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Repórter especial de economia em Brasília

A caneta Bic de cada um

Bolsonaro parece estar caindo na tentação de que sua caneta pode tudo. Não pode.

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Por Adriana Fernandes
Atualização:

O presidente Jair Bolsonaro costuma dizer que assina os documentos da Presidência com uma caneta Bic. Foi assim no termo da sua posse no cargo em janeiro de 2019 e segue nos dias atuais. 

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A pandemia da covid-19 encheu de tinta a caneta presidencial com bilhões de reais para gastos. São valores tão altos que muito provavelmente Bolsonaro não teria condições de assinar até o final de um eventual segundo mandato, caso consiga a sua reeleição para qual já está trabalhado desde agora.

Passados 20 meses de governo e cada vez mais confortável com a sua Bic, o presidente parece estar caindo na tentação que acomete muitas autoridades que desembarcam em Brasil. A de que a sua caneta pode tudo. 

Não pode.

Quando essa visão chega à esfera orçamentária e o bom senso vai embora, o perigo ronda e acende os sinais de alerta da burocracia estatal. 

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Com certeza é de se imaginar que outras canetas Bic estão dando alertas ao presidente. Foto: Alan Santos e Valdenio Vieira

O exemplo mais recente tem sido a discussão enviesada que tomou conta do Orçamento de 2021 na Junta de Execução Orçamentária, que define as diretrizes para a destinação e depois execução das despesas aprovadas pela lei orçamentária.

Primeiro foi a tentação de usar recursos via o orçamento de guerra da pandemia da covid-19 para bancar investimentos em obras de infraestrutura e outras tentativas para poder liberar mais dinheiro até o final do ano, quando as regras fiscais estão suspensas por conta do coronavírus. 

Agora, o que se vê é a estratégia de reforçar a todo custo o orçamento do Ministério da Defesa em detrimento de outros gastos em áreas mais importantes, como saúde e educação. 

Se não bastassem os gastos com a reformulação das carreiras militares, o presidente determinou um aporte ainda maior do já turbinado orçamento da Defesa. Como? Adiando o censo de 2020 previsto para 2022. 

São cerca de R$ 2 bilhões a mais a custo sem precedentes para o trabalho de pesquisa do IBGE, o planejamento das políticas publicas e a transferências de recursos para Estados e municípios. A contagem populacional é determinante para a repartição. É bom lembrar que o censo, previsto para esse ano, já tinha sido adiado para 2021. 

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O risco de um novo adiamento, sem uma justificativa plausível, certamente pode levar a uma judicialização dos municípios que se sentirem prejudicados.

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Como explicou o presidente do IBGE, distribuição do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) está congelada esperando o censo de 2020. “Isso é muito grave porque o censo de 2022 só vai ter resultado em 2023. Vai ter 13 anos sem nenhuma informação demográfica ”, disse o ex-presidente do IBGE, Roberto Olinto, ainda incrédulo com tamanha audácia do governo de fazer essa proposta, revelada em reportagem do Estadão dessa semana.

O que chamou atenção na decisão de ampliar em R$ 2,27 bilhões o orçamento para a área militar foi o comunicado da ampliação do Orçamento para os militares foi feito pelo secretário de Orçamento do Ministério da Economia, George Soares, em ofícios nos quais afirma que os pedidos foram feitos por Bolsonaro.

Quem conhece a burocracia de Brasília sabe que esse foi um ato de cautela e cuidado com assinatura da sua caneta Bic. Depois dos inúmeros processos abertos pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no rastro das manobras contábeis da ex-presidente, conhecidas como pedaladas fiscais, que atingiram servidores da elite do funcionalismo, ficaram muitas sequelas. 

As carreiras que compõem o Ministério da Economia, diferentemente da maioria de outras carreiras existem há muito tempo com servidores que foram recrutados em concursos muito difíceis, com os da Receita, Tesouro e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. 

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Um técnico experiente, por exemplo, não foi condenando por que tinha registrado nos seus e-mails todas as advertências feitas ao seu superior, o ex-secretário do Tesouro, Arno Augustin. Na época, os técnicos se rebelaram numa reunião, como está relatado no livro “Perigosas Pedaladas” do jornalista João Villaverde. Muitos desses processos ainda estão em andamento. Um deles com resultado recente, cinco anos depois das pedaladas.

Com certeza é de se imaginar que outras canetas Bic estão dando alertas ao presidente.

*É JORNALISTA