PUBLICIDADE

Publicidade

''A China não vai salvar o mundo''

Modelo de desenvolvimento asiático morreu, afirma o professor da Universidade de Pequim Michel Pettis

Por Mariana Barbosa
Atualização:

A ascensão da China como principal destino das exportações brasileiras, deixando para trás os Estados Unidos, é mais um reflexo da diversificação das exportações no comércio global do que sinal de que a China estaria caminhando para se transformar no grande consumidor mundial. Para que a China venha ocupar o posto de principal consumidor mundial, será preciso uma mudança dramática na política econômica chinesa. No entanto, o modelo de desenvolvimento chinês, que tem sido levado às últimas consequências neste momento de retração global, está falido, diz o professor da Universidade de Pequim Michel Pettis, um dos maiores especialistas em China. Historiador e ex-executivo dos bancos Bear Stearns e Credit Suisse First Boston, Pettis foi para a China por acreditar que a ascensão chinesa era o grande tema do século. Hoje, vê com cautela as análises de que a China vai salvar o mundo. EUFORIA NO BRASIL "As exportações do Brasil para a China não são para consumo chinês, mas para serem reexportadas. Seis ou sete anos atrás, muitos analistas começaram a falar sobre como as exportações para os Estados Unidos estavam caindo em relação ao total das exportações. E o argumento era que isso estaria indicando um descolamento, que a economia americana estava ficando menos importante para a demanda de cada país analisado. O problema dessa explicação é que as importações dos Estados Unidos e o déficit comercial americano em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) global, na verdade, têm aumentado de forma dramática. A redução da participação da demanda americana na exportação de diversos países reflete o fato de que o comércio global ficou mais especializado. Em vez de vender diretamente para os Estados Unidos, você vende para a Itália, que vai processar e vender para os Estados Unidos." INVASÃO CHINESA "Com a redução do déficit comercial americano - que representa de dois terços a três quartos do déficit mundial -, de um ano para cá, os superávits comerciais também deveriam ter encolhido. Mas o superávit chinês, que representa três quartos do superávit mundial, continua aumentando. E a China está falando em aumentar ainda mais suas exportações. Para isso acontecer, todas as outras nações exportadoras terão de deixar de exportar. Talvez isso aconteça e ninguém se importe. Mas, quando os Estados Unidos tentaram fazer isso, nos anos 30, criou-se uma guerra comercial e o comércio internacional entrou em colapso." NO ESPAÇO AMERICANO "Para a China substituir a demanda dos Estados Unidos não é que o consumo da China tem que crescer, é o consumo líquido da China que tem de crescer. Em outras palavras, o consumo tem que crescer mais rapidamente do que a produção. Isso não é o que está acontecendo. A produção cresce, pelo menos, tão rápido quanto o consumo. Na China, a renda per capita é metade ou um terço da renda per capita brasileira. Se eu disser que, em 50 anos, os brasileiros serão tão ricos quanto os americanos hoje, você vai desconfiar. Agora, para a China alcançar isso é muito, muito mais difícil. A China possui um quinto da população mundial. Você pode imaginar a população chinesa consumindo o que a população americana consome hoje? Teríamos problemas com preço de commodities, problemas com água, problemas ambientais. Não digo que é impossível, mas o que estou dizendo é que o grau de certeza com que se fala sobre o crescimento chinês é totalmente injustificável." A CRISE NA CHINA "O pacote de estímulo econômico adotado pela China não vai funcionar. O pacote é destinado, primordialmente, para a produção. Nas crises de 1997 e 1998, a China também respondeu à crise despejando recursos na produção industrial para a exportação. É uma forma de manter a economia funcionando e gerando empregos. Mas o investimento governamental não é o jeito mais eficiente de investir numa economia e estamos vendo muito desperdício. A China está investindo na construção de navios, mesmo sabendo que tem navio sobrando no mundo. Está produzindo alumínio porque na região que produz alumínio tem alto desemprego e essa é única forma que eles conhecem de combater desemprego. A diferença é que, naquela época, os Estados Unidos estavam crescendo muito rapidamente, 3%, 4% ao ano, e absorvendo esse excesso de capacidade. Mas esses dias acabaram. O PIB americano está crescendo de forma muito lenta. E o consumo americano vai, necessariamente, crescer menos que o PIB. Isso significa que o déficit comercial americano vai encolher. Portanto, a estratégia que funcionou lá atrás, não vai funcionar dessa vez. Quem vai comprar os produtos que os chineses estão produzindo? Essa crise não vai durar 6 meses, vai ser um problema de 3, 4 anos." ?FIM DA HISTÓRIA? "Isso não significa que a história da China acabou. Eu sempre acreditei que a ascensão da China é o assunto mais importante do século 21. Mas o modelo de desenvolvimento asiático morreu. O modelo é baseado em incentivar a poupança, que é o mesmo que restringir o consumo e injetar dinheiro em produção. Se a produção cresce mais que o consumo, você precisa ter um superávit comercial. Se alguém vai ter um grande superávit, alguém precisa ter um grande déficit. Os Estados Unidos exerceram esse papel durante muito tempo. A Europa está em uma situação ainda pior e não quer nem é capaz de ter um déficit muito grande. O Japão está muito mal. E mais ninguém é grande o suficiente. Ou seja, o modelo gera um excesso de capacidade e hoje não há mais condição de exportar esse excesso de capacidade." NA DIREÇÃO OPOSTA "É preciso incentivar o consumo doméstico. Mas a evidência histórica mostra que incentivar consumo é um processo muito lento e difícil. Não só é um processo difícil, mas as políticas atuais estão indo na direção oposta." RELAÇÕES COM O BRASIL "Se a China crescer menos, não acho que é razão para inimizades. Só significa que o Brasil vai crescer de forma mais lenta. De certa forma, acho que China e Brasil estão em lados opostos. A China quer commodities baratas e o Brasil, preços mais altos. Vai ser muito difícil chegar a um acordo que deixe os dois lados contentes. Hoje os preços das commodities estão subindo por causa do estímulo fiscal, pois os chineses estão comprando e produzindo. Mas é uma bolha. Em algum momento, eles terão de parar de comprar. Acho que o Brasil deveria baixar as expectativas." A CRISE NO BRASIL "O Brasil está muito bem, tem a questão da dívida, que ainda é alta, mas melhorou muito. A má notícia é que crises globais são sempre muito severas para países em desenvolvimento, tanto para os bons quanto para os maus. O grande motor do desenvolvimento da última década foi o desejo do americano de consumir como se não existisse amanhã. Esses dias acabaram. Pelo menos pelos próximos 5 ou 10 anos. Essa crise é tão dramática que os americanos poderão até começar a poupar."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.