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Líder de mercado na Oliver Wyman, Ana Carla Abrão trabalhou no setor financeiro a maior parte de sua vida, focada em temas relacionados a controle de riscos, crédito, spread bancário, compliance e varejo, tributação e questões tributárias.

A construção do interesse público

O projeto convertido em lei nos legará uma administração pública que age em conjunto

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Por Ana Carla Abrão
Atualização:

Me lembro da primeira vez que defendi a revisão da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Estávamos no segundo semestre de 2015, Joaquim Levy havia assumido o Ministério da Fazenda no início daquele ano, interrompendo a farra dos avais para Estados e municípios se endividarem. Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro já davam sinais de agonia, mas de maneira geral a falta do dinheiro fácil dos anos anteriores escancarou uma crise fiscal ainda mais estrutural do que a federal. A revisão da LRF mostraria a extensão e a raiz do problema. Um pouco mais na frente o governo chegou a ensaiar essa iniciativa mas, na ocasião, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público foi veementemente contrária. Fazendo uso de argumentos equivocados, porém com grande capacidade de sensibilização, convenceram um ou outro jornalista menos versado no tema de que aquilo nada mais era do que um golpe contra a Lava Jato. Fizeram pressão sobre o governo e o Congresso, que desistiram da revisão e mantiveram oculto o propósito verdadeiro, que era o de mostrar que os limites de despesa de pessoal não são cumpridos há muito. Tivéssemos feito essa discussão lá atrás, problemas que foram se agravando teriam tido suas soluções antecipadas, nos poupando alguns anos adicionais de desajuste cuja conta ainda chegará para a sociedade. Vivemos hoje uma situação semelhante com o Projeto de Lei 7.448/2017, de autoria do Senador Antonio Anastasia (PSDB) e que visa a modernizar conceitos do Direito Público. O projeto foi discutido por mais de 2 anos no Congresso Nacional, recebeu emendas que o aprimoraram, foi aprovado e seguiu para sanção presidencial.  O PL 7.448/18 não muda em nada as atribuições constitucionais de cada uma das esferas da administração pública ou de seus controladores, mas dá maior clareza às decisões públicas nas relações entre entes públicos e privados ao exigir a explicitação das motivações de seus atos. Garante transparência e a avaliação dos impactos das decisões tomadas por agentes públicos. Para o bem ou para o mal, de quem executa e de quem controla. O projeto tira um pouco da arrogância do processo ao extinguir a visão corrente de que ao gestor público não se perguntam razões nem consequências. Responsabilidade e defesa do interesse público passam a ser compartilhadas por administradores, juízes e controladores.  O projeto também reforça a punição de agentes públicos que passam a responder não somente por ilegalidades intencionais, mas também por aquelas cometidas por negligência, imperícia, imprudência ou erros grosseiros. Por outro lado, protege os agentes públicos contra perseguição por suas interpretações, impedindo intimidações àqueles de boa-fé e evitando o apagão da caneta, quando o agente público prefere não decidir a se arriscar a uma interpretação equivocada ou persecutória de um órgão de controle.  Nada mais distante, portanto, do alegado enfraquecimento das funções de controle que alguns já se arvoraram em alardear. Mas, assim como foi lá atrás com a LRF, aqui também – e sob o argumento repetido da ameaça ao combate à corrupção - órgãos de controle se juntaram para defender o veto integral ao projeto. Mais uma vez, transparência, segurança jurídica e responsabilidade são colocados em cheque graças às investidas do corporativismo, que se alimenta da preponderância do processo sobre o resultado, do poder assimétrico e do controle desmesurado que transformam a burocracia em um fim em si mesmo. Não desisti da revisão da LRF, mas torço por uma história diferente para o PL 7.448/2017. Afinal, esse projeto convertido em lei nos legará uma administração pública que age em conjunto, em defesa não dos seus privilégios e poderes e sim tendo no interesse público a sua única e principal motivação. A partir daí, certamente veremos menos esqueletos de obras públicas Brasil afora, mais investimentos privados que geram emprego e renda para a nossa população e mais celeridade e segurança nas decisões dos agentes públicos bem intencionados. Assim é em todo país civilizado. * ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN

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