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À espera de Washington. Novamente

Por Floyd Norris
Atualização:

Enquanto os americanos aguardam a chegada de uma nova administração em Washington, os investidores estão preocupados se o sistema financeiro está novamente numa zona de perigo. Com o mercado de ações em forte queda e o de crédito entrando num novo período de congelamento, já se ouvem os apelos para que haja uma nova intervenção do governo, de socorro a grandes instituições financeiras, antes de o presidente eleito Barack Obama assumir a presidência. "Não podemos esperar até 1º de fevereiro se continuar essa situação de não se saber quem está encarregado", disse Robert Barbera, economista-chefe da empresa de investimentos ITG, afirmando que o Congresso precisa adotar um pacote de estímulo, incluindo cortes temporários de taxas, o mais rápido possível. Mas, em vez disso, disse ele, Washington parece paralisado. Esta semana, as ações já desvalorizadas do Citigroup perderam metade do seu valor e as do Banco da América e do JPMorgan Chase caíram 30%. Essas quedas ocorreram apesar dos comentários tranqüilizadores do secretário do Tesouro, Henry M. Paulson Jr., que há uma semana afirmou na Rádio Pública Nacional que as pessoas não deviam mais se preocupar com uma possível falência de algum banco importante. "Devo lhes dizer" , disse ele, "que acredito que nossas grandes instituições estão estabilizadas. Creio nisso firmemente." O Índice de 500 ações da Standard & Poor?s caiu mais de 6% em dois dias consecutivos, quarta e quinta-feira, o que não ocorria desde 20 e 21 de julho de 1933, em meio à Grande Depressão, quando explodiu o pânico por causa do colapso dos preços das commodities. Os preços caíram rapidamente esta semana também, à medida que aumentaram as evidências de uma recessão mundial. O índice S&P-500 está hoje no seu nível mais baixo em 11 anos. Ao renunciar ao seu posto no Senado antes do início da nova legislatura e deixar que prevaleça o sentimento de que as coisas estão à deriva até ele tomar posse, Obama pode ter perdido uma oportunidade de tomar a liderança. Essa nova liquidação de ativos no mercado acionário, esta semana, foi surpreendente, e algumas das piores quedas vieram de títulos de empresas financeiras e ações de empresas varejistas. Os mercados de crédito estão novamente abalados, com os rendimentos de títulos de alto risco subindo vertiginosamente. Fazendo uma retrospectiva, a decisão de permitir a falência do Lehman Brothers teve conseqüências devastadoras, e não só para o sistema financeiro. As ações de algumas grandes empresas varejistas - para as quais a estação que se inicia agora é crítica - perderam quase três quartos do seu valor desde meados de setembro. Existe o temor de uma onda de falências de empresas que poderiam pressionar os balancetes dos bancos e, com isso, dificultar ainda mais os empréstimos que podem manter ainda vivas essas empresas problemáticas. Um pacote de estímulo é necessário urgentemente, disse Gerald Holtham, economista britânico e administrador de fundos hedge, mas para ser eficaz ele terá de reanimar os mercados de crédito e garantir que os cortes de impostos produzam um impacto econômico maior do que ocorreria se apenas permitir que os consumidores excessivamente endividados paguem suas faturas do cartão de crédito. A maior parte do pacote de estímulo implementado no primeiro semestre deste ano, na forma de cheques de devolução de imposto, foi mais poupada e menos gasta, o que deixou alguns economistas reclamando que os descontos tiveram pouco resultado. Holtham sugeriu que o governo deve pagar pelo estímulo, como também o pacote de ajuda, emitindo letras do Tesouro de curto prazo em vez de notas ou títulos de prazo mais longo. Por causa dessa fuga para a segurança, as letras do Tesouro hoje oferecem um rendimento de menos de 1%, enquanto aquelas com prazo de cinco anos pagam cerca de 2%. Holtham disse temer que os bancos, se puderem, comprem letras do Tesouro em vez de fazer empréstimos. "Não podemos desejar que os bancos tenham um lote de letras do Tesouro de quatro ou cinco anos para comprar" com o dinheiro que receberem dos novos pacotes de socorro financeiro e também das pessoas que estão resgatando suas dívidas no cartão de crédito. Se o governo emitir apenas letras com rendimento baixo, "os bancos terão mais incentivo para procurar tomadores de empréstimo responsáveis no setor privado". Tradicionalmente, as recessões são causadas pela elevação das taxas de juro pelo Federal Reserve e terminam depois que o Fed conclui que a inflação está controlada e, então, afrouxa a sua política. Mas essa recessão pode ser atribuída ao oposto - causada por uma política monetária excessivamente frouxa que encorajou a bolha do crédito, em que os empréstimos foram feitos para todo o tipo de risco -, tanto empresas excessivamente endividadas como mutuários insolventes. Agora há uma preocupação de que o Fed terá dificuldade para acabar com uma recessão que nunca pretendeu que se produzisse, e só percebeu que se aproximava quando a economia começou a desaquecer. Desde a falência do Lehman Brothers, o Federal Reserve reduziu a taxa de fundos federais, ou taxa interbancária, para 1%. O rendimento de títulos do Tesouro de dez anos caiu de 3,8% para 3%, mas as taxas estabelecidas para hipotecas residenciais subiram, mesmo para mutuários altamente qualificados. E o KDP - Índice de Alto Rendimento, que mede o custo de empréstimos para empresas com crédito baixo, subiu de 11% para 17%. A atividade econômica, tanto em gastos individuais como de empresas, parece ter estancado completamente depois da falência do Lehman, e mostra poucos sinais de recuperação. A cadeia de lojas de departamentos Target informou esta semana que as vendas na primeira parte de novembro estiveram abaixo das suas já modestas expectativas, e sinalizou que as de dezembro devem ser menores do que há um ano. "O aperto do crédito para todos os emitentes de cartão de crédito já teve um efeito adverso importante sobre nossas vendas e estou certo que isso vai continuar", disse Douglas A. Scovanner, diretor financeiro da Target. Ele disse ainda que a empresa reduziu suas encomendas para a temporada de festas, mas ainda "está preocupado quanto a autorizar as remarcações de fim de ano" diante do que pode acontecer nas vendas deste quarto trimestre. Para tornar as coisas piores, o número de regiões com problemas está crescendo. As áreas piores, tanto em termos de perda de crédito como declínio de vendas, estão concentradas em locais com os mais fracos mercados imobiliários - Arizona, Flórida, Nevada e partes da Califórnia. "Provavelmente eu acrescentaria alguns a essa lista", disse Scovanner. "Com certeza, Georgia, as duas Carolinas e Tennessee hoje estão em situação muito menos próspera do que antes. E Michigan, Ohio é outra área que está bastante fragilizada." As ações da Target perderam mais da metade do seu valor desde a falência do Lehman Brothers, e mesmo assim se saiu muito melhor do que muitas das suas concorrentes. As ações da Macy?s, Sears, Saks, Nordstrom, AnnTaylor e Dillard?s sofreram uma queda de mais de 70% à medida que a temporada de fim de ano se aproxima. Outubro foi o pior mês para as ações de varejo do índice da Standard & Poor?s, com um declínio de 17%. Mas quem pensou que as coisas não iriam piorar estava errado. O índice caiu 29% este mês. Mesmo as ações da Wal-Mart, cujas vendas subiram, sofreram uma queda de 19% desde a falência do Lehman. O que se acredita é que algumas pessoas que quiserem fazer compras podem ter problemas para conseguir empréstimos, e outras vão examinar seus extratos dos fundos de pensão e decidir que não é o momento de gastar. Outras vão se perguntar se o seu emprego está realmente seguro e se preocupar com o fato de que suas casas agora valem menos do que eles devem. O humor negro sobre este período me foi apresentado por um leitor, que me disse que já não se sente tão mal por ter deixado o aluguel para comprar uma casa em 2006. Claro que a casa perdeu valor, disse ele, mas, se não a tivesse comprado, teria deixado o dinheiro na bolsa e teria sido muito pior. Apesar dos pacotes de socorro financeiro, as pessoas estão preocupadas com a possibilidade de outras instituições financeiras começarem a ter problemas. Mesmo a poderosa Berkshire Hathaway, de Warrent E. Buffet, empresa classificada com um Triplo-A e cuja maior atividade é com seguros, parece estar levantando dúvidas. O custo de se assegurar contra uma insolvência do Berkshire saltou este mês, com as ações da companhia apresentando a maior queda dos últimos cinco anos. Desde a falência do Lehman, a Berkshire perdeu 35% do valor, o que significa que teve um desempenho melhor do que a maioria. O índice S&P-500 caiu 40% e o índice S&P financeiro perdeu mais da metade do seu valor, com uma forte depreciação antes do outono. Registra agora sua maior baixa em 13 anos. Num discurso na quinta-feira, na Ronald Reagan Library, em Simi Valley, Califórnia, Paulson defendeu a decisão de deixar o Lehman Brothers falir, dizendo que não tinha nenhuma autoridade legal para impedir isso. "Alguns decidiram que a falência do Lehman foi a causa do aprofundamento da crise em setembro, e não um sintoma", disse ele. "O que, no melhor dos casos, é ingênuo, e no pior, falso." Ele está certo quando diz que os problemas do Lehman foram sintoma da crise, mas a incapacidade, ou a recusa, do governo de impedir a falência da instituição, "contribuiu para elevar o nível de temor dos mercados já abalados". Claramente, a recessão se estenderá por muitos meses, e os consumidores e as empresas continuarão recorrendo excessivamente e por um bom tempo aos empréstimos. Mas o declínio dos últimos meses poderá ser revertido em parte se houver a percepção de que, dessa vez, o governo agirá de forma rápida e decisiva. Mesmo que isso não aconteça, é possível que o derretimento do mercado financeiro esteja exagerando os verdadeiros problemas que são sentidos no restante do país. Presumivelmente, se os executivos de alto escalão do setor bancário deixarem de receber suas gratificações ou se o Citigroup demitir dezenas de milhares de pessoas, o choque será menor em Peoria do que em Greenwich. Este ano, o destino das empresas que operam no varejo dificilmente melhorará com um aumento sazonal das vendas, mas poderá melhorar se ficar claro que elas foram em geral conservadoras ao encomendar produtos, e não precisarão baixar excessivamente os preços para descarregar mercadorias indesejadas. Elas se mostraram cautelosas, e esta é uma das razões pelas quais as importações começaram a cair no início deste ano. Se o relatório do comércio relativo a outubro, que será divulgado duas semanas antes do Natal, mostrar um acentuado declínio das importações, isso confirmará a existência de uma profunda recessão e fornecerá mais evidências de que os varejistas talvez tenham sido mais prudentes do que os investidores agora temem. No entanto, por enquanto, há a preocupação de que a deterioração da economia esteja muito mais acelerada do que o governo achava possível. No fim de outubro, o conselho do Fed concluiu que a taxa de desemprego provavelmente subiria para 6,5% até o fim deste ano. Dias mais tarde, o Departamento do Trabalho informou que a taxa já estava nesse nível, faltando ainda dois meses para o fim do ano.

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