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 A crise na indústria

A indústria de transformação brasileira está em profunda crise e as causas são de natureza estrutural. Corrigilas não é tarefa simples e o caminho para isso está longe de ser consensual.  Segundo o IBGE, a produção da indústria manufatureira vem descrevendo firme tendência de queda desde meados de 2013, apesar do crescimento registrado nos últimos dois meses. Pior do que isso: o índice de quantidade produzida em agosto de 2014 estava cerca de 7% abaixo do registrado há seis anos (junho de 2008). A situação do emprego também é desalentadora. O pessoal ocupado no setor vem caindo continuamente desde agosto de 2011. As estatísticas do Ministério do Trabalho são ainda mais preocupantes: nos 12 meses encerrados em dezembro de 2010, a indústria de transformação havia gerado 485 mil novos postos de trabalho; nos últimos 12 meses (até agosto/2014) houve destruição líquida de 86 mil vagas. Apesar disso, o governo parece convicto de que sua política  econômica não tem nada que ver com a crise industrial e de que a causa é internacional. Preocupa também o fato de que alguns economistas de renome e com amplo espaço na mídia vêm propondo soluções ultrapassadas e exóticas, como a intensificação do protecionismo ou a criação de um imposto sobre as exportações de commodities para provocar depreciação do real e melhorar a competitividade da indústria. Medidas protecionistas como solução para a crise industrial não seriam uma insensatez apenas se entendêssemos que nossa indústria de transformação se enquadra na categoria de "indústria nascente". A defesa da proteção para empresas iniciantes, que ainda não têm escala e tampouco extensão de mercado para competir na economia global, é antiga e ganhou destaque com a publicação, em 1848, do célebre trabalho do grande economista John Stuart Mill Principles of Political Economy. Mas essa claramente não é a situação do diversificado e maduro parque industrial brasileiro. O fato é que a indústria brasileira perdeu competitividade, não por causa da taxa cambial - que, segundo meus estudos, se encontra em termos reais próxima a seu patamar de equilíbrio de longo prazo -, e sim em razão de inúmeros problemas que fogem ao controle do empresário. A lista, aqui, é enorme, mas basta ficar no essencial: escassez de mão de obra qualificada, sistema tributário complexo e que promove a má alocação dos recursos produtivos, precária infraestrutura de transporte, insegurança energética e excesso de intervenção estatal. Quanto à evolução da demanda interna, o consumo das famílias não oferece perspectivas favoráveis em função da redução dos ganhos reais de salário e do elevado comprometimento da renda com o pagamento de dívidas. Por outro lado, a perda de competitividade reduz muito a possibilidade da saída pela exportação. Num ambiente como este, não são surpresa a queda contínua do nível de confiança do empresário industrial e a forte contração do investimento. Como quebrar esse círculo vicioso?Medidas.  O espaço, aqui, é insuficiente para esgotar tema tão complexo. Assim, limito-me apenas a mencionar um conjunto de medidas, tanto no plano macro como no microeconômico. O primeiro passo, obviamente, é recuperar a confiança do empresário na economia. Aqui, a medida mais importante é a contenção do crescimento do gasto público, se não de forma brusca, pelo menos por meio do aumento da transparência e pela aprovação de legislação com metas de longo prazo que garantam a estabilidade fiscal. Maior déficit público hoje significa aumento da carga tributária no futuro. Isso também inibe o investimento e a própria demanda das famílias, especialmente de bens duráveis e imóveis. Recuperar a credibilidade do Banco Central para conduzir a inflação para o centro da meta e menor intervenção no câmbio completariam o restabelecimento do famoso tripé macroeconômico, fundamental para reduzir incertezas e encorajar o investimento. Na área microeconômica os desafios também são grandes. Inclui-se, aqui, a aprovação de uma reforma tributária que promova mudanças principalmente na legislação do ICMS, para pôr fim à guerra fiscal, que distorce a alocação de recursos e prejudica a produtividade. Partes, peças, matérias-primas e produtos acabados passeiam pelo País não em razão das vantagens comparativas de cada região, mas, sim, em busca do melhor tratamento tributário. Eliminação completa da tributação sobre exportações e redução ou extinção de tributos sobre os investimentos em capital fixo também são objetivos a serem perseguidos. É necessário substituir a visão de política industrial vertical, definida pelo burocrata de plantão, por uma política de competitividade, mediante estímulos à inovação e ao aumento dos gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), inclusive nas universidades públicas, assim como reorientação do papel do BNDES nessa direção. Modernização da legislação trabalhista, incluindo adequada regulamentação da terceirização, e inclusão do País na produção industrial em escala global são caminhos fundamentais. É preciso também profunda modificação da política externa brasileira, buscando acordos que maximizem os benefícios do comércio internacional para o País, e não aqueles guiados por ideologias. Finalmente, a indústria brasileira precisa de mais e não de menos abertura. Esse processo deve ser conduzido de forma cautelosa, juntamente com outras políticas que elevem a produtividade, mas não pode dar margem a recuos. Pode ser um remédio amargo para alguns setores, mas não é possível evitá-lo. Com maior exposição à concorrência, aumentam os estímulos das empresas para investir em P&D (e para pressionar o governo a exercer parte dessa tarefa). Além disso, ao facilitar o acesso à importação de insumos e bens de capital de melhor qualidade, moderniza-se a indústria e eleva-se a sua produtividade. Enfim, para recuperar a indústria é preciso uma guinada na política econômica brasileira, não pequenos arranjos. O governo a ser eleito em 26 de outubro terá disposição e capital político para tanto? 

Por Claudio Adilson Gonçalez
Atualização:

*Economista, diretor-presidente da MCM Consultores, foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda