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A devastação do governo

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Por Rolf Kuntz
Atualização:

Nunca se gastou tanto dinheiro para devastar e desmoralizar um governo. No Brasil, a administração federal é cada vez mais cara, mais balofa e mais sujeita à politiquice rasteira. O absurdo aumento do custo foi comprovado, mais uma vez, pelos números divulgados nessa quarta-feira. De janeiro a julho, a despesa com pessoal foi 19,13% maior que a de um ano antes, em termos nominais, enquanto a arrecadação do Tesouro foi 4,96% menor. Enquanto a despesa sobe, a gestão afunda. A crise na Receita Federal é apenas mais um exemplo, embora espetacular, de como o joguinho político destrói a máquina. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, tenta negar inutilmente o caráter político do afastamento da secretária Lina Vieira e de seus principais auxiliares. Pura perda de tempo e de conversa. Houve intenção política tanto ao nomeá-la quanto ao demiti-la e isso nunca foi segredo. Trapalhadas foram cometidas na ida e na volta, mas esse não é o dado mais importante. Relevante, mesmo, é o contraste cada vez mais claro entre a conversa de fortalecimento do Estado e a deformação cada vez mais ampla do setor público. A máquina estatal é cada vez mais emperrada e, com exceção de alguns componentes, cada vez menos parecida com a imagem apresentada pelo presidente Lula em seu falatório sobre a crise. O Banco Central de fato contribuiu, desde o ano passado, para atenuar a escassez de crédito e seu efeito recessivo. Os incentivos concedidos pelo Tesouro contribuíram para aumentar as vendas de alguns setores. Mas não houve nada remotamente semelhante a uma onda de investimentos financiados pelo Tesouro. Os números divulgados em Brasília ontem desmentem aquela conversa de forma inequívoca. Até julho, as despesas de investimento executadas chegaram a R$ 4,5 bilhões e os pagamentos correspondentes ao exercício de 2009 totalizaram R$ 4,29 bilhões, míseros 7,8% dos R$ 54,90 bilhões autorizados para o ano. Além disso, foram desembolsados R$ 10,72 bilhões de restos a pagar. São cifras oficiais, publicadas pelo Tesouro Nacional, e comprovam mais uma vez a incompetência do governo central para tocar projetos de investimento. O valor investido pelo setor público federal só é expressivo por causa da execução dos projetos da Petrobrás - e nem todos passam sem problemas pelo crivo do Tribunal de Contas da União. No setor elétrico o cenário é muito menos positivo, porque as empresas da área estão mais amplamente sujeitas à disputa partidária. Na briga pelo controle do Real Grandeza, o fundo de pensão dos funcionários de Furnas, os grupos políticos envolvidos agem como matilhas em luta por um animal abatido. Mas a ingerência começa nos escalões mais altos, como denunciou, ao anunciar seu pedido de afastamento, o diretor de Operação e Comercialização do Sistema Furnas, Fábio Rezende. A influência política na indicação de dirigentes, disse o diretor, citado pelo O Globo, deteriora a confiança entre os empregados e suas chefias "em algumas áreas do escritório central". Mas ainda se pode rir, no meio dessa tragédia política. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou na semana passada um texto intitulado Produtividade na Administração Pública Brasileira: Trajetória Recente. É parte de um movimento a favor de mais contratações e gastos com o funcionalismo. Pode servir para a campanha eleitoral, mas só convencerá os desavisados. Segundo o documento, a produtividade da administração federal cresceu 30,2% entre 1999 e 2007, enquanto a dos Estados aumentou 24,3% e a dos municípios diminuiu 5,2%. Como se chegou a essas conclusões? A resposta é hilariante. A produtividade foi medida, nessa parte do estudo, como relação entre a despesa orçamentária executada e o pessoal "ocupado". O aumento da despesa foi tomado como indicador da produção na administração pública. Como o gasto cresceu mais que o quadro do funcionalismo, a eficiência do pessoal deve ter-se elevado nesse período. Obviamente, tomar o gasto orçamentário como indicador da prestação de serviços é ingenuidade ou tentativa de esperteza. Nada disso honra o Ipea. Mas o próprio gasto com salários aumentou consideravelmente nesse período. No período Lula, a folha salarial cresceu 49%, descontada a inflação, segundo verificou o economista José Roberto Afonso, assessor técnico, no Senado, da Comissão de Acompanhamento da Crise Financeira. Essa evolução, como se vê no dia a dia, foi na direção oposta à da qualidade da administração federal. *Rolf Kuntz é jornalista

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