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A desoneração da folha

Por José Pastore
Atualização:

O governo sempre promete desonerar a folha de pagamentos quando precisa dos congressistas para aumentar impostos. Agora é a CPMF. A redução da tributação do trabalho é urgente. Só de contribuições sociais as empresas arcam com 35,80% de despesas (ver tabela). Há outras despesas que chegam a 102,76% do salário. Mas a dificuldade para se mexer em qualquer item indicado na tabela é colossal, porque todos eles financiam importantes políticas públicas: aposentadoria, habitação, segurança do trabalhador, formação de capital humano e até reforma agrária. Na propalada desoneração, a mudança mais cogitada é a de transferir a contribuição previdenciária da folha de pagamentos para o faturamento das empresas. A lógica é a seguinte: não é justo que uma empresa que fatura muito e emprega pouco contribua menos do que a que fatura pouco e emprega muito. Mas essa inversão não é fácil. Em 22 de fevereiro de 2003, os 27 governadores e o presidente da República selaram na Carta de Brasília o seu acordo em fazer a referida transferência, e até hoje nada aconteceu porque o assunto é realmente complicado e requer cautela como se verá abaixo. Levando-se em conta que a contribuição ao INSS (20%) incide sobre várias despesas da folha de pagamentos (13º salário, férias, abono de férias, repouso remunerado, etc.), como encontrar a alíquota ideal sobre o faturamento que garanta a receita que o INSS precisa? Se for para manter as incidências atuais, garanto que será alta, o que vai aumentar o custo Brasil e não reduzi-lo. A discussão sobre a alíquota ideal para fazer a migração da folha para o faturamento dividirá o empresariado. As empresas que são intensivas em mão-de-obra aplaudirão. As que são intensivas em capital condenarão. Será um jogo muito desigual. Será que a Petrobrás, a Vale do Rio Doce, a Embraer e outras megaempresas altamente tecnificadas aceitarão pacificamente quadruplicar ou quintuplicar suas despesas com a Previdência Social? Para todas as empresas a mudança proposta aumentará a tributação sobre o faturamento, que já está bastante onerado e prejudicado com vários impostos e contribuições que têm efeitos em cascata. Isso não vai contra o espírito da reforma tributária? Quais seriam os reflexos da aludida migração sobre o custo unitário do trabalho? Se for reduzido, haverá estímulo aos investimentos e ao emprego. Se for aumentado, dar-se-á o inverso. Considerando que o faturamento é mais sensível aos ciclos da economia do que a folha de pagamentos, a receita do INSS seguiria o mesmo passo. Na aceleração econômica, aumentaria, mas no desaquecimento, cairia instantaneamente. Será que essa instabilidade é tolerável pela Previdência Social? Tudo indica ser mais fácil esconder receita de faturamento do que empregados que estão na folha de pagamentos. Qual seria o reflexo disso nas contribuições ao INSS? Ademais, a idéia de punir quem usa muita tecnologia carrega um certo viés contra a modernização, desconsiderando que o uso de tecnologia está muito mais ligado à natureza dos processos do que à vontade dos empregadores. Convém lembrar que é o aumento da produtividade decorrente da modernização tecnológica que garante mais empregos. Como se vê, a aludida migração enfrentará um verdadeiro cipoal de problemas. Quando se desce aos detalhes, tem-se a impressão de que vamos despir um santo para vestir outro. Essa não é uma mudança simples. Os congressistas terão de estudar muito bem os seus reflexos. É possível que o governo os conheça e pode ser blefe para aprovar a CPMF. *José Pastore é professor da FEA-USP. Site: http://www.josepastore.com.br

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