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Para diretor do BC, 'efervescência do debate sobre fintechs é sinal do sucesso da agenda’

Economista João Manoel Pinho de Mello afirma que, se as fintechs ficarem grandes e começarem a impor riscos ao sistema, automaticamente a regulação vai ficar mais rigorosa

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Por José Fucs
Atualização:

Nas últimas semanas, os executivos e os principais acionistas de grandes bancos do País ampliaram as suas críticas contra as fintechs, como são chamados os novos empreendimentos de crédito e de pagamentos que estão se multiplicando por aí, em razão do que classificam como “assimetria regulatória” da atividade em relação às obrigações que eles têm de cumprir. 

Em entrevista ao Estadão, o economista João Manoel Pinho de Mello, diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do Banco Central, comenta a questão e fala também sobre as reclamações dos bancos contra o ritmo de implantação do Pix e do chamado open banking e contra o compartilhamento de informações consideradas reservadas com outras instituições, como o limite de crédito dos clientes. “Essa efervescência e essa temperatura alta do debate é um sinal do sucesso dessa agenda”, diz. “Para um sistema financeiro, um sistema de pagamentos, que atingiu plenamente o objetivo de estabilidade, como o brasileiro, não ficar no marasmo é um bom sinal.”

O economista João Manoel Pinho de Mello, diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do Banco Central. Foto: Amanda Perobelli/Estadão - 29/5/2018

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Nas últimas semanas, principalmente depois dos últimos aportes de capital feitos em algumas fintechs, os executivos dos grandes bancos têm feito muitas críticas contra o que eles chamam de “assimetria regulatória” das fintechs em relação às obrigações que têm de cumprir. Como sr. vê essas críticas?

Eu encaro como sinal da efervescência e do sucesso dessa agenda. Essa efervescência e essa temperatura alta do debate, com opiniões que são dadas de um lado e de outro, sugere o êxito da estratégia que vem sendo levada a cabo há um bom tempo. Não haveria esse interesse todo se a gente não estivesse vendo um ambiente cada vez mais competitivo. Acredito que para um sistema financeiro, um sistema de pagamentos, que atingiu plenamente o objetivo de estabilidade, como o brasileiro, você ter essa efervescência e não ficar no marasmo é um bom sinal. Você pode dizer que efervescência e muita excitação em sistema financeiro pode ser um sinal ruim, de problema na frente. Mas a gente tem um sistema financeiro, um sistema de pagamentos extremamente sólido. Acredito que nós, como reguladores, temos de estar sempre abertos a ouvir as críticas, as opiniões do mercado, e se for o caso ajustar a regulamentação. Agora, eu acho que semântica é importante. Eu gosto do termo “proporcionalidade regulatória”. Se nós seguirmos o princípio de proporcionalidade, tudo se encaixa naturalmente. Quem criar mais risco, vai ter um ônus regulatório maior. Para algumas instituições, consideradas sistemicamente importantes, há, inclusive, princípios internacionais, do Acordo da Basiléia, que têm de ser seguidos pelo Brasil. Essa adaptabilidade já está na regulação como ela é hoje, mas também pode ocorrer por novas regulamentações. Tenho certeza de que os grandes bancos, as instituições financeiras tradicionais, estão se adaptando e têm enorme capacidade de competir. 

Em relação à regulação das fintechs, há algum ajuste no radar?

Sempre tem ajuste. Tem de lembrar que esse é um ambiente muito fluido, com um dinamismo muito grande. Então, a gente vai tomando decisões ao longo do tempo, para trazer o novo para dentro do ambiente regulatório. A legislação vai se adaptando e muitas vezes é construída de modo a ser auto-adaptável. A carga regulatória das fintechs é mais baixa, porque elas impõem pouco risco ao sistema. Agora, se algumas fintechs ficarem grandes, começarem a impor riscos, automaticamente a regulação vai subir de nível. A gente já tem diferentes segmentos regulatórios no sistema financeiro brasileiro. Claro que a gente monitora isso e diz “olha, você era pequeno e não impunha risco, mas se o seu risco aumentar a sua carga vai aumentar”, porque temos de cuidar da solidez do sistema financeiro.

Há uma consulta pública aberta, a Consulta Pública 78 do Banco Central, que trata do tema de capital em conglomerados nos quais existe uma instituição de pagamentos, como uma maquininha, e uma instituição financeira envolvidas e mesmo em caso de atores antigos que têm maquininha e financeira. No fundo, é só aceitar o fato de que alguns desses atores começam a ficar grandes. De novo, a regulação é para tratar os iguais igualmente e os diferentes diferentemente, conforme o risco que possam impor ao sistema. É um princípio superbásico da regulamentação bancária, celebrado no Acordo da Basileia, que a gente segue aqui estritamente. A regulamentação vai se adaptando. É natural, conforme o risco for crescendo, você impor uma regulamentação adicional.  

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Em uma entrevista dada recentemente ao ‘Estadão’, o economista Ilan Goldfajn, ex-presidente do Banco Central, fez uma sugestão de estabelecer novos critérios para avaliar os riscos das fintechs no sistema, como o patrimônio, o volume de capital, a complexidade, operações interligadas e outras coisas do gênero, que não tem a ver com a alavangem das instituições. O que o sr. pensa dessa sugestão?

É uma boa sugestão. Inclusive, acredito que, se a gente pegar a Consulta Pública 78, alguns desses princípios, como de risco operacional, já estão lá. O resultado dela a gente não tem ainda. O Banco Central coletou as contribuições do mercado e tomará sua decisão quando estivermos prontos. Ainda precisa haver uma decisão da diretoria colegiada. Eu não sei prever qual decisão será tomada. Agora, esses riscos operacionais e de exposição que não são relacionados ao crédito já estão incorporados de uma forma ou de outra na regulação que temos. Não é estritamente só capital e alavancagem. Capital e alavancagem são componentes muito importantes, se não os mais importantes, do risco. A gente tem de prestar muita atenção nas instituições que captam depósitos junto ao público e operam com nível de alavancagem. É por isso que, no Acordo da Basiléia, embora ele tenha várias dimensões, o cerne é o capital. 

Os executivos dos bancos estão questionando muito o ritmo de implantação das mudanças nos casos do Pix e do open banking. Eles dizem que, na reformulação do sistema de pagamentos, em 2013, as mudanças foram feitas de forma mais cautelosa, com tempo para testar tudo antes. A implantação disso não está rápida demais? Como o sr. encara isso?

É uma questão que encaro com muita naturalidade. Acredito que o exemplo do Pix é o melhor. O Pix é um sucesso porque tem muitos autores. Certamente, o Banco Central ter oferiecido uma infraestrutura de liquidação eficiente, uma estrutura de identificação da chave Pix, um arcabouço regulatório sólido, ajudou muito. Mas o Pix não teria saído se não fosse a competência dos bancos, das instituições de pagamento, de embarcar numa tecnologia nova e oferecer isso para os clientes de maneira muito bem-sucedida. O Pix mostra a enorme capacidade de entrega que as contrapartes reguladas têm. Dito isso, a gente precisa levar em conta que, em relação a 2013, o mundo hoje é mais rápido. As demandas da sociedade são mais rápidas também. Então, é natural que tudo esteja um pouco mais rápido. Agora, em vários projetos o cronograma foi ajustado e a gente está sempre aberto ao diálogo constante com as contrapartes privadas para parametrizar os prazos. O Pix foi construído numa governança de coparticipação. Há o Fórum Pix, no qual todas as novas funcionalidades são previamente discutidas com o mercado, com os ofertantes, são acordadas e só depois, implementadas. Em algum momento, a gente olha e diz: “Aquele prazo que a gente pensou lá atrás não vai dar. A gente vai ter de estender isso aqui”. No caso do Pix, nós estendemos vários prazos. Em todos os projetos de grande envergadura o Banco Central está sempre aberto ao diálogo e vai promover os ajustes que forem necessários.

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No caso do open banking, o Banco Central também está disposto a rever os prazos de implantação, se for preciso?

Isso vale para tudo, inclusive para o open banking. O prazo da nossa agenda de registro de recebíveis do cartão de crédito, por exemplo, foi ajustado duas vezes. Muitas vezes, a gente recebe informações de desafios tecnológicos que nós não tínhamos antes. O próprio mercado vai descobrindo os desafios. Esse diálogo é constante. Nós somos responsáveis aqui. De modo mais genérico, se você pegar os objetivos mais amplos do Banco Central, a gente alcançou a manutenção do poder de compra da moeda e agora está adotando medidas para garantir a eficiência do sistema financeiro. A sociedade brasileira foi bem sucedida em construir uma moeda estável e em construir um sistema de pagamentos superestável, que sobreviveu à grande crise financeira de 2008, à grande recessão de 2014 a 2016, ao choque da covid. Depois que você consegue isso, é natural que a sociedade comece a demandar eficiência de forma cada vez mais forte. O nosso papel é garantir a estabilidade e entregar essa agenda de eficiência, com muita segurança e muito diálogo. O diálogo é o mais importante para fazer ajustes finos que sejam necessários. 

O pessoal dos bancos está criticando também a inexistência de limite máximo para o Pix, por colocar em risco a segurança pessoal do portador do celular, em caso de ele ser alvo de assaltos. Isso não é algo preocupante?

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A administração de limites do Pix é algo que a gente segue muito de perto. Só para esclarecer, o Pix tem limites, sim. Eles são estabelecidos pelas instituições financeiras conforme os limites de meios de pagamentos equivalentes. Se você vive em São Paulo e aparece uma transação de débito num bar em Porto Alegre às 2h da manhã, alguém tentando fazer uma transação no seu cartão de débito, o banco emissor não vai transitar aquela informação, porque há um limite de débito. Esse limite máximo do débito, o do crédito, o da TED, os diferentes limites balizam os limites máximos que os bancos impõem para o Pix. Se você tem um limite de R$ 10 mil na ted, vai ter um limite de R$ 10 mil para transferências também no Pix. No segundo trimestre deste ano foi colocada a gestão de limites nos aplicativos. É uma funcionalidade que foi colocada de modo regulatório. Agora, os próprios participantes podem administrar o seu limite. Se o seu banco colocou um limite de transferência no Pix baseado no limite da TED, você mesmo pode entrar no aplicativo e diminuir o limite do Pix, por razão de segurança. A gestão dos limites é algo muito importante para o instrumento. Nos primeiros seis meses, nós entramos com limites bem mais baixos do que os estabelecidos em meios de pagamentos equivalentes, a partir de uma sugestão feita no grupo de trabalho de segurança do Fórum Pix, no qual os bancos grandes aportam uma inteligência muito importante. Eles pediram que, no lançamento do Pix, os limites não fossem escolhidos pelos usuários, mas pelas instituições participantes, para ver o que iria acontecer. Mas, se você olhar o que teve de problema no Pix e comparar com outros instrumentos, vai ver que até agora os problemas de segurança não foram tão relevantes.

Outro ponto que os grandes bancos estão criticando no caso do open banking é o compartilhamento dos limites de crédito de cada cliente, que é algo que eles prezam muito. Eles dizem que isso é resultado de um aprendizado que cada banco alcançou ao longo de décadas e questionam o compartilhamento de todo esse conhecimento de graça com quem está chegando agora. O que o sr. tem a dizer sobre isso?

É importante seguir o princípio. O que é dado pessoal, ou seja, as transações que você fez, o número de vezes que tomou crédito, se pagou ou não as suas dívidas, é propriedade do indivíduo, conforme a Lei Geral de Proteção de Dados, e ele tem o direito, com seu consentimento, de transitá-lo como quiser. O open banking vai fazer com que esse trânsito seja organizado, com segurança no consentimento, e que seja fácil. Agora, parece óbvio que o algorítmo, a econometria de pegar esses dados, misturá-los e produzir um score de crédito, é propriedade do banco, da instituição de pagamento, de quem quer que seja. Eu posso entrar no home banking e tirar uma foto do meu limite de crédito, que vem inclusive com o horário da consulta, e mandar para outro banco. Então, parece claro que essa informação, de certa forma, já é pública. Posso compartilhá-la, se quiser. Para mim, levando isso em conta, parece uma informação que deve ser compartilhada no open banking, até para isso ser feito com mais segurança, porque ela já pode ser compartilhada de modo desorganizado. Eu não participo diretamente da convenção do open banking. Não sei o detalhe do limite, se vai ser incluído ou não. Mas, se quisesse ter um princípio, me parece que deveria ser possível compartilhar essas informações. 

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