Publicidade

''A crise fiscal nos EUA está só começando''

Niall Ferguson: historiador e professor da Universidade Harvard; para historiador escocês, o mundo conseguiu evitar uma Grande Depressão, mais há muitos problemas para serem resolvidos

Por Luciana Xavier
Atualização:

Ainda é muito cedo para dizer que a recessão global acabou, acredita o historiador escocês Niall Ferguson, professor na Universidade Harvard, pesquisador na Universidade Oxford e autor dos best sellers A Lógica do Dinheiro - Riqueza e Poder no Mundo Moderno e A Ascensão do Dinheiro - A História Financeira do Mundo, publicado no ano passado. Aos 45 anos, dividindo seu tempo entre Londres, na Inglaterra, e Boston, nos EUA, Ferguson, eleito em 2004 pela revista Time uma das cem pessoas mais influentes do mundo, mostra-se cético sobra a continuidade da relação econômica simbiótica entre China e EUA - que ele chegou a chamar de "Chimérica" em seu livro - com os chineses poupando e exportando e os americanos importando e consumindo. A seguir, os principais trechos da entrevista por telefone, de sua casa em Londres. O sr. estava muito pessimista no início da crise. E agora? Acho que é muito cedo para dizer que isso acabou. Evitamos uma Grande Depressão, mas seria um erro concluir que a recessão acabou. Embora haja sinais de melhora nos Estados Unidos, há muitos problemas a serem resolvidos. Esses problemas são piores na Europa. Ainda não estou convencido de que isso acabou. Mas esta semana tivemos a notícia de que a Alemanha e a França chegaram ao fim da recessão antes do esperado e há expectativa de que o Japão tenha um segundo trimestre positivo. Isso não é sinal de que as coisas estão melhorando também nos demais países desenvolvidos? Há sinais de início de melhora, mas há também razão de continuar atento. O comércio internacional entrou em colapso em escala extraordinária. O que vemos nos EUA são os efeitos de estímulos fiscais, que devem começar a se esgotar ao nos aproximarmos do fim do ano. Quando olho os números alemães continuo cético, pois a situação dos bancos alemães é problemática. Há problemas reais nos bancos europeus e no mercado imobiliário dos EUA, o que nos impede de concluir que (a crise) acabou. E quanto ao déficit fiscal? Como o sr. vê esse problema no futuro próximo e no longo prazo? A crise fiscal nos EUA está só começando a se manifestar e se tornará um assunto cada vez mais incendiário. Fica claro que a administração Obama não tem um plano para controlar o déficit. Mas, ao contrário, tem um plano para permitir que a relação dívida/PIB cresça para 100%, e isso deixará as pessoas muito nervosas. Por isso sou tão cauteloso sobre o que vem em seguida. Diante desse cenário, como devem ficar os Estados Unidos nos próximos dez anos na ordem econômica mundial? Creio que há uma mudança de fundamentos na economia mundial e a crise, de alguma forma, a acelerou. É uma mudança do Ocidente para o Oriente. A economia da China tem mostrado desempenho impressionante este ano, mesmo diante do colapso das exportações. Ao mesmo tempo, parece claro para mim que as economias desenvolvidas, as europeias em particular, estão num caminho de crescimento muito mais lento. Não vejo essas economias crescendo muito acima de 1,5% ou 2%. Do ponto de vista dos Brics, particularmente Brasil e Índia, o retrato é mais encorajador. Se o comércio da China com o Brasil seguir em expansão, poderemos contar com crescimento no País nos próximos anos. Então, a mudança não é só do Ocidente para Oriente, mas também, do Norte para o Sul. Em seu livro ?A Ascensão do Dinheiro?, o sr. cita a ?Chimérica?, onde a China é o grande exportador e a nação onde se poupa e os Estados Unidos ou América, o grande importador, onde se consome muito. Essa relação deve continuar? Bem, é uma questão muito difícil. A base do casamento da China e a América, que chamo de "Chimérica", tem sido uma relação econômica simbiótica, com os chineses poupando e os americanos consumindo, chineses exportando, americanos importando. Agora o problema é que está havendo uma rápida deterioração dessa relação. Eu diria que "Chimérica" é provavelmente um casamento em via de falir, caminhando para o divórcio, pois o interesse econômico de ambos está divergindo bastante. O presidente Barack Obama e o presidente do Fed, Ben Bernanke, merecem o crédito por terem evitado uma Grande Depressão? Acho que Ben Bernanke merece muito crédito. Na verdade, acho que ele tem agido usando todo o conhecimento que tem. Há também algum crédito, porém bem menos, para Obama. Está claro que o estímulo fiscal conseguiu atingir alguma coisa este ano. Mas a maior parte das boas notícias é mais consequência da política monetária do que da fiscal. Em artigo no ?Financial Times?, o sr. disse que o presidente Obama tem muita sorte. Então, ele tem sido mais sortudo do que eficiente? Bem, eu quis dizer que ele deve ser considerado afortunado. Seus primeiros seis meses foram, de fato, melhores que os de Bill Clinton. Isso se deve em parte aos seus conhecimentos, mas também à sorte. Deve-se muito às ações tomadas em setembro e outubro (de 2008) por Bernanke. Então, Obama teve sorte por Bernanke ter feito a coisa certa. O saldo dessas ações veio neste ano. É isso o que eu queria dizer. No artigo, o sr. compara Obama ao Gato Félix, dizendo que, assim como o gato, o presidente tem muita sorte e também é preto, o que provocou acusações de racismo. O sr. esperava tantas reações? Não. Acho tudo tolice. Suspeito que as pessoas estejam fazendo barulho porque não querem prestar atenção no ponto central, que a sorte do presidente pode acabar se o déficit não for colocado sob controle. É óbvio que não há racismo, como não deveria haver objeção em comparar George W. Bush com o Pernalonga. Foi um modo mais leve de introduzir o assunto do déficit. Suspeito dos motivos que levam pessoas como Paul Krugman a comentar isso. Me faz pensar que talvez ele não tenha nada a dizer que valha a pena sobre o tema central, então joga a carta sobre o racismo porque é mais fácil.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.