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A citricultura e o resgate da autoestima

Por Marcos Fava Neves
Atualização:

O interior do Estado de São Paulo tem um dos mais importantes segmentos do agronegócio em todo o mundo. Um setor que já trouxe mais de US$ 50 bilhões, gera 400 mil empregos e responde pelo único produto exportado pelo Brasil com participação de 80% no mercado mundial. Esse setor é a citricultura. Apesar de contar com um respeito internacional enorme, aqui no Brasil o mais comum é associar o setor a uma imagem negativa, graças às notícias de cartel, doenças e pragas, terceirização ilegal, expulsão de pequenos citricultores, o fim da defesa citrícola, exploração de mão de obra e outras. Temos uma incrível capacidade destrutiva com uma cadeia tão positiva para a economia. Sempre vi na cana-de-açúcar o setor mais injustiçado. Mas agora o título foi para a laranja.Um pomar é uma decisão de 20 anos por parte do produtor que, além de sujeito a pragas e doenças, terá produção apenas a partir do terceiro ano. É necessária ainda uma estrutura logística, acarretando uma forte responsabilidade no processo de concentração nos elos do setor e nas formas de transações de venda da fruta via contratos, mercado spot e integração vertical (produção própria das indústrias). O mercado também não oferece possibilidade de total proteção da incrível volatilidade dos preços, que flutuaram nos últimos anos de US$ 800 a US$ 2.500 por tonelada de suco. Essa flutuação, aliada à especificidade dos ativos (investimentos), tem gerado permanente tensão entre elos da cadeia produtiva, que, somada aos riscos de preços, traz incerteza quanto aos resultados de sua atividade. Os danos econômicos são maiores quanto menor for o grau de modernização produtiva e administrativa do pomar e da eficiência industrial e logística, pois os pomares mais eficientes conseguem suportar melhor os impactos negativos das quedas de preço. Com defasagens em razão da duração dos contratos, estoques e outros fatores, os preços da laranja mostram relativo comportamento consistente com os preços internacionais do suco, seja no atacado europeu ou nos EUA. Se produtores menos tecnificados estivessem protegidos por instrumentos que lhes permitissem um maior grau de previsibilidade para os resultados de seu negócio, teríamos menos tensão. Um desafio a ser enfrentado pelo setor.Para sorte da produção brasileira, a Flórida contribui hoje com apenas 50% do que representou, sendo difícil sua recuperação. Porém, os compradores mundiais de suco também estão se concentrando e, aliados às marcas próprias dos varejistas, colaboram para um cenário de margens apertadas. O suco vem sofrendo, ainda, forte competição de outras bebidas, energéticos, outros sucos e águas com sabor.A cadeia da citricultura não está parada. Em dez anos a produtividade saltou de 416 para 600 caixas por hectare. Houve adensamento dos pomares de 250 plantas/ha (1980) para 476 plantas/ha (2000), compensando a redução da área (180 mil hectares). Hoje, pomares novos são formados com incríveis 800 plantas/ha, permitindo em algumas áreas ter 1.500 caixas por hectare.A citricultura merece políticas privadas e públicas. O que mais nos incomoda é a exclusão dos que não renovaram seus pomares no novo padrão de produtividade e o custo-alvo exigido por essa commodity. Hoje, 80% das laranjas adquiridas pela indústria vêm de produtores médios e grandes. São necessários instrumentos de proteção de risco, recursos para a renovação competitiva e contratos de participação estáveis. Mas é possível avançar. A cadeia está sendo quantificada e mapeada cientificamente. Os dados surpreenderão pela dimensão econômica, por impostos, empregos e importância do setor. Culminará num livro com propostas concretas, colaborando para o diálogo e para a preservação dessa verdadeira riqueza paulista e nacional que é a laranja. Temos de resgatar sua imagem, começando pela autoestima.PROFESSOR TITULAR DA FEA/USP (RIBEIRÃO PRETO), COORDENADOR CIENTÍFICO DO MARKESTRAT. É AUTOR DE "ESTRATÉGIAS PARA A LARANJA NO BRASIL" E "CAMINHOS DA CITRICULTURA" (ATLAS)

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