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A disputa pelo excesso da receita

Por Ribamar Oliveira e email: ribamar.oliveira@grupoestado.com.br
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Dos três projetos aprovados pelo Senado na noite da última quarta-feira, dois refletem irresponsabilidade fiscal pura e simples - o projeto que acaba com o fator previdenciário e o que permite corrigir, com o mesmo índice de reajuste do salário mínimo, os benefícios pagos pela Previdência Social. O terceiro indica uma estratégia muito bem articulada para destinar mais recursos para a área da saúde. Este terceiro projeto é de autoria do senador Tião Vianna (PT-AC). A articulação para a aprovação desta proposta, que regulamenta a emenda constitucional 29 e fixa recursos mínimos para as ações e serviços públicos de saúde, envolveu até mesmo presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho, e o ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Neste caso, o objetivo dos senadores é forçar o governo a destinar o ''excesso'' de arrecadação que vem registrando este ano para a área da saúde. Com o fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o governo traçou um panorama dramático para as contas públicas federais e chegou a anunciar a necessidade de cortar R$ 20 bilhões do orçamento de 2008. Um dado divulgado na última segunda-feira pelo Ministério do Planejamento, no entanto, mudou esse entendimento e serviu como uma espécie de estopim para a articulação dos senadores. A receita líquida do Tesouro Nacional para este ano, segundo o Planejamento, já supera em R$ 3,3 bilhões aquela projetada pela lei orçamentária. Como disse o senador Tião Vianna (PT-AC) a seus colegas, durante a votação, ''a receita está bombando''. O projeto aprovado prevê que, em 2008, as ações e serviços públicos de saúde contarão com 8,5% da receita bruta total da União, o que corresponde a cerca de R$ 58,4 bilhões. Como o Orçamento deste ano prevê recursos de R$ 48,4 bilhões para a área, a aprovação pela Câmara dos Deputados do projeto de Tião Vianna resultaria numa injeção imediata de mais R$ 10 bilhões. Para 2009, o projeto destina 9% da receita bruta da União para a saúde, 9,5% em 2010 e 10% em 2011. A bancada da saúde na Câmara, ao contrário do que ocorria em janeiro, não fala mais em recriar a CPMF para garantir mais recursos para a área. Ela está convencida de que o ''excesso'' da arrecadação obtido pelo governo este ano é suficiente. Por isso, o governo terá muita dificuldade para derrubar o projeto na Câmara dos Deputados, presidida por um médico sanitarista e defensor da regulamentação da emenda 29 da Constituição. O problema dessa estratégia da bancada da saúde é que o ''excesso'' de arrecadação resulta do forte crescimento econômico e das medidas de combate à sonegação que estão sendo adotadas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB). É um grande risco fiscal utilizar essa receita extra para financiar uma despesa de natureza continuada. Nada garante que essa trajetória de elevação da receita seja sustentável ao longo dos próximos anos. A economia poderá desaquecer e a receita cair. Irresponsabilidade fiscal Acabar com o fator previdenciário antes de fixar uma idade mínima para requerer a aposentadoria é acelerar a insolvência da Previdência Social. Também contribui para a explosão das contas previdenciárias a concessão de reajuste a todos os benefícios pelo mesmo índice de correção do salário mínimo, pois não haverá aumento da receita do INSS para fazer face a esta despesa adicional. O resultado será o aumento do déficit, a ser pago por toda a sociedade. A responsabilidade maior pela aprovação desses projetos no Senado foi do próprio Palácio do Planalto, que não trabalhou para derrubá-los. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), não recebeu a visita de nenhum ministro da área econômica para informar sobre o custo fiscal dos dois projetos. Durante a votação, um senador da base aliada disse a este colunista que ouviu a líder do governo no Congresso, senadora Roseana Sarney (PMDB-MA), dizer que os projetos polêmicos eram do PT. Assim, completou a senadora segundo o mesmo relato, bastaria ao governo pedir aos petistas que desistissem das propostas. O governo, segundo um senador da oposição, quis usar os demais partidos de sua base e a própria oposição para derrubar os dois projetos do PT. O que acaba com o fator previdenciário é do senador Paulo Paim (RS). O mesmo Paim incluiu uma emenda, no projeto que define regra para o reajuste do salário mínimo, estendendo o mesmo critério para todos os benefícios da Previdência. A intenção do governo seria, argumentou esse senador, deixar o ônus político da derrubada dos projetos para a oposição e para os partidos aliados do PT, justamente em ano eleitoral. A única voz a alertar sobre os problemas fiscais dos projetos foi a do senador Aloizio Mercadante (PT-SP). O governo espera derrubar as duas propostas na Câmara dos Deputados. O risco é que também lá, os demais partidos da base aliada e da oposição não queiram igualmente ficar com o ônus da derrubada dos projetos do PT. Mesmo porque, mais de 100 deputados são candidatos no pleito municipal. O governo poderá dar um jeito de engavetar um dos projetos - o que extingue o fator previdenciário. Mas não poderá fazer o mesmo com o projeto que fixa regra para a correção do salário mínimo.

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