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A fila do repolho e o G-20

Presidente da Coreia do Sul pretende estimular o debate sobre o aumento da pobreza na reunião de cúpula

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Por Redação
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Donas de casa empurrando seus carrinhos de bebê disputam com homens de cabelos grisalhos de chinelos no mercado Shinwon em Seul, numa fila de mais de 2 mil pessoas. Menos da metade delas sai do mercado carregando a promoção: um repolho por US$ 4."Nunca vi nada igual durante meus 18 anos neste mercado", disse Chin Byung-ho, 58, um dos donos dos balcões da loja, berrando no megafone para controlar as pessoas que querem que a promoção comece. "O que aconteceu com nossa vida de pessoas comuns? Agora precisamos brigar por causa de um repolho?"Embora os líderes mundiais do G-20, que estarão reunidos em Seul nos dias 11 e 12 de novembro, provavelmente não verão a cena do mercado, seu anfitrião, o presidente sul-coreano Lee Myung-bak, pretende estimular a discussão da pobreza na reunião. A Coreia do Sul é um exemplo: em nove anos, o número de pobres praticamente dobrou em relação ao total da população.O G-20, cujos membros representam 85% da produção econômica mundial, elaborará um "plano de ação" para ajudar o desenvolvimento dos emergentes com recursos que irão além da mera oferta de dinheiro, disse Lee aos repórteres estrangeiros, em 11 de outubro. O ministro das Finanças, Yoo Jeung-hyun, afirmou em um congresso que a questão do desenvolvimento será uma das mais importantes, sem fornecer detalhes.Os estrategistas dos vários países representados, da China aos Estados Unidos, também enfrentam o problema do aumento do número de pobres. O Banco Mundial calcula que este ano, em todo o mundo, outros 64 milhões de pessoas cairão na pobreza extrema, em consequência da crise mundial. Segundo o banco, cerca de 1,4 bilhão de pessoas viviam na pobreza extrema, definida como uma renda inferior a US$ 1,25 ao dia em 2005, o ano mais recente para o qual há dados disponíveis."A disparidade de rendas não só afeta a classe de baixa renda, como é um fator negativo em potencial para os ricos, pois pode gerar agitação social", disse Yoon Sang-ha, economista do LG Economic Research Institute, de Seul. "O problema dos países asiáticos é que não há economias maduras e grandes o suficiente para criarem redes de segurança para os pobres."O Partido Comunista chinês prometeu, em 19 de outubro, dar mais atenção à melhoria do nível de vida das pessoas e aumentar a renda na zona rural. Hong Kong pretende adotar pela primeira vez o salário mínimo este ano, depois que o número de pobres chegou ao recorde de 1,26 milhão no primeiro semestre."Não vamos esperar que ocorra o fenômeno do "gotejamento" na significativa trajetória do nosso crescimento", afirmou o ministro das Finanças da Índia, Pranab Mukherjee, em discurso no dia 7 de outubro, em Washington, ao explicar o apoio do Estado à infraestrutura e ao emprego aos pobres das zonas rurais.Lee, 68, estabeleceu como principal prioridade a melhoria do padrão de vida na segunda metade do mandato. O coeficiente Gini da Coreia do Sul, que mede a desigualdade, subiu para um recorde de 0,35 em 2009, numa escala de 0 a 1, em que zero é igualdade total. O Gini da China chegou a 0,47 em 2009, superando a marca de 0,4 usada como indicador de inquietação social, segundo o Banco Mundial.Vinte por cento das famílias que constituem o topo da pirâmide sul-coreana ganham 7,7 vezes mais do que os 20% da base, segundo o governo. O segmento da população que vivia na pobreza representava 13% do total de 49 milhões em 2009, em comparação com 7,5% em 1990.A crescente pobreza contrasta com os ganhos recordes da Samsung Electronics, com sede em Suwon, na Coreia do Sul, a maior fabricante de semicondutores, telas planas e celulares da Ásia, e pela Hyundai, a maior fabricante de carros do país.Esses lucros alimentaram a expansão econômica do país de 7,6% no primeiro semestre. A Coreia do Sul tornou-se a quarta maior economia da Ásia em menos de seis décadas, feito que Lee pretende mostrar na cúpula. "Eles poderiam cobrir o repolho de ouro", disse Hwang Soon-nyeo, dona de casa de 65 anos, Ela foi uma das 890 pessoas na fila do Mercado Shinwon, em 5 de outubro, que conseguiram levar para casa três repolhos por US$ 12,50. Graças ao desconto de 30% oferecido pela prefeitura de Seul, em uma hora foram vendidos 2.700 repolhos. O produto é usado para fazer kimchi, alimento típico coreano.O governo de Lee caracterizou os gastos do próximo ano como indispensáveis para inspirar "esperança aos pobres". Seu plano é gastar 10% do orçamento para que a população tenha acesso a uma educação mais completa, a creches e à habitação.A medida foi motivada pela alta de 13% nos alimentos no mês passado, o maior dos últimos seis anos, segundo a Bloomberg. A alta dos aluguéis e dos preços da energia também contribuiu para o forte aumento geral dos preços ao consumidor sul-coreano nos últimos 17 meses, em setembro, de acordo com o Departamento de Estatística."Acho que meu negócio está indo pior do que na década de 80 ou de 90, com a inflação que supera o crescimento das minhas vendas", disse Chin, açougueiro do mercado.Seul está coberta de cartazes que saúdam a cúpula. As estações do metrô exibem um vídeo que promove a etiqueta nas ruas. Kim Yuna, medalha de ouro de patinação artística na Olimpíada deste ano, e Park Ji Sung, jogador de futebol do Manchester United, na Inglaterra, foram designados embaixadores da boa vontade para promover a reunião. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

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