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'A economia vai passar por um rebalanceamento'

O consumo está perdendo a força e o País deve redobrar os esforços para atrair os investimentos em infraestrutura

Por Alexa Salomão
Atualização:

O segundo semestre, na opinião de Ilan Goldfajn, economista chefe do Itaú Unibanco, não será um período agradável. A economia tende a crescer menos e a sentir o impacto da valorização do dólar sobre a inflação. "Podemos ter crescimento zero ou até negativo no terceiro trimestre", diz ele na entrevista que segue.

O PIB do segundo trimestre ficou acima das projeções. O mercado foi pessimista?

Nós falamos em 1,1%, ficou em 1,5%. Não foi nada tão surpreendente assim. Sempre é difícil acertar na mosca, mas foi na direção do consenso.

Vocês vão rever a projeção de crescimento do ano?

A recuperação que se viu no segundo trimestre, ao que tudo indica, vai ser seguida por um terceiro trimestre mais fraco. A projeção é de crescimento perto de zero ou até negativo. Projetamos um crescimento no ano entre 2% e 2,5% - de 2,3% (pouco acima dos 2,1% previstos no fim de agosto).

O que leva à projeção de um terceiro trimestre mais fraco?

Nos trimestres anteriores houve a incorporação de um crescimento da safra agrícola da ordem de 24%, graças principalmente à soja. No terceiro trimestre, a agricultura vai ser negativa e a indústria também. Não haverá crescimento suficientemente forte em outros setores para compensar essas quedas.

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A indústria vem tendo um comportamento errático - sobe, desce, sobe outra vez e cai. O que está ocorrendo?

Esse tipo de coisa ocorre quando você não tem uma direção clara. As empresas olham para a frente e sabem que a taxa de crescimento do consumo vista nos últimos anos não vai se repetir. Não vai crescer 11% ou 10% ao ano. Sabem que isso ficou no passado. Na margem, o consumo agora terá crescimento de um dígito, talvez um pouco acima da inflação.

Com tudo isso, como será a economia ao final deste ano?

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O que esperávamos depois de um ano ruim, como o ano passado, em que tivemos um crescimento de 0,9%, é que víssemos uma retomada mais forte. A retomada até veio, mas já parece que não será forte o suficiente para se sustentar no ano. Eu diria que isso se deve a um duplo choque. O choque de Ben Bernanke (presidente do banco central dos EUA) e o choque das ruas. Os dois fizeram com que a confiança caísse. E é essa falta de confiança que está se refletindo no PIB.

Confiança é importante para a decisão de investimento?

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Sim, a confiança é muito importante. Na verdade, se você olhar o começo do ano, verá crescimento no investimento. Ele caiu muito no ano passado, mas vinha subindo em 2013. Agora há muitas dúvidas em relação ao futuro. O cenário internacional é complexo e não se sabe quanto o País vai conseguir crescer daqui para a frente. A economia do Brasil vai passar por um rebalanceamento. O consumo vai crescer a taxas menores e o investimento deve passar a liderar o processo - e tudo vai depender do investimento. Mas por causa da incerteza internacional que se vê hoje, será um desafio atrair esses investimentos. Será preciso fazer um esforço para garanti-los, principalmente nos leilões de infraestrutura. Um real aplicado hoje na infraestrutura vale muito mais do que um: tem um efeito multiplicador no crescimento de todo o resto da economia e alivia os gargalos. O governo sabe disso e está empenhado em realizar os leilões.

Em algum momento o emprego pode ser afetado?

Nós chegamos a uma taxa de desemprego de 5,5%. É um piso, nosso pleno emprego. Você sabe que pleno emprego não se atinge quando se tem taxa zero, mas quando se chega a um desemprego baixo para as condições do país. Devagarinho veremos a taxa retroceder. Projetamos que chegue a 6,5% em 2014. Com o Brasil crescendo pouco mais de 2%, isso acaba acontecendo.

O emprego nos Estados Unidos ficou abaixo do esperado, isso indica uma recuperação mais demorada?

O resultado foi um pouco menor do que se esperava, mas as oscilações estão no roteiro. Quando um país está se recuperando, em alguns momento vai muito bem, em outros nem tanto. O processo nunca é linear. De maneira geral, os Estados Unidos estão caminhando para uma recuperação sustentável e isso significa um aumento da taxa de juros lá, que vai nos afetar ao menos pelos próximos 18 meses.

Com mais pressão sobre o câmbio?

Teremos, sim, pressão sobre o câmbio porque uma vez que os juros sobem lá o capital inverte de direção. Para o fim do ano, nossa taxa para o câmbio é de R$ 2,45.

Um executivo de uma grande empresa me disse que foi avisado pelos bancos que o dólar vai a R$ 2,70. Os bancos têm projeções diferentes para empresas?

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Eu acho R$ 2,70 um exagero. É claro que se tiver uma pressão internacional muito forte tudo pode ocorrer. Mas, no cenário básico, com as intervenções que o Banco Central vem fazendo, não vai ficar muito longe do que já está hoje.

E como fica a inflação?

Nos próximos meses nós vamos ter o repasse da depreciação do câmbio para a inflação. Não tem como você sair de um câmbio em torno de R$ 1,70, no começo do ano passado, e ir para R$ 2,45 sem que ocorra repasse para os preços. No Brasil, muitos bens intermediários são importados. Mas repasses dependem do momento, do setor, da capacidade de barganha. Ao longo do semestre veremos a dimensão do repasse. Já temos uma discussão pública sobre o repasse na gasolina. A defasagem é da ordem de 30%. No ano, a inflação deve ficar em 6%. Gostaríamos que fosse menor, em direção à meta. Mas com os repasses, teremos uma mudança de patamar de preços. Os juros, por isso, vão continuar subindo. E o Banco Central está certo em subir os juros. Esse ambiente deve permanecer até o cenário externo melhorar. Por enquanto, sentimos o lado ruim da mudança internacional. Mas o crescimento dos Estados Unidos vai levar a Europa e a China a crescerem e vai acabar beneficiando o Brasil.

Todos os emergentes estão sofrendo, mas o atual quadro econômico era inevitável no Brasil?

É sempre bom ter espaço de manobra quando se enfrenta um choque. Fomos pegos em um ambiente de crescimento em baixa e inflação em alta. Em condições favoráveis, deixaríamos o câmbio depreciar. Isso aumentaria a competitividade das empresas e a economia se ajustaria. Mas quando há inflação, não se pode descuidar do câmbio. É preciso subir os juros, o que enfraquece o crescimento. O espaço de manobra é limitado. O México baixou os juros. Não tem receio com inflação ou depreciação. Está com baixo crescimento. Vai crescer neste ano algo como 1,5% ou 1,3% e tem espaço para baixar os juros.

Qual seria a receita para o Brasil entrar em um novo ciclo de crescimento sustentável?

O governo deveria deixar os objetivos bem claros, persegui-los e entregá-los ao longo do tempo: assumir que, por exemplo, nos próximos dois anos é possível fazer determinado superávit primário, com determinada inflação para buscar determinado crescimento. Em momentos de incerteza as pessoas ficam inseguras, sem rumo e querem uma direção. Estabelecer trajetórias ajuda. O Banco Central agiu assim em relação ao câmbio e fez diferença.

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