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''A crise deve gerar novos negócios''

Ricardo Lacerda: Presidente do banco de investimentos do Citi; segundo Ricardo Lacerda, empresas capitalizadas devem aproveitar o atual momento para investir e crescer

Foto do author Alexandre Calais
Por Alexandre Calais
Atualização:

Apesar da crise econômica global - ou até mesmo por causa dela -, vem aí uma nova rodada de fusões e aquisições. A avaliação é de Ricardo Lacerda, presidente do banco de investimentos do Citi. Lacerda é responsável pela costura de alguns dos maiores negócios realizados no Brasil nos últimos anos. Em 2007, passaram pelas suas mãos transações de mais de US$ 17 bilhões - como, por exemplo, a compra do Atacadão pelo Carrefour, um negócio de US$ 1,1 bilhão -, cifra que fez do Citi o líder do ranking de fusões e aquisições no País. Este ano, até o momento, os negócios nos quais o executivo está à frente, como a fusão entre Bovespa e BM&F, já somam mais de US$ 31 bilhões, colocando o banco na vice-liderança do ranking (atrás do Credit Suisse, com US$ 36 bilhões). Para Lacerda, há boas oportunidades surgindo no País. E muitas empresas com dinheiro em caixa, em condições, portanto, de aproveitar esse momento para ir às compras. "Há no Brasil empresas extremamente capitalizadas, que estão acompanhando a situação e devem voltar a investir rapidamente", disse. Além disso, empresas estrangeiras também voltaram a olhar com bastante interesse as companhias brasileiras. Ele deu a seguinte entrevista ao Estado: Qual será o reflexo da crise econômica global nos negócios de fusões e aquisições no Brasil? Nos últimos cinco anos, nós vivemos os quatro anos de maior expansão econômica do último século, seguidos de uma das maiores retrações. Então, é natural que isso leve a uma incerteza e a uma retração substancial do volume de negócios. E o fato é que o modelo de negócios desenvolvido antes dessa retração, que implicava em uma disponibilidade quase ilimitada de recursos de terceiros, não existe mais. O dinheiro secou. Hoje, para se fazer algum negócio, tem de ser com recursos próprios. Mesmo assim, esse setor continua extremamente forte no Brasil. Este ano, estamos com um volume recorde de US$ 85 bilhões em fusões e aquisições no País. Com a crise, têm surgido ótimas oportunidades, e não só de empresas em dificuldades, mas também de empresas que estavam muito caras na Bolsa, e que esse choque de realidade transformou-as em ativos mais acessíveis para os eventuais interessados. Esses US$ 85 bilhões não são ainda fruto de um primeiro semestre mais favorável? Sem dúvida, há um componente grande do primeiro semestre, mas no segundo semestre nós também vimos operações substanciais sendo anunciadas. Claro que esse número pode estar distorcido pela fusão do Itaú com o Unibanco. Mas, mesmo desconsiderando-se esse negócio, os números são relevantes. E há outras operações que estão para ser anunciadas até o fim do ano. São negócios importantes, e que eu diria que estão acontecendo em função da oportunidade do momento que estamos vivendo. Ou seja, a crise está gerando oportunidades de negócios. Sim, eu acho que a crise está gerando oportunidades de negócios, e não só porque há empresas em dificuldades - isso é um pedaço muito pequeno do mercado em que atuamos. Há muitas empresas que estão vendo a oportunidade de comprar bons ativos a preços mais acessíveis. E, além disso, essa nova realidade faz com que os empresários busquem formas de criar mais valor para suas empresas. E, nisso, eu acho que o Brasil tem dado um show. Se olharmos operações da complexidade do Itaú com o Unibanco, da Bovespa com a BM&F, da Oi com a Brasil Telecom, da própria Aracruz com VCP, por exemplo, em todos esses casos vemos o empresário brasileiro fazendo transações extremamente complexas, em prazos bastante exíguos e colocando de lado complexidades familiares, de egos e de administração. São operações que criam muito valor para o acionista. É um movimento muito significativo que estamos vendo este ano, e que tende a continuar muito robusto em 2009. De onde virá o dinheiro para esses negócios, se agora não há dinheiro disponível? O que não há é dinheiro de terceiros. Por isso, aquelas aberturas de capital de empresas menores, que tinham apenas um plano de negócios, não existem mais, e talvez nem voltem a existir. Mas há no Brasil empresas extremamente capitalizadas, que estão acompanhando a situação e devem voltar a investir rapidamente. Outras empresas globais que querem atuar no Brasil também têm bastante capital. Por sermos um banco global, estamos envolvidos em várias dessas situações. Passada essa onda de turbulência mais forte, quando o mercado se estabilizar, seja em que patamar for, todo mundo vai ajustar seu plano de negócios e voltar a investir normalmente. Por isso, não estamos esperando nenhum desastre para o ano que vem. O que vai acontecer com o mercado de aberturas de capital? Nós vimos praticamente um fechamento do mercado de aberturas de capital no segundo semestre. Acho que, nessa área, ficaram evidentes alguns excessos nesses últimos anos, e o mercado está depurando isso. Acredito que dificilmente veremos interesse dos investidores por empresas menores. O fator que motivou muitas aberturas foi mais a possibilidade de acesso fácil a capital do que necessariamente planos de negócios, de utilização dos recursos. Mas, uma vez estabilizado o mercado, seja lá em que patamar for, certamente as empresas maiores, com históricos mais sólidos, vão ter acesso a capital. O mercado hoje é cético. Ele vai ter de ser convencido da necessidade de se levantar capital e de como ele vai ser utilizado. Houve um momento da crise em que parecia que o mundo estava acabando, com grandes oscilações nas bolsas, e a impressão que dava era de que tão cedo não haveria nenhum negócio. Quando o Sr. sentiu que as empresas voltaram a buscar essas transações? Eu acho que os negócios que estão acontecendo agora são transações que não estão sujeitas a essa turbulência muito brusca. São empresas sólidas, capitalizadas, e que vêem uma oportunidade, independente da turbulência do mercado, de criar valor por meio da consolidação. Obviamente, quem está alavancado, ou quem tem uma dependência muito grande do mercado de capitais, não tem elementos nem condições de assumir riscos de uma transação em meio a essa volatilidade. Mas há muitas empresas que não sofrem diretamente essa volatilidade diária, porque têm um caixa sólido, um plano de crescimento consistente, e que estão vendo na consolidação a oportunidade de criar valor. Vimos aí vários movimentos recentes, e acho que o mais notável é a fusão do Itaú e do Unibanco. Que avaliação o Sr. faz desse negócio? Quais serão as implicações para o sistema bancário? É um negócio que, claramente, cria bancos brasileiros em condições de competir globalmente. Acho que é uma transação extremamente positiva em relação a isso e em relação à possibilidade de mais consolidação no setor no País, e de criar aí, como em todo mercado, dois ou três bancos muito fortes, capazes não apenas de ter uma parcela forte do mercado local, mas também de competir globalmente. Eles têm uma das melhores administrações de bancos do mundo, combinando uma gestão profissional de altíssimo nível com o "olho do dono" - o que, claramente, falta a muitos bancos hoje. E têm também um enorme potencial de crescimento. Mesmo com operações internacionais relativamente limitadas, já estão entre os 20 maiores bancos do mundo. Estou convicto de que em menos de cinco anos estarão entre os dez. Quando o Sr. imagina dois ou três bancos fortes... Isso eu não posso comentar. Perdas com derivativos, como as registradas por Aracruz, Sadia e Votorantim, podem prejudicar a sobrevivência de empresas? Qual é a extensão desses danos? O fenômeno dos derivativos foi um episódio bastante grave, duro, dentro do cenário econômico que temos agora. Mas vamos analisar os fatos. Tivemos uma desvalorização da moeda maior do que em 1999, ocorrendo num período mais curto e em meio a uma crise global muito mais grave do que havia no cenário de 1999. Mesmo assim, tudo se resolveu através do mercado. Houve soluções através da Bolsa, houve conversas entre bancos e companhias, tudo se acomodou sem a necessidade de uma intervenção governamental da magnitude que houve em 1999. O governo aqui não teve de fazer intervenção nenhuma. Simplesmente, através de mecanismos normais que ele tem, que utiliza no dia-a-dia, injetou um pouco de liquidez no mercado. Acho que, sempre que se tem uma mudança de cenário drástica como essa, há, infelizmente, uma transferência de valor de um determinado grupo para outro, porque o cenário mudou muito e leva a isso. Mas não acho que isso é algo que afete, coloque em risco a existência, a continuidade das companhias. Que avaliação o Sr. faz do papel dos bancos nesse episódio? Muitos dos excessos que foram cometidos, seja no financiamento para IPOs, seja na parte de derivativos, acabaram vindo à tona muito rapidamente, de uma forma muito dramática. No entanto, tudo isso está sendo trabalhado da forma mais construtiva e objetiva possível. No âmbito da Anbid, por exemplo, há uma série de discussões sobre essa questão dos financiamentos para IPOs, a própria questão dos derivativos está sendo tratada, e tivemos, em um período recorde, conversas entre bancos e empresas que levaram a uma solução muito rápida. Acho que, dada a gravidade da mudança de cenário, o resultado final desse processo está sendo muito positivo.

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