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A década 'mais perdida ainda' não está perdida ainda

Por Roberto Luis Troster
Atualização:

Fim do primeiro tempo! Esta semana o Brasil está no ponto médio do período em que os analistas projetam como a década que terá o pior desempenho econômico da história, pior que o da década de 1980, conhecida com a "década perdida", e pior que o da década de 1930, a da "Grande Depressão". As estimativas mostram que em 2020 a renda per capita será igual à de dez anos antes; a indústria terá encolhido; a dívida pública, crescido; o desemprego, aumentado; a financeirização terá sido ampliada; e o investimento, reduzido. Agravando o quadro, o produto potencial, que é a taxa máxima que o País pode crescer sem inflação (depende de investimentos realizados, recursos naturais, capital humano, instituições e dinâmica fiscal), terá caído pela metade: de 4%, em 2010, para 2% ao ano, estimado para 2020. Se nada for feito, as projeções de que esta década pode se tornar a pior da vida republicana, "a década mais perdida ainda", vão se tornar uma triste realidade. Se, e só se. É um quadro difícil, com o produto potencial encolhendo, inflação alta, uma dinâmica da dívida pública perigosa, uma crise de inadimplência, a corrupção exposta e um Poder Executivo com baixa aprovação, mas não é uma situação impossível de reverter. O segundo tempo da década começa nesta sexta-feira, dia 1.º de janeiro - e ainda há tempo de deixar a triste pecha de "perdida" no passado, e não no futuro, do País. A questão é mudar, começar a fazer e debater as coisas certas. O primeiro ponto é que pessoas e partidos não são a solução dos problemas. Trocando presidente, ministros e a agremiação política hegemônica, sem modificar a política econômica, a situação vai continuar a se agravar. A maneira de gerir a coisa pública é que tem de ser mudada, independentemente de quem estiver no poder. A ideologia também não tem nada que ver com a superação dos problemas a serem enfrentados. É fato que a economia não é uma ciência exata, mas também é verdade que há princípios consolidados no saber econômico que devem ser aplicados para promover o crescimento e a inclusão social, e eles não estão sendo seguidos no Brasil. A experiência internacional é rica em exemplos de países que se desenvolvem aplicando o receituário da corrente principal da economia, assim como de outros em que usam uma máscara ideológica, evocando pseudoteorias para esconder a ineficácia na gestão da coisa pública. As discussões sobre desenvolvimentistas e monetaristas só fazem sentido nos cursos de história do pensamento econômico, analisando as décadas de 1930 a 1960 - fora desse contexto, são anacrônicas. Só servem para fins eleitoreiros. A questão não é ideológica, e, sim, lógica. É atuar para fazer o Brasil parar de andar em marcha à ré e acelerar em direção ao futuro. Um roteiro de atuação é extenso e alguns pontos devem ser enfatizados. O primeiro é mudar o debate sobre o déficit, que está desfocado. Há discussões intermináveis sobre o tamanho do superávit primário (0,0%, 0,5% ou 0,7% do PIB) e sobre onde aumentar receitas e cortar gastos, que não estão levando a lugar nenhum. O importante na política fiscal é estabilizar a relação dívida/PIB no médio e no longo prazos, para que não se torne explosiva. Isso demanda ajustes permanentes na arquitetura de gastos e receitas do governo. É demorado, mas tem de ser iniciado logo. Neste momento, deve-se atuar rapidamente no que é possível fazer diferenças significativas. O déficit total (nominal) está em 9,5% do PIB e os juros estão em 8,8% do PIB, portanto, várias vezes a quantia que se quer economizar gerando o superávit primário. Há um descuido nestes gastos, que poderia ser revertido. Com os swaps cambiais, até outubro já foram gastos mais de R$ 92,5 bilhões, 1,6% do PIB. Outros montantes de mesma magnitude também foram desperdiçados com o carregamento de reservas. Há, também, dezenas de bilhões de reais dilapidados com subsídios aos juros do BNDES (o que é chamado por alguns de bolsa empresário). Chega-se à conclusão de que se gasta cerca de dez vezes mais por conta de uma política cambial e bancária obsoleta do que o que querem economizar para ter um superávit primário. Obviamente, cortar desperdícios e supérfluos deve ser objeto de ações de todo governo. Não é uma questão de mais ou menos Estado, mas, sim, de sua participação mais eficiente e equitativa. Neste momento, um estímulo que não comprometa a recuperação no futuro pode ser dado por um ajuste no crédito. O País está vivendo a maior crise de inadimplência da história, há 4 milhões de empresas e 59 milhões de cidadãos com registros de inadimplência, o que está paralisando a economia. Produtores não têm capital de giro, fornecedores querem receber antecipado e instituições financeiras estão conservadoras ao extremo. A proposta é uma ampla reestruturação de débitos, sem recursos públicos e sem perdas para bancos. É complexo, mas factível, e daria um impulso forte à economia. Outras recomendações são: em vez da CPMF, que é um imposto ruim, adotar o Imposto de Valor Agregado Financeiro (IVAF); lembrar que o mercado interno brasileiro é apenas 3% do mercado global; aumentar a inclusão produtiva; reformar a Previdência e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e não remendá-las; melhorar os mecanismos de transmissão dos juros economizando bilhões de reais; mudar os paradigmas do crédito e do câmbio; enfim, adequar a política econômica e modernizar o quadro institucional. O mais importante é adotar uma gestão centrada em aumentar o produto potencial, o que faria a "mágica" de gerar confiança e induzir investimentos. O truque é copiar o que aqueles que estão crescendo fazem: focam em eficiência, estabilidade e equidade. O futuro pode ser esperado ou construído. É uma questão de escolha. É isso. O ano que vem é o ano do macaco de fogo no horóscopo chinês, é o signo mais auspicioso de todos. Oxalá. Feliz 2016 ao Brasil!* Roberto Luis Troster é doutor em economia, foi economista-chefe da Febraban e professor da USP e da PUC-SP. E-mail: robertotroster@uol.com.br

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