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A 'desterceirização' em foco

Por SÉRGIO AMAD COSTA
Atualização:

Nos países avançados economicamente, a terceirização de parte da produção já é algo mais do que comum. O Brasil, entretanto, ainda é um mero aprendiz nessa questão. A legislação sobre o assunto é precária e há mais de 15 anos se tenta produzir uma lei adequada para a matéria, porém nada acontece. E, no que concerne à gestão, boa parte das empresas ainda está aprendendo a administrar essa forma de trabalho. No caso brasileiro há, também, um aspecto da terceirização pouco explorado e importante. Trata-se do movimento inverso, presente em várias empresas que cancelam seus contratos de terceirização e retomam as atividades que haviam transferido a fornecedores externos. Esse movimento, contrário a todas as formas mais modernas de gestão das empresas e que gera menos competitividade, pode ser chamado de "desterceirização". Dois conjuntos de razões explicam por que isso acontece no Brasil: um, ligado a aspectos jurídicos do processo; e outro, por causa de fatores humanos. Nesses conjuntos de razões eu foco principalmente a terceirização de serviços que são realizados no local da empresa contratante. Quanto aos aspectos jurídicos, vale lembrar, a terceirização é normatizada por uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho (n.º 331, de 1993), que é a única orientação de que dispomos sobre o assunto, mesmo contando atualmente com cerca de 12 milhões de trabalhadores terceirizados. A insegurança jurídica tem provocado a "desterceirização" em muitas situações. Cito, por exemplo, a que concerne à questão da subordinação direta. O contratante dos serviços terceirizados não pode dar ordens aos empregados da contratada ou ao autônomo profissional. Isto é, caso o prestador de serviço estiver fazendo a atividade de forma inadequada, o contratante terá de comunicar o responsável da empresa contratada sobre o ocorrido. Este, por sua vez, entrará em contato com o terceirizado para corrigir o erro. Eu diria que o procedimento acima mencionado é o que deve ser feito para evitar problemas jurídicos. Imagine, portanto, no dia a dia da correria do trabalho, a empresa seguindo essa norma. Vale lembrar também que, para evitar que se caracterize subordinação, o contratante não deverá fornecer ao terceirizado meios para a realização do trabalho, como, por exemplo, computadores, telefones, etc. Confuso e inadequado, não? O fato é que, na prática, é difícil de avaliar se tais exigências legais estão sendo cumpridas, deixando a empresa vulnerável em termos de processos trabalhistas. O fator humano é o segundo conjunto de razões que explicam a "desterceirização". Verifica-se, com frequência e em várias firmas, o despreparo para lidar com profissionais terceirizados, acarretando em falta de qualidade na prestação das atividades terceirizadas, baixa produtividade e ausência de motivação e comprometimento dos terceiros responsáveis pelo serviço. Algumas ações de empresas contratantes contribuem para não se ter uma terceirização bem-sucedida. Por exemplo: ao excluírem os terceirizados de sua política de remuneração, as companhias contribuem para que estes se sintam discriminados; ao não considerá-los em suas definições de missão, visão e valores, elas fazem com que eles se vejam como colaboradores de segunda classe; e, quando não oferecem treinamento para que os terceirizados consigam atender, com a qualidade necessária, às demandas que elas próprias lhes fazem, terminam por prejudicar a si mesmas. Enquanto o mundo vai convivendo com muita naturalidade com a terceirização, aqui ela ainda é equivocadamente encarada como um processo que em si gera precariedade do trabalho. É esse o discurso do atraso que hoje impera no País. E o fato de não termos uma legislação adequada sobre a matéria e uma cultura organizacional que saiba lidar com serviços de terceiros só colabora para reforçar esse discurso do atraso. Por isso estamos andando para trás, trilhando o caminho da "desterceirização".SÉRGIO AMAD COSTA É PROFESSOR DE RECURSOS HUMANOS E RELAÇÕES TRABALHISTAS DA FGV-SP

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