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A economia do terceiro mandato

Por Dionísio Dias Carneiro
Atualização:

Meu velho professor de Teoria da Probabilidade, Oscar Portocarrero, costumava responder aos que superestimavam o papel da experiência sobre o conhecimento construído com método, dizendo: "Em geral, quando a pessoa tem dez anos de experiência, tem um de experiência e nove de esquecimento." Agora que a discussão de um terceiro mandato para Lula se torna um assunto corriqueiro, especialmente depois que o presidente reivindicou o direito de comparar um eventual terceiro mandato com os longos períodos de chefes de governo que mudaram a História de seus países, como Margaret Thatcher e Felipe González, em regime parlamentar, vale a pena examinar as conseqüências de prazo mais longo das atuais tendências. A experiência de Lula pode ser considerada um sucesso. Conseguiu surpreender favoravelmente opositores e investidores assustados, ao se afastar do PT do plebiscito da dívida externa. Arriscou seu mandato ao dar força para que Antonio Palocci resistisse, sistematicamente, aos aloprados da política econômica que lhe tentavam empurrar para o populismo dos resultados imediatos: juros populares, controles cambiais, câmbio administrado, política industrial de escolha dos campeões no tapetão do crédito subsidiado e do protecionismo, negligência com o déficit público e tolerância com a inflação. Com uma valiosa ajuda do mundo que nadava em liquidez, os preços de exportação deram tempo para que se firmasse a confiança no ajuste externo sem manipulação cambial. Mas a folga externa, que muitos gostariam utilizar para retomar o crescimento a qualquer custo, foi usada para consolidar a confiança no futuro. O balanço de capitais ficou superabundante, as empresas praticamente eliminaram seu passivo externo e o governo fez o mesmo. Sob a liderança de Antonio Palocci, o governo do PT conseguiu mirar um pouco além do horizonte eleitoral e abriu espaço para que o presidente fosse reeleito, apesar dos aliados aloprados, na política e na economia. Seria razoável que estes anos de experiência, que produziram uma economia mais resistente à turbulência externa, fizessem com que esses aliados pensassem melhor depois de cinco anos. Mas, parodiando Portocarrero, parece que entramos agora na fase do esquecimento. Multiplicam-se as evidências de deterioração nas propostas de política econômica. A Fazenda tornou-se um foco de tolerância inflacionária e de enfraquecimento da postura fiscal. Sob o discurso de manutenção da meta de superávit primário, procura-se utilizar a folga cíclica permitida pela arrecadação para promover aumentos estruturais de despesas. Este é o caminho para o déficit fiscal crescente. Jorrando a despesa pública nas cabeceiras, o cenário de decomposição fica mais fácil: o crédito privado cresce com velocidade insustentável e o governo aponta apenas para o estoque, os preços no atacado revelam as tensões no bojo da economia, enquanto a demanda acomoda os repasses de custos. O Banco Central, a exemplo dos seus congêneres, fica com espaço de manobra cada vez mais reduzido. Se apertar, aborta a expansão; se tolerar, aceita a inflação. Como serão enfrentados esses desafios daqui para o terceiro mandato? O poço de Tupi aumenta o fôlego para a deterioração da política econômica. O que nos obriga a considerar a advertência que os fundos de investimento são obrigados a fazer aos seus possíveis clientes: "desempenho passado não é garantia de desempenho futuro." Uma pena, porque, quando um governante acerta mais do que erra, se teme que sua substituição por outro governante reverta o placar. Lula eliminou esses temores com decisões corajosas. A equipe nova, que pretende enterrar a herança do primeiro mandato, desenterra o discurso do atraso: cura do raquitismo do Estado com empreguismo, tolerância inflacionária, propaganda oficial como arma política e substituição do debate interno pela disciplina partidária. Na onda longa do ciclo mundial, pode-se surfar com retórica, sem remar. Já na turbulência... Em entrevista que ficou famosa, o treinador Parreira, depois da derrota na Copa da Alemanha, pronuciou a frase freudiana "nós não estávamos preparados para perder". Freud diria que o treinador não estava preparado para ganhar. Poderemos dizer o mesmo de Lula, caso, na corrida insana por um terceiro mandato, sua nova equipe leve o presidente a destruir as possibilidades de sucesso do segundo, que ainda estão ao alcance de sua capacidade de decisão. *Dionísio Dias Carneiro, economista, professor do Iapuc, é diretor do Iepe/CdG

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