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A encrenca é grande, mas há saída

Por Claudio Adilson Gonçalez
Atualização:

Opinião Desde setembro de 2012, quando tive a honra de começar a escrever neste espaço, tenho sido um crítico ácido da política econômica brasileira, especialmente da famigerada nova matriz macroeconômica, marca registrada do primeiro mandato da presidente Dilma, cujos resultados desastrosos são sobejamente conhecidos. Assim, talvez o leitor estranhe o artigo de hoje, já que se trata de uma mensagem relativamente otimista, escrita num momento particularmente difícil para o Brasil, tanto na economia como na política. Ao longo das últimas quatro semanas, a deterioração da confiança dos agentes econômicos - aqui entendidos não só o mercado financeiro, mas também empresários e consumidores - vem se deteriorando de forma mais acentuada. Não é para menos. A situação das contas públicas mostra-se muito pior do que o mais pessimista dos analistas ousasse prever, com o déficit nominal, em 2014, tendo beirado 7% do PIB. Além disso, a cada dia descobrem-se novos passivos do Tesouro com bancos oficiais, decorrentes das famosas "pedaladas" na liberação de recursos para equalização de taxas de juros, tais como as relativas ao Programa de Sustentação do Investimento (PSI) e de financiamentos à exportação. Para qualquer área da economia que se olhe, depara-se com o enorme estrago produzido, em grande medida, pelos desacertos da política econômica: IPCA acumulado em 12 meses provavelmente acima de 8% ao final de março, déficit de mais de 4% do PIB na conta corrente com o exterior, crise energética, imensa destruição de valor na Petrobrás, atraso no programa de concessões de infraestrutura de transporte, situação crítica no setor sucroalcooleiro, crise dos fretes, entre muitos outros problemas. A essa altura, o leitor deve estar se perguntando: afinal, onde está a saída mencionada no título do artigo? Meu argumento é de que a economia brasileira está, de fato, no olho do furacão, mas que estão sendo adotadas medidas no sentido correto que ainda podem reverter a atual crise. Vejamos. Durante o período eleitoral, a grande preocupação era saber se, reeleita, Dilma Rousseff dobraria a aposta heterodoxa ou se daria uma guinada e começaria a consertar os estragos que sua política econômica causou ao País. A resposta que parecia mais sensata na época era de que a presidente ficaria no meio termo: se, de um lado, não era provável que abraçasse o bolivarianismo, como Venezuela e Argentina, por outro, parecia difícil que adotasse - como creio que está tentando fazer - uma política econômica transformadora, capaz de recolocar a economia nos trilhos. Comecemos pelos nomes escolhidos para o primeiro escalão do governo. Ressalvando que talvez mais da metade dos ministros não preste nenhum serviço útil à Nação, dado que seus ministérios são desnecessários, é preciso reconhecer que áreas relevantes da administração pública foram entregues a pessoas altamente qualificadas. Com o risco de cometer injustiça por omissão, destaco aqui Joaquim Levy (Fazenda), Nelson Barbosa (Planejamento), Kátia Abreu (Agricultura), Eduardo Braga (Minas e Energia), Izabella Teixeira (Meio Ambiente) e Mauro Vieira (Relações Exteriores). Política econômica. Ao contrário do que se esperava, o governo está tendo coragem de tomar decisões inadiáveis, porém amargas, que lhe causam enorme custo político. Destaco: 1) as medidas de ajuste fiscal e a ampla transparência em relação às contas públicas; 2) a correção de preços relativos, na forma de expressivos reajustes das tarifas de serviços públicos, especialmente (mas não só) energia elétrica, e ausência de intervenção direta para evitar a (necessária) depreciação do real; e 3) aparentemente, a volta da autonomia operacional do Banco Central para empreender uma política monetária austera, indispensável para resgatar a credibilidade da instituição e a confiança na estabilidade da moeda, bem como evitar os repasses das elevações das tarifas e da taxa cambial de forma generalizada para os bens e serviços da economia, o que, se ocorresse, inviabilizaria o ajuste dos preços relativos. Política. O bom começo na área econômica contrasta com os desacertos no campo político. O PMDB, fustigado, apresenta-se como o guardião da governabilidade e o PT posiciona-se quase como um partido de oposição, especialmente no que se refere às medidas impopulares para o ajuste fiscal. A devolução, pelo presidente do Senado, da Medida Provisória 669 ilustra bem o problema. Além disso, broncas públicas em ministros da área econômica, como fez a presidente no fim do mês passado ao classificar de "infeliz" as declarações de Levy sobre a desoneração da folha de pagamento e a incitação ao conflito social, irresponsavelmente feita por Lula ao ameaçar incendiar as ruas com o "exército do Stédile", são exemplos de ações que só ajudam a minar o sopro de confiança que começou a se esboçar entre os agentes econômicos no fim de 2014. A boa notícia é que recentemente o governo vem dando sinais de que percebeu a gravidade de ter sua base de apoio no Congresso Nacional esfacelada e começou uma articulação mais competente com as lideranças peemedebistas, que, se bem-sucedida, viabilizará a aprovação das medidas do ajuste fiscal. A saída, aqui, é reconhecer que o Brasil é uma democracia representativa e que o Executivo não pode prescindir do diálogo e da negociação com os partidos políticos, goste ou não deles. Crescimento. Mesmo neste cenário positivo, no qual o governo conseguiria recolocar as contas públicas na trajetória correta e promover o ajuste dos preços relativos, a retomada do crescimento a taxas elevadas (digamos, da ordem de 4% ao ano) ainda é um objetivo distante. Com a população em idade ativa crescendo pouco acima de 1% ao ano, seria necessário elevar a produtividade do trabalho em algo próximo a 3% ao ano. E isso só é possível com a aprovação e a implantação de um ousado conjunto de ações e reformas microeconômicas, do qual já tratei em artigos anteriores. Não creio que o atual governo tenha disposição e base de apoio para tanto. *Claudio Adilson Gonçalez é economista e diretor-presidente da MCM Consultores. Foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da assessoria econômica do Ministério da Fazenda 

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