‘A economia não vai sair da crise por uma lei’
Para presidente da AMB, a possibilidade de terceirização de qualquer atividade precariza as condições de trabalho
Entrevista com
João Ricardo Costa, presidente da Associação dos Magistrados do Brasil
Entrevista com
João Ricardo Costa, presidente da Associação dos Magistrados do Brasil
07 de agosto de 2015 | 03h00
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), mais importante e influente entidade de classe do País, se posicionou em abril, no auge da discussão sobre o PL 4.330/2004 na Câmara dos Deputados, contra a proposta de regulamentação da terceirização. Em nota, os juízes afirmaram que “o texto prevê uma série de medidas que extirpam direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores brasileiros”. Para o presidente da associação, apesar de pontos benéficos no texto, como a responsabilidade solidária da contratante em caso de ações judiciais, a ampliação de terceirização para atividades-fim precariza as condições de trabalho e “incentiva uma migração na forma de contratação”. “Como numa economia a mudança de uma legislação vai gerar 3 milhões de empregos?”, questiona João Ricardo Costa, presidente da AMB. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado.
Trabalho informal predomina no mundo
Há necessidade de uma lei para regulamentar a terceirização?
Talvez algum ajuste, mas no sentido de proteger os trabalhadores que hoje estão terceirizados. A AMB, porém, é contrária à ampliação dos setores terceirizados, porque isso implica precarização das condições de trabalho. Temos de pensar numa situação social macro, e a precarização das condições de trabalho aumenta ainda mais a desigualdade, um fenômeno bastante grave no nosso País.
Por que haveria precarização do trabalho?
Os números em relação a atividades laborais no Brasil, no que diz respeito à atividade de trabalho, à rotatividade dos funcionários e à utilização dos sistemas públicos de previdência, que atendem o trabalhador no momento em que ele perde o emprego, são muito mais negativos do que os referentes aos trabalhadores que têm uma atividade regular diretamente com o seu empregador. Quanto ao valor dos salários, também há uma diferença muito grande em relação aos terceirizados, dentro dos padrões que temos hoje, de atividades-meio. Há uma precarização geral nesse sentido em relação à garantia dos trabalhadores. Claro que, num universo de 20 mil magistrados no Brasil, pode ser que alguém tenha uma opinião pessoal distinta, mas nossa posição é criada de uma visão da própria relação institucional da magistratura resolvendo conflitos trabalhistas. Se percebe bem o impacto da terceirização na Justiça do Trabalho e a importância da Justiça do Trabalho de regular essas questões.
Em caso de demanda judicial, a responsabilidade será do contratante ou da terceirizada? O sr. acha que esse PL pode aumentar o volume de ações judiciais?
Nessa proposta, está prevista a responsabilidade solidária do contratante – e isso é bom. O que não se concorda é a ampliação para atividades-fim, e não apenas atividades-meio. Dependendo da forma que a lei ficar, ela pode até esvaziar a Justiça do Trabalho, e a Justiça do Trabalho hoje é uma garantia do trabalhador. As ações que hoje entram na Justiça do Trabalho não questionam a terceirização, mas sim o descumprimento do contrato de trabalho dos terceirizados, que muitas vezes não usufruem de alguns direitos sociais e não recebem direitos trabalhistas que são regulares. Isso é uma experiência que demonstra a precarização desses serviços em relação ao trabalho contratado diretamente. A própria assinatura da carteira de trabalho não é algo preponderante nesse tipo de relação.
A AMB defende a exclusão total do projeto ou é contrária apenas à incorporação das atividades-fim?
Se o projeto mantiver a atividade-meio exclusivamente e regular outras matérias, como a responsabilidade solidária das empresas, até representaria uma melhora em relação ao que se tem hoje – porque traria mais garantias aos trabalhadores, em vez de ampliar as possibilidades de terceirização. Somos contra à ampliação dessas atividades.
Como se saíram os países que facilitaram as terceirizações?
Nós podemos dizer que, da notícia que se tem, em alguns países que tomaram esse caminho, a situação ficou muito difícil e a desigualdade social aumentou, como é o caso de alguns países da América Latina. Já na Alemanha, por exemplo, a situação melhorou. Mas a economia alemã é uma outra concepção – o Estado alemão tem muito mais políticas sociais do que o Brasil. Isso traz um componente no âmbito das desigualdades que é diferenciado, o que torna a comparação um pouco precarizada. Pegue os Estados Unidos, em que até o Exército é privatizado. As guerras são definidas através de um Congresso que é financiado pelas empresas que têm contrato com o Estado americano, inclusive no fornecimento de armas. Há setores e atividades do Estado que são estratégicos, ligados aos interesses da sociedade, e não podem ficar vinculados à estrutura privada, que visa ao seu interesse empresarial, que é o lucro.
O empresariado alega que esse projeto poderia gerar empregos. Na sua visão, qual seria o impacto no nível de emprego e nos salários?
Essa é uma argumentação que nós realmente não compreendemos. Como numa economia a mudança de uma legislação vai gerar 3 milhões de empregos? De onde vão sair esses empregos? O que pode acontecer é que esses empregos vão migrar de uma forma de contratação para outra. Temos certeza de que é isso que vai acontecer, porque a atividade empresarial visa ao lucro. Quanto mais se diminui o custo da produção – e o custo da produção inclui a mão de obra, e a terceirização diminui esse custo –, mais eles vão caminhar para essa forma de contratação. Então essa possibilidade de aumentar empregos nós não conseguimos entender, porque o que acontece é aumentar o lucro. O excedente dos valores vai direcionar ao lucro, e não à geração de empregos. Então, nós entendemos como uma afirmação falsa e desprovida de qualquer realidade. A economia brasileira não vai mudar de uma hora para a outra, sair da crise em função de uma lei, gerando empregos. O que vai acontecer é a migração de forma de contratação: trabalhadores hoje regulares vão dar lugar a terceirizados.
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