003 e 2013, tiveram um aumento salarial médio de 52% acima do mínimo (Banco Central, Impacto do salário mínimo sobre os rendimentos do trabalho: uma abordagem regional, Brasília, 2015). Ou seja, exatamente nos setores em que a produtividade é mais baixa do que a média (que já é ridícula), os salários subiram mais do que o salário mínimo. Sem uma contrapartida da produtividade, diz o referido documento, isso provocou repasse aos preços, com agravamento da inflação. No segundo aspecto, sabe-se que as contas públicas são fortemente afetadas pelo aumento do salário mínimo. As aposentadorias e pensões, assim como os demais benefícios previdenciários, o seguro-desemprego e os programas de assistência social, estão todos atrelados ao valor do salário mínimo. Quando este sobe mais do que o crescimento do PIB e da produtividade, o governo amarga déficits de grande monta. É o que acontece nos dias atuais. Em suma, não há como manter a fórmula em tela. Ela não casa com o regime de austeridade que o governo precisa seguir nem com a eficiência que as empresas e a economia precisam perseguir. Mas o assunto é politicamente explosivo e muito mais complicado do que a aprovação das novas regras do seguro-desemprego, abono salarial e pensão por morte, ora em debate. Uma mudança na fórmula atual terá de ser muito bem explicada para ser absorvida pela opinião pública e pelos trabalhadores. No contrafluxo, as centrais sindicais e os partidos populistas tenderão a emparedar os parlamentares, ameaçando o seu desempenho na próxima campanha eleitoral. Aqui entra o papel de líder do presidente da República. Dilma Rousseff terá de admitir e corrigir os erros do passado para oferecer e garantir um futuro melhor ao povo brasileiro. *José Pastore é professor de Relações do Trabalho na FEA-USP, presidente do conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomércio-SP e membro da Academia Paulista de Letras 

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