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A caderneta, sob ataque

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Por Celso Ming
Atualização:

Até agora, não houve vilão maior no mercado financeiro brasileiro do que os "juros escorchantes". No entanto, mal começam a baixar os juros, vem a pressão dos bancos para que o governo achate o rendimento da caderneta de poupança, para que não faça "concorrência desleal" aos fundos de investimento que lhes rendem receitas com serviços de administração de R$ 15 bilhões por ano. Há uma semana, o presidente Lula avisou em Washington, onde se encontrava em visita oficial, que o governo estuda a redução do rendimento da caderneta. Mas não avançou o que pretende, talvez porque não saiba ainda como tratar o problema. O argumento central dos bancos é o de que a remuneração da caderneta (que paga TR, a Taxa Referencial, mais juros de 0,5% ao mês) começa a superar a dos fundos. E, à medida que os juros caírem ainda mais, será inevitável a migração das grandes aplicações em fundos para as cadernetas, que não cobram nem Imposto de Renda nem taxa de administração. Além disso, essa migração de capitais graúdos deixaria - argumentam os bancos - a caderneta vulnerável a volatilidades, pois a qualquer momento esses investidores peso pesados poderiam tirar proveito da liquidez absoluta por ela proporcionada para reaplicar os recursos em outras aplicações financeiras. Em termos práticos, a caderneta está pagando, neste mês, remuneração de 0,64% ou de 7,96% ao ano. Enquanto isso, os fundos DI rendem algo acima de 0,70% ao mês (8,73% ao ano). Mas esta é a rentabilidade bruta. Uma vez descontado o Imposto de Renda mais a taxa de administração (que varia de fundo para fundo, de 0,5% a 4,2% ao ano), o retorno líquido dos fundos DI pode ficar reduzido a cerca de 0,56% ao mês (ou 6,93% ao ano). Os bancos sabem que suas pressões encontram boa acolhida no governo, porque o Tesouro também tem interesse em manter aquecida a procura por seus títulos de dívida, cujo rendimento também é submetido ao Imposto de Renda. A primeira opção em exame é a redução da TR, o instituto que substituiu a correção monetária. O problema é ter de providenciar novas revisões da remuneração da caderneta à medida que os juros caírem ainda mais. A segunda opção é remunerar a caderneta não mais com juros fixos, mas com uma porcentagem dos juros básicos (Selic), o que implica mudança na lei. Mas, caso os juros básicos tivessem de subir para combater a inflação, as cadernetas poderiam voltar a ser atraentes e, outra vez, o governo teria de alterar suas regras. A terceira possibilidade é reduzir os juros pagos de 0,5% ao mês (ou 6,168% ao ano), o que também exigiria mudança na lei. Mas a questão central é a de que a caderneta é a única opção popular de aplicação de recursos num país cuja população poupa apenas 17% de sua renda, substancialmente abaixo do que ocorre nos países asiáticos, que poupam cerca de 45%. Desestimular as aplicações em cadernetas sob o argumento de que não se pode estragar o pesqueiro dos bancos e do Tesouro leva o risco de introduzir elemento de desconfiança na caderneta. E, de quebra, eliminaria um fator que poderia contribuir para a redução das escorchantes taxas de administração dos fundos de investimento.

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