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''''A crise só vai tirar uma lasca do Brasil''''

Fábio Barbosa: presidente do Banco ABN Amro e da Febraban[br]Para o executivo, o ritmo de entrada de capitais e do PIB deve ser revisto, mas não há nenhuma tempestade à vista

Por Ricardo Grinbaum
Atualização:

O presidente do Banco ABN Amro Real, Fábio Barbosa, está preocupado com a crise internacional, que é muito "séria". Mesmo assim, Barbosa, que também preside a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), acredita que os efeitos no Brasil serão limitados. Para ele, o clima de extremo nervosismo na Bolsa de Valores de São Paulo, que chegou a cair mais de 10% na semana passada, reflete a preocupação com a redução do crescimento brasileiro, mas não há nenhuma tempestade no horizonte. "O ritmo de crescimento e a entrada de capitais estava precificado num patamar que agora tem que ser revisto. Mas bolsas reprecificam ?na cabeça?, ou seja, numa intensidade exagerada", diz o presidente do ABN. Barbosa acredita que, do jeito que está, a crise internacional deve tirar uma "pequena lasca" do crescimento brasileiro em 2008, estimado entre 4% e 5%. Ele não quis comentar como fica a situação do ABN no Brasil depois da compra pelo Santander. A seguir, a entrevista que Barbosa deu ao Estado. Qual é a gravidade da crise? Ainda não sabemos a extensão da crise no mercado americano, mas ela é grande e bastante séria. É séria porque atingiu de forma contundente o setor financeiro. O setor financeiro tem um efeito muito grande de alavancagem na economia. Portanto, há uma grande preocupação em neutralizar a crise. Os próprios bancos estão buscando novas fontes de capital para que não seja preciso ocorrer o que se chama de ?desalavancagem?: se os bancos perdem capital e não repõe esse capital com novos investidores, eles têm de reduzir seus empréstimos na proporção de 10 para um ( seguindo os limites para operações financeiras estabelecidas nos índices de Basiléia). Ou seja, de cada dólar de capital perdido, os bancos teriam de cortar 10 dólares em empréstimos, o que teria um tremendo impacto na economia. O que os bancos estão fazendo é ir atrás de novos investidores, de países asiáticos em sua maioria, para recompor sua base de capital, para tentar minimizar um pouco o impacto que a desalavancagem terá na economia mundial. Felizmente, a busca de investidores está caminhando bem e os bancos estão conseguindo minimizar o problema. Mas esses investimentos são suficientes para resolver o problema? O fato é que a disposição dos bancos em manter a carteira de crédito está prejudicada. A economia americana, que sempre precisa de crédito para crescer, está sendo afetada. Os resultados dos bancos já mostram isso. As ações dos bancos caíram 40%. A questão que fica é qual será o efeito sobre a economia americana e qual impacto para a economia mundial. Com relação à economia americana, está se falando em forte desaceleração e algumas autoridades já falam em recessão. De qualquer maneira, forte desaceleração já é suficientemente preocupante. A questão é como isso se espalha pelo mundo. Felizmente hoje temos uma economia muito grande, a chinesa, crescendo de maneira muito acelerada. Eles já contam com um mercado interno que começa a representar uma parte cada vez mais relevante da economia. A crise americana deve encontrar alguns pontos que ajudam a minimizar o impacto da crise. Esses pontos não conseguem neutralizar, muito menos resolver, mas minimizam a crise. Outra coisa que pode ajudar é o fato de a economia americana ter reconhecido os problemas com muita rapidez e já estar tomando as medidas cabíveis, seja com a recapitalização dos bancos, com a reação do governo americano. Num cenário muito ruim, a gente pode lembrar que os bancos japoneses tiveram problemas e levaram de cinco a dez anos para superar a crise. Os bancos americanos estão reconhecendo seus problemas e se recapitalizando, o que é a melhor saída. Qual será o impacto no Brasil? A crise vai ter um impacto relevante e acabará atingindo o Brasil. Certamente a crise não é positiva para o Brasil. É neutra ou negativa. Na minha opinião, em alguma extensão ela é negativa. Mas não é nada grave. O Brasil está muito bem posicionado. Tem um mercado interno pujante, tem um bom nível de reservas, tem contas públicas em ordem. O Brasil nunca esteve tão bem preparado para enfrentar crises. Mas como a crise internacional é maior do que das outras vezes, algum impacto acaba tendo. Provavelmente teremos uma redução do fluxo de capitais - o que ainda não se nota. Também haverá um pouco de impacto na demanda por produtos brasileiros no exterior. Deve tirar um pouco do ímpeto das exportações brasileiras, que vem dando grande impulso à economia. Costuma-se dizer que as Bolsas de Valores antecipam tendências. O que significa uma queda de mais de 10% que se viu na Bolsa de São Paulo na semana passada? O que as Bolsas estão antecipando é a alteração do ritmo de crescimento. O ritmo de crescimento e a entrada de capitais estava precificado num patamar que agora tem que ser revisto. Então as bolsas reprecificam, mas as bolsas reprecificam ?na cabeça?, numa intensidade exagerada. Muitas vezes o investidor vende rápido as ações porque precisou de dinheiro ou ficou assustado. Para o Brasil, o momento é de manter a atual política. O governo tem sido muito feliz de manter as coisas como têm sido. Posso discordar se há um foco maior em arrecadação do que na busca de redução de despesas, mas o fato é que as contas públicas estão equilibradas, está gerando superávit, o que permite redução da relação dívida/PIB, a inflação está dentro das metas e tem sido mantida como prioridade. Essas foram as duas grandes conquistas: a questão da responsabilidade fiscal e o foco no combate à inflação. Ao combater a inflação, a gente cria condições melhores para toda a sociedade. A inflação preocupa? Em 2007, dois fatores que ajudaram a segurar a inflação: a queda do dólar e a redução dos preços administrados, especialmente de energia elétrica. Os dois fatores não deverão contribuir para segurar a inflação em 2008. Mas, por outro lado, os alimentos subiram bastante em 2007 e talvez não subam tanto em 2008. A inflação sempre preocupa, mas não temos nenhuma luz acendendo no painel. Mesmo assim, ela requer vigilância constante, não podemos baixar a guarda. Essa é uma grande conquista. A responsabilidade fiscal e o controle da inflação deram maior previsibilidade à economia e facilitaram os investimentos no País. O empresário fica mais à vontade sabendo que não tem grandes surpresas. Para quem tem investimentos de longo prazo, essa é uma questão de vida ou morte. Se tem certa estabilidade, pode se endividar, construir sua fábrica, investir.Outra coisa que pode ajudar a segurar economia é o crédito imobiliário. Essa é uma novidade importante na economia. Com o avanço do crédito imobiliário, aumentou muito o número de imóveis que estão sendo construídos. É um tipo de atividade que tem um efeito multiplicador muito grande e que deverá continuar avançando este ano. Em que medida o crescimento será afetado? Não vejo cenário de reversão do crescimento econômico. A crise pode tirar uma lasca, uma lasquinha. Nós estávamos falando num crescimento de 4% a 5% para 2008. É difícil saber qual será a extensão da crise, mas é uma questão de tirar um pouco do ímpeto do crescimento econômico. Essa é uma novidade extraordinária. Anos atrás estaríamos entrando rapidamente em crise. Embora seja pouco falar que podemos crescer meio ponto cento a mais ou a menos, é para não dar a impressão que é neutro. Só não custa mais porque estamos muito bem posicionados. Portanto, vale a pena mantermos as políticas que têm nos levado a encarar as dificuldades que surgiram no mercado internacional. O que dizem os clientes estrangeiros do ABN sobre os efeitos da crise no Brasil? Para o pessoal que tem investimentos diretos e estratégicos, não mudou nada. A preocupação é a capacidade de levantar recursos no mercado financeiro. Os investidores estão um pouco mais atentos a não se expor demais a um momento de turbulência no mercado internacional. Vi nos jornais que alguns IPOs estão sendo adiados. Talvez o pessoal adie um pouco algumas operações para não se endividar e não se comprometer. No ano passado, já tivemos um pouco disso. O primeiro semestre foi uma farra, com abundância de recursos financeiros no mundo, mas o segundo semestre foi mais difícil. Neste momento, é importante lembrar que os bancos brasileiros estão firmes e fortes. Como assim? Um sistema financeiro sólido é muito importante. O fato de os bancos não terem sido expostos a riscos como nos EUA e na Europa é uma das razões de que não teremos tantos problemas aqui. No Brasil às vezes os bancos são muitos criticados, não reconhecendo o papel importante que têm tido para o crescimento do País. Houve aumento da carteira de crédito de 20% ao ano nos últimos seis anos. Só no ano passado, o crescimento foi de 27%. E os bancos tiveram um papel muito importante na bancarização. A bancarização ocorre porque os bancos estão mais acessíveis. Se tem mais gente, está mais barato. Se tinha 77 milhões de contas correntes em 2002 e hoje são 110 milhões em 2007, isso só pode significar que os bancos ficaram mais acessíveis e, provavelmente, mais baratos. Mas o aumento no número de correntistas não pode ter ocorrido por causa do aumento da renda da população? A renda não aumentou em intensidade que permitisse um crescimento tão grande, o banco ficou mais acessível e, provavelmente, mais barato. As pessoas falam que aumentou a arrecadação com tarifas, mas não levam em conta que nessa conta estão incluídas taxas como as pagas por empresas ao realizar abertura de capital. Na verdade, os bancos oferecem muitos descontos. Mas o sistema de tarifas é tão confuso que é impossível saber se um banco cobra mais que outro. É por isso que estamos criando na Febraban um sistema de tarifas, para simplificar e dar transparência ao sistema. Tenho usado uma expressão que é acender a luz. Se trabalhamos com bons propósitos, porque não acender a luz? Os bancos já definiram se vão entrar na Justiça contra o aumento dos impostos determinado pelo governo para compensar a CPMF? Estamos analisando ainda, não tem nada definido. A gente não entende muito o conceito de se tributar com alíquotas diferenciadas setores que tenham tido maior lucratividade. Esse é o nosso questionamento conceitual. E há também o factual. O setor financeiro não é o mais lucrativo. Tem outros setores mais lucrativos que o nosso. Não estou sugerindo que se taxe outros, só estou esclarecendo que questionamos a informação sobre o setor financeiro. Quem é: Fábio Barbosa É presidente da Febraban desde abril de 2007. Iniciou carreira no ABN Amro e assumiu a presidência em novembro de 1998. É formado em administração de empresas pela Getúlio Vargas, onde também já deu aulas. É membro do Conselho de Administração da Petrobrás

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