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''A economia despencou no abismo e precisa de um novo pacote de estímulo''

Soros diz que a crise superou sua imaginação e que os mercados terão pressão máxima nos próximos dois meses

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Por Redação
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George Soros, 78 anos, ganhou bilhões como gerente e investidor em fundos hedge. O jornal alemão Der Spiegel o ouviu sobre a atual crise, sobre como ele acha que o presidente eleito, Barack Obama, agirá diante do desastre econômico, e sobre as responsabilidades dos especuladores. A seguir, trechos da entrevista. Apesar das maciças intervenções dos governos, a crise está se agravando. As bolsas estão em queda livre, milhões de pessoas poderão perder os seus empregos. Aumenta o número de empresas com problemas, da GM à BASF. O sr. já viu algo parecido? Nunca. Acho a situação atual dramática e arrasadora. No meu livro mais recente, previ a pior crise financeira desde a década de 30. Mas para falar a verdade, não imaginei que poderia chegar ao ponto que chegou. As coisas superaram minha imaginação mais desvairada. Quais são seus temores para os próximos meses? A escuridão antecede o alvorecer. Os mercados financeiros estão sendo submetidos a uma grande pressão por causa da falta de liderança durante o período de transição. Nos dois próximos meses, experimentarão a pressão máxima. Depois teremos algumas iniciativas do governo Obama. Qual será a duração da crise, dependerá do sucesso das medidas. Os mercados aparentemente não estão muito confiantes no novo presidente - contrariando o entusiasmo mostrado pela população. Desde 4 de novembro, o dia da eleição, as ações caíram quase 20%. Tenho grandes expectativas em relação a Barack Obama. Mas na época das eleições, a comunidade financeira ainda não havia se dado conta da magnitude do declínio econômico. Ela não previu que a inadimplência do Lehman Brothers provocaria uma parada cardíaca nos mercados. A economia despencou no abismo, começamos a enxergar corpos despedaçados lá no fundo. Terá sido um erro de estratégia deixar que o Lehman Brothers entrasse em colapso? Foi um erro fatal. Nunca teria imaginado que as autoridades permitiriam que naufragasse. Haverá outras vítimas? Possivelmente. O CitiBank, um dos maiores bancos do mundo, está atualmente no centro das atenções (a entrevista foi feita antes do anúncio do novo plano de socorro ao Citi). Há outros esperando problemas em potencial. A situação é bastante semelhante à da década de 30 - mas terá um desenvolvimento diferente. Aprendemos a não deixar que o mercado financeiro entre em colapso. Gastaremos todo o dinheiro do mundo para impedir que isso aconteça. Supõe-se que Obama salvará os bancos, resgatará do abismo a indústria automotiva e impulsionará a economia como um todo. Será que uma só pessoa conseguirá satisfazer a tantas expectativas? Talvez não, mas os problemas poderão receber um tratamento muito melhor do que tiveram na atual administração. Atualmente, o secretário do Tesouro, Henry Paulson, está encarregado da operação de salvamento. Quais são seus temores quanto à sua atuação? Ele reagiu aos problemas à medida que foram surgindo; não tinha a capacidade de prevê-los. Quando permitiu que o Lehman Brothers falisse, o desmoronamento dos mercados o pegou totalmente despreparado. Ele foi ao Congresso não com um plano, mas com um plano para formular um plano. E o plano que ele tinha em mente - a compra de ativos tóxicos - foi mal concebido. Injetar capital no sistema bancário fazia muito mais sentido, e ele chegou a se dar conta disso, mas novamente, tratou o problema de maneira errada. Então, parou tudo, deixando um vazio na liderança. Os mercados entraram em colapso. O que o sr. espera do próximo secretário do Tesouro? Precisamos de um enorme pacote de estímulo que fornecerá recursos para os governos estaduais e municipais para preservarem seus orçamentos - porque, pela Constituição, eles não podem ser deficitários. Para que um programa desse tipo fosse bem-sucedido, o governo precisaria oferecer centenas de bilhões de dólares. Além disso, é imprescindível outro programa de infra-estrutura. Ao todo, o custo ficaria na faixa dos US$ 300-600 bilhões. Além do pacote de ajuda de US$ 700 bilhões para o setor financeiro? Seguramente. Acho que essa é uma grande oportunidade para finalmente tratar do aquecimento global e da dependência da energia. Os EUA precisam de um "cap-and-trade system" (sistema que fixa limites máximos de emissões, e favorece o comércio internacional de créditos de excedentes de carbono). Eu usaria as receitas proporcionadas por esses leilões para uma inaugurar uma nova política energética que não afetasse o meio ambiente. Esse seria outro programa federal que poderia nos ajudar a superar a atual estagnação. Sua proposta seria desprezada em Wall Street por implicar em uma enorme ingerência do governo. Os republicanos a chamariam de "socialismo" de estilo europeu. É disso mesmo que estamos precisando neste momento. Eu sou contra o fundamentalismo do mercado. Acho que a propaganda que alardeia que o envolvimento do governo é sempre mau teve muito sucesso - mas também foi muito prejudicial para a nossa sociedade.

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