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''A China vai comprar tudo que puder''

Jornalista do ''Financial Times'' conta, em livro, como o Partido Comunista controla a [br]economia chinesa

Por Cláudia Trevisan
Atualização:

O Partido Comunista saiu da vida privada dos chineses, mas manteve firme controle de três instrumentos que garantem sua permanência no poder: o Exército, a propaganda e a nomeação dos ocupantes de todos os postos de comando do país. A caneta para nomear e demitir dá ao partido controle direto sobre as estatais chinesas, que estão comprando ativos em todo o mundo, inclusive no Brasil, diz o jornalista australiano Richard McGregor, autor do livro The Party - The Secret World of China"s Communist Rulers (O Partido - O Mundo Secreto dos Dirigentes Comunistas da China), editado pela Penguim Books. Ex-diretor do escritório do Financial Times na capital chinesa, McGregor ocupa desde 2009 o cargo de subeditor do jornal, em Londres. A seguir, os principais trechos da entrevista.Você começa seu livro com a citação de um professor da Universidade do Povo: "O partido é como Deus. Ele está em todos os lugares, só que você não pode vê-lo". Quão forte é a presença do partido na China de hoje?O partido se retirou da vida privada das pessoas, que hoje podem ter seus negócios, viver onde quiserem, viajar ao exterior etc. Eles mantiveram o controle do que é importante - o poder político - e ainda recebem o crédito pela economia privada e o crescimento do país. O partido sobrevive por meio do controle de três "Ps": propaganda, pessoal e PLA (sigla em inglês para o Exército de Libertação Popular). Com isso, o sistema comunista se fortaleceu, porque se focou em poucas questões realmente importantes. O partido também se beneficiou do fato de que a China enriqueceu. Há uma situação bastante curiosa, na qual a legitimidade do Estado comunista é dada pela economia de mercado. Pouca gente se dá conta de que o Exército na China não pertence ao Estado, mas sim ao Partido Comunista. Nos Estados Unidos, na Inglaterra e até mesmo na Austrália sempre houve preocupação com a politização das Forças Armadas. Na China, é o contrário e as publicações militares sempre criticam o risco de despolitização do Exército. O Exército de Libertação Popular é o que está atrás do partido para garantir que ele permaneça no poder.E os outros dois "Ps"?A propaganda envolve a mídia e a história, o que é muito importante. O partido controla não apenas o país, mas a história da China. Quanto ao pessoal, eu acho que poucas pessoas fora da China têm ideia do sistema de nomeações, de recursos humanos do país. É como se no Brasil o governo tivesse o poder de nomear todos os membros do gabinete, os dirigentes de todos os jornais, os governantes de cada Estado, os prefeitos de todas as cidades, o presidente do Banco Central, o reitor de todas as universidades, o presidente da Petrobrás e de todas as outras companhias estatais. Todas as indicações passam pelo partido, que pode contratar e demitir. Eles não usam isso o tempo todo, porque querem que as estatais tenham sucesso comercial. Mas quando querem, eles usam esse poder.O partido exige que as estatais tenham sucesso comercial, mas ao mesmo tempo mantém enorme controle sobre elas, não?O governo quer que essas empresas tenham lucro e elas não são mais socorridas por tempo indefinido. Com os bancos, eles podem controlar o volume de empréstimos por meio do controle de seus CEOs. Visto de fora, o comunismo parece um sistema rígido, mas ele pode ser bem flexível. Muitas das estatais controladas pelo Partido estão comprando ativos em vários países, incluindo o Brasil, e em áreas estratégicas, como mineração e energia. Essas companhias podem ter um amplo grau de iniciativa desde que obedeçam à direção da política estabelecida pelo partido. Algumas dessas empresas estão fazendo ótimos negócios e são dirigidas por ótimos executivos. Mas, se eu fosse brasileiro, eu não deixaria uma empresa chinesa comprar a Vale, por exemplo. É algo para ter em mente porque os chineses vão comprar tudo o que puderem.Considerando a capacidade de sobrevivência que o Partido demonstrou em um período no qual a China parecia mergulhada em um processo de transformação permanente, como você vê o futuro da organização?O sistema aqui é muito resiliente. Eles controlam tudo o que é importante. Ninguém mais além das pessoas que são membros do partido tem a experiência, a rede e o conhecimento burocrático, os contatos globais, o conhecimento das instituições e o conhecimento especializado em determinadas áreas para gerir o país. Todo mundo, com uma ou duas exceções, está no partido. O maior teste para o partido virá quando a economia se desacelerar. Eles ainda têm muito que crescer e acredito que podem manter o atual sistema por pelo menos mais 5 ou 10 anos. Depois disso, quem sabe?

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