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‘A gente quer mostrar para a Greta que não é do mal’, diz porta-voz das empresas de agrotóxicos

Para cientista político, as indústrias do setor investem bilhões de dólares em pesquisa e contribuem para baratear os alimentos e aumentar a produtividade

Foto do author José Fucs
Por José Fucs
Atualização:

O cientista político Christian Lohbauer, de 53 anos, tornou-se uma espécie de porta-voz das indústrias de agrotóxicos e transgênicos do País. Ex-diretor de Assuntos Corporativos da Bayer e candidato a vice-presidente em 2018 na chapa de João Amoêdo, do Novo, ele agora está à frente da CropLife Brasil, que pretende ser o principal canal de representação institucional dos diferentes segmentos do setor e promover as boas práticas relacionadas ao uso de novas tecnologias de produção no campo.

Christian Lohbauer, presidente da CropLife Brasil Foto: Jonne Roriz/ AE

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Criada em outubro do ano passado, a partir da união de cinco associações ligadas à pesquisa, ao desenvolvimento e à produção de insumos químicos e biológicos para a agricultura, a entidade reúne 32 empresas – número que, segundo Lohbauer, deverá chegar a 40 em breve – e está vinculada a uma organização internacional, com sede em Bruxelas, na Bélgica, e ramificações em diversos países.

Nesta entrevista ao Estado, ele fala sobre as aprovações recordes de agrotóxicos pelo governo Bolsonaro, critica o poder das ONGs e contesta a narrativa de que as empresas do ramo “produzem veneno” e “provocam câncer” nas pessoas. “A Greta acha que a gente é um bando de canalhas”, afirma Lohbauer, em referência à ativista sueca Greta Thunberg, que se tornou um símbolo global do movimento pela adoção de medidas contra o aquecimento global e de outras bandeiras vinculadas ao meio ambiente. “A gente quer convencer a Greta de que não é do mal.”

O governo Bolsonaro tem sido muito criticado no Brasil e no exterior por ter liberado cerca de 500 agrotóxicos em apenas um ano, um recorde histórico. Como o sr. vê essas críticas?

É uma crítica equivocada. O que esse governo está fazendo é desfazer um erro de 16 anos, de dificultar a chegada de novas tecnologias no Brasil. O que são essas liberações? São produtos novos que foram chegando e têm de ser aprovados tecnicamente no País – pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e pelo Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). No mundo inteiro, a aprovação de uma tecnologia nova para usar na soja, no milho, no algodão, demora de três a quatro anos. Aqui, demora de oito a dez. Enquanto o mundo aprova três, quatro novos produtos por ano, a gente não aprovava nenhum. Por que? Porque desde o governo Lula, isso passou a ser considerado veneno. A orientação era para não aprovar nada. Então, formou-se uma fila, que foi crescendo. Depois, o governo Temer começou a liberar devagar e agora esse governo está desfazendo um processo decisório anacrônico e ideológico. Para você ter uma ideia, há 27 moléculas novas, tecnologias novas, já aprovadas em outros países, que ainda estão na fila para aprovação aqui. Há substâncias que demoraram tanto para aprovar aqui que elas perderam o ciclo de vida.

Com todas essas liberações em tão pouco tempo, ficou a impressão de que houve uma liberação indiscriminada de agrotóxicos no País. Havia tantos produtos novos na fila?

Na verdade, a maior parte dessas centenas de aprovações foi de genéricos e de produtos que nem para agricultura são. Eles põem nesse rol produtos que atacam insetos de residência, que matam cupim e barata. De tecnologia nova, substâncias novas para a agricultura, foram apenas oito. São muito menos moléculas (princípios ativos), porque elas demoram muito para ser desenvolvidas. Mas a turma que quer criticar diz que é tudo agrotóxico, fica batendo nessa tecla de que agora liberou geral. Isso é uma burrice. No fundo, são aprovações de produtos antigos, que já tinham que estar aprovados há muito tempo. Só que isso não sai em lugar nenhum, porque é agrotóxico, é matéria para bater.

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Os críticos alegam que muitos produtos são proibidos em outros países, particularmente na Europa, que tem uma visão mais restritiva neste campo. Não está havendo negligência do governo nas liberações?

Isso também é um absurdo. Existem vários produtos que são aprovados aqui e não são aprovados na Europa e mesmo nos Estados Unidos? Existem. Sabe por que? Europeu planta soja? Não. Então, ele não precisa de produto para soja. Ninguém faz essa pergunta. Também há várias substâncias que a gente não autoriza e que são aprovadas lá, porque a gente não usa, não cultivamos aqui os alimentos para os quais elas se destinam. Uma boa parte desses produtos, que uma professora da geografia da USP pôs na tabela dela, para mostrar que o governo estava liberando substâncias que os europeus não aprovaram, é porque eles não precisam usar lá. Além disso, há vários produtos autorizados aqui que os americanos pararam de usar, porque já tem um novo lá e eles deixaram de aceitar o velho. Tem de medir essas coisas também, mas o pessoal do regulatório daqui não está preocupado com isso. Na escola de pensamento da Anvisa, na qual todos os agrotóxicos são vistos como veneno, muitos se veem como protetores da vida – e são mesmo. Só que eles acham que, ao não aprovar uma substância nova, estão protegendo a vida das pessoas, mas o que acontece é justamente o contrário.

Não existe nenhum estudo científico no mundo que comprove a relação entre uso adequado de defensivos e prejuízo à saúde humana

Parece que agora o ministério da Agricultura assumiu um papel mais relevante no processo. Isso não é como deixar a raposa tomar conta do galinheiro?

O modelo brasileiro é um modelo que envolve três esferas de decisão e três filas paralelas. Os processos toxicológicos de cada produto são apresentados simultaneamente no Ministério da Agricultura, na Anvisa (vinculada ao ministério da Saúde) e no Ibama (ligado ao ministério do Meio Ambiente) – e as filas andam de forma independente. Há muitos casos em que o produto já passou no Ibama e está parado na Anvisa – e vice-versa. Em tese, a fila do Ibama e da Anvisa deveriam andar juntas e o Ministério da Agricultura só receberia e endossaria os processos, porque não tem gente para fazer análise. Mas, no período do PT, a Anvisa ganhou muita força e dominou o assunto. Agora, neste governo, a Anvisa está liberando os registros, porque foi parcialmente desaparelhada. Hoje, a ministra Tereza Cristina, no Ministério da Agricultura, a Anvisa, com gente nova, com uma visão mais pró-negócio, e o Ibama, também com uma nova visão, porque às vezes também era duro e sentava em cima do processo, azeitaram a coisa e conseguiram  viabilizar duas levas de aprovações.

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Por causa dessas liberações, o Brasil tem sido chamado de “paraíso do agrotóxico” por militantes dos movimentos ecológicos. Como o sr. avalia isso?

Refuto veementemente. O Brasil é o maior mercado de defensivos do mundo? É, e vai continuar sendo, porque é o único grande país que tem agricultura tropical. Esse pessoal não faz nem questão de estudar isso. Todos os grandes produtores, Estados Unidos, Canadá, União Europeia, Ucrânia, África do Sul, Austrália, Argentina, estão em ambiente temperado. O Brasil é o único grande produtor agrícola tropical do mundo. Aqui tem duas safras. Às vezes, até três. Quem tem três safras no mundo? Ninguém. Quem tem duas? Poucos países. O Brasil tem sempre duas. Além disso, o Brasil não tem neve. Eles têm o inverno e a neve. É um processo sanitário da natureza. Quando a neve chega na Europa e nos Estados Unidos, ela faz o processo sanitário. Aqui isso não acontece.

De qualquer forma, o uso de agrotóxicos aqui não é exagerado, em comparação com outros países?

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Para medir o uso do agrotóxico, tem de usar dois critérios que a gente considera muito melhores do que o volume absoluto. Um deles é kg de produto/hectare. A Holanda, produtora agrícola, tudo certinho, moderno, usa 9,4 kg por hectare. Na Bélgica, na Alemanha, na França, no Japão, é mais ou menos a mesma coisa. O Brasil usa 4,1 kg/hectare. O outro indicador mede o uso de defensivo em relação à produção total de alimentos. O Brasil ocupa apenas o 14º lugar da lista. Quando você fala isso no Congresso Nacional, para o pessoal do PSOL, eles fingem que não ouvem. Só querem olhar o volume absoluto – e a imprensa acaba caindo nesta armadilha.

Muitos profissionais ligados à área de saúde têm feito alertas dramáticos sobre os danos que alguns desses produtos podem causar às pessoas, especialmente às crianças, deixando muita gente assustada. O que o sr. tem a dizer sobre isso?

Não existe nenhum estudo científico no mundo que comprove a relação entre uso adequado de defensivos e prejuízo à saúde humana. Já falei isso até no Congresso Nacional, mas o pessoal diz: “Vocês pulverizaram uma escolinha lá em Goiás”. É esse o problema. Eu posso falar para você: “Água mata”. Aí você diz: “Não, não mata”. Mata, sim. Se você tomar vinte litros de água agora, você morre. Só que, se você tomar água direitinho, não vai morrer nunca por causa disso. É a mesma coisa com o defensivo. Depende da dose. Se o cara pegar um inseticida e pulverizar uma colmeia, vai matar todas as abelhas. Não pode pulverizar colmeia. Tem de usar o produto como está prescrito. As empresas não têm como controlar o uso, assim como você não tem como controlar como as pessoas tomam remédio em casa. Se o médico falar que só pode tomar uma pílula por dia e você tomar cinco, morre. No caso do defensivo é igual. É um produto tóxico? É. Tem um jeito de usar certo, e às vezes o agricultor usa errado.

Para cada produto novo, são testadas 200 mil moléculas, sob a supervisão de cientistas suíços, alemães, com PhD, que só fazem isso há 20, 30 anos

Quer dizer que a culpa pelos problemas causados por agrotóxicos é do agricultor?

A gente assume uma parte da culpa. Tem de fazer com que o produtor use direito. Mas ele também é responsável, porque às vezes usa errado, usa demais, com o bico virado para cima, joga tudo para fora, mata as colmeias, mata as abelhas. Tem de ensinar o produtor a usar direito o produto e promover as boas práticas. A gente tem obrigação como instituição de treinar as pessoas, educar as pessoas nas boas práticas, dar para a sociedade o que ela está pedindo. Num país desse tamanho, cheio de pequenos produtores, muitos analfabetos, precisa ensinar o pessoal a usar o produto direito. Eles não são obrigados a entender a complexidade de um produto desses. Esta é a conversa de gente grande de verdade. Não é “não pode usar defensivo, tem de ser orgânico”.

Atualmente, os consumidores valorizam muito, cada vez mais, os produtos orgânicos. Faz sentido usar agrotóxicos e correr esses riscos?

Vai plantar um tomateiro sem defensivo. Você não vai colher tomate nenhum. O desenvolvimento de novas tecnologias envolve o investimento de bilhões de dólares em pesquisa por parte das empresas. Para cada produto novo que você coloca no campo, são testadas 200 mil moléculas antes da aprovação, sob a supervisão de cientistas suíços, alemães, com PhD, que só fazem isso há 20, 30 anos. Como os farmacêuticos responsáveis pelos medicamentos, eles são os responsáveis nas empresas de defensivos pela segurança desse troço. Quem defende tecnicamente os produtos? Não é o Zezão. Eles sabem que, se autorizarem a fase 1, a fase 2, a fase 3, têm responsabilidade pelos resultados. Se chegar lá na frente e der talidomida, eles serão responsabilizados. O negócio é sério. Depois ainda tem a fase das análises toxicológicas dos países. No caso brasileiro, estamos falando de 10 a 15 anos, até agora, para aprovar uma nova substância.

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Apesar desse caráter científico a que o senhor se refere, a percepção geral é de que as indústrias do setor colocam em risco a saúde das pessoas e o meio ambiente. Como o sr. explica isso? O que leva a essa percepção negativa?

Embora a gente ache que faz coisas sensacionais para a humanidade, que a gente faz o alimento ficar mais acessível e mais seguro, que contribui para aumentar a produtividade, que leva o produtor a ficar mais rico, a sociedade acha que a gente produz veneno, explora o produtor, intervém na estrutura da vida, porque mexe com biotecnologia, com DNA, coloca em  perigo a vida das pessoas e provoca até doenças como o câncer. A gente acha que vai mudar isso no médio e no longo prazo, porque no curto prazo é difícil. Se quiser ampliar a discussão, a gente quer conversar com a Greta Thunberg e convencê-la de que a gente é bacana, porque ela acha que a gente é um bando de canalhas. A agenda da Greta é muito maior, mas a gente esta contido nela. A agenda da Greta inclui mudanças climáticas, alimento saudável, proteção dos animais, águas limpas, aquela coisa linda. E a gente é quem? Nós somos os caras da química e da intervenção genética, os caras do mal, as empresas multinacionais e os oligopólios que jogam veneno na água e nos alimentos.

As ONGs se transformaram numa corporação como outra qualquer, que tem seus próprios interesses e luta para defendê-los

O sr. acredita que esse assunto é tratado com muita emoção? A que atribui essa visão predominante hoje no Brasil e no mundo?

Esta é a grande questão. Quem ganha em falar que as abelhas estão acabando, que as águas estão contaminadas, que o alimento está contaminado? A resposta é que, nos últimos 30 anos, surgiram no mundo instituições, fundos, organizações não governamentais cujo objetivo é proteger a natureza, salvar o planeta, legitimamente. Grupos preocupados com a poluição, com o rio que estava sujo, estão conseguindo alguns resultados importantes. Muitas cidades conseguiram se limpar, recuperaram rios. O uso indiscriminado de produtos químicos diminuiu. Só que essas instituições foram crescendo e ficando fortes do ponto de vista financeiro. São instituições que vivem de financiamentos públicos e principalmente privados, de contribuições e de doações. Alguns bilionários doam fortunas para elas. Criou-se uma corporação universal de instituições que não empregam o pobrinho da África nem o cara de Bangladesh. Empregam nós, nossos filhos, nossos sobrinhos, o cara que foi fazer mestrado e doutorado em Colúmbia (EUA), que foi fazer Sciense Po e sociologia em meio ambiente em Paris. Quando o pessoal termina o curso, vai trabalhar aonde? Vai para o ONU, o Greenpeace, o Nature Conservancy Fund, o WWF (World Wild Fund), para esse universo todo. Isso se transformou numa grande corporação, como outra qualquer, que tem seus próprios interesses e luta para defendê-los. Esta é minha tese.

O uso de agrotóxicos também gera muitos efeitos colaterais. Tem o impacto no meio ambiente, envolvendo a biodiversidade, as abelhas, cuja redução no Brasil e no mundo tem causado uma comoção. Isso não é um sinal de que há um perigo iminente com o uso dessas substâncias?

É o que a gente sempre fala: é inseticida? É. Então, mata inseto. Isso não tem dúvida. Mas a gente contesta todos esses números que são colocados, inclusive sobre as abelhas, para pegar o caso mais comentado hoje. Para começar, o número de abelhas no mundo está aumentando. A fonte é a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), das Nações Unidas, os estudos que eles fizeram sobre polinizadores, que incluem abelhas e outros insetos. Há lugares no mundo em que realmente há uma queda significativa na população de abelhas. Na China, na Califórnia (EUA), na Argentina. No Brasil, não se sabe. Os estudos começaram a ser feitos, patrocinados pelas empresas do agronegócio, porque o Ibama não tem como fazer isso e pediu para as empresas fazerem. Hoje, não dá para dizer se as abelhas estão aumentando ou diminuindo no Brasil.

O que estaria causando a morte das abelhas em outros lugares do mundo?

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A maior causa da morte de abelhas hoje é a perda do sistema que indica para ela como voltar para a colmeia. Ela sai da colmeia e por alguma razão se perde e morre. Pelo que se sabe, um inseto bem pequenininho, uma praga microscópica ataca as abelhas. Na China, certamente é a principal causa da morte de abelhas. Por que? É o que está todo mundo tentando descobrir. As empresas também estão estudando a questão. Pode ser agrotóxico? Pode, se usado de forma errada. Agora, tem gente dizendo que, na soja, por exemplo, na qual se pulveriza muito agrotóxico, as florzinhas estariam sendo afetadas e a abelhinha vai entrar em contato com isso e morrer. Só tem um problema aí: soja não tem flor. “Ah, mas à deriva, você pulveriza num ponto, aquilo voa e atinge as matas em volta”. Pode ser. Em que quantidade? Atinge as colmeias? Se for pouco não vai acontecer nada. Se for muito, vai. Você entendeu que a conversa é para gente grande? O que é complicado é que tem muito estudo sobre o tema, mas ninguém se preocupa em ler.

Para você ter intoxicação, teria de comer 20 kg de pimentão, considerando o índice de resíduo identificado pela Anvisa

Recentemente, a Anvisa promoveu a reclassificação de 1.924 produtos agrotóxicos, com base no novo marco regulatório do setor, e muitos tiveram uma redução no grau de toxidade apresentado anteriormente. Essa mudança de critérios não pode colocar em xeque a credibilidade da classificação?

Pode. Mas o que eles estão fazendo, na nossa visão, é desfazer o que se tinha feito errado lá atrás. É o mesmo processo que está acontecendo com a liberação dos agrotóxicos. Essa reclassificação de toxidade, que foi cada vez mais apertada nos últimos anos, em função de vontade e não de ciência, agora está voltando aos índices adotados em outros países. A Anvisa, curiosamente, para o bem do Brasil, está entre as melhores agências reguladoras de saúde, está num círculo de países sérios, que têm instituições de controle sanitário de bom nível. Mas ela foi recebendo um imput de ideias que não têm nada a ver com o que a ciência fala, com o que o Codex Alimentarius estabelece. O Códex Alimentarius, que está dentro da OMC (Organização Mundial do Comércio), é que determina o índice de resíduos toleráveis, de acordo com a ciência e estudos técnicos, de todos os produtos. O rei da contestação do Codex é a Europa, contra os Estados Unidos. O debate internacional sobre tolerância de resíduos, aprovação de produtos, é um debate ideológico entre europeus e americanos. Nós, institucionalmente, nos alinhamos aos europeus, embora tenhamos uma agricultura independente, tropical, e um comportamento e uma dimensão agrícola de Estados Unidos. É uma esquizofrenia. Temos burocracia de francês e comportamento de americano.

A Anvisa também realizou um teste que apontou a presença de agrotóxicos em níveis acima do permitido ou usados de forma equivocada em 23% das amostras dos alimentos. A qualidade dos alimentos está comprometida pelo uso de tanto agrotóxico?

O Para (Programa de Análise de Resíduos em Alimentos), o estudo ao qual você se refere, que sai de três em três anos, importantíssimo, é feito com amostras de alimentos pela Anvisa. O que são os 23%? São os alimentos que não estão em conformidade com o uso de um determinado produto. Dos 23%, quase tudo, o equivalente a 21% do total, é inseticida autorizado pela Anvisa para o tomate que o produtor usou no pepino . Há muitos casos, principalmente hortifrúti, em que um produto pode servir para vários alimentos, para combater o mesmo inseto, mas a própria Anvisa não teve agilidade nesses anos todos para aprovar isso. Em outros casos, pode nem servir, mas o sujeito usa assim mesmo. Isso não tem como controlar. Agora, o que é realmente não conformidade, excesso de resíduo naqueles alimentos? 2%. É um índice mais baixo que o europeu. Mas todas as manchetes foram: “23% dos alimentos não estão em conformidade com as recomendações da Anvisa”. Tá errado? Não. Mas induz a população a achar que 23% do que ela come está envenenado -- e não é isso que acontece.

Mesmo assim é preocupante a gente saber que 2% dos alimentos consumidos pela população têm um resíduo acima do recomendado.

É verdade. Agora, na Europa, que é onde há mais histeria com esse assunto, são 4%. Então, a gente está no mesmo padrão das alterações internacionais. Mas isso não significa que 2% dos alimentos que você consome estão com LMR (limite máximo de resíduo) acima do recomendado. O índice de contaminação para consumo humano é zero, tanto na Europa como aqui. Se você comer um pimentão, que o pessoal gosta de usar como exemplo no Brasil, por sempre estar acima do nível máximo recomendado de agrotóxico, porque o agricultor pulveriza demais, o que acontece? Nada. Para você ter intoxicação, teria de comer 20 kg de pimentão, considerando o índice identificado nesses 2% pela Anvisa. Só que para explicar isso, para as pessoas entenderem o que significam esses 2%, o que significam os 23%, é difícil. Ninguém se deu ao trabalho de explicar isso. Não saiu em nenhum jornal.

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Há um projeto de lei no Congresso, batizado de “PL do Veneno”, já aprovado na Comissão Especial da Câmara, cujo objetivo é facilitar a liberação de agrotóxicos no País. Desculpe insistir nesta questão, mas o Brasil não se está transformando numa terra de ninguém nesta área?

Pelo contrário. O PL 6299, que é o projeto de lei que você mencionou, é a modernização de uma lei de 1.989, que tem mais de 30 anos. Hoje, os produtos ficaram muito menos tóxicos, muito mais eficientes e exigem muito menos quantidade para alcançar resultados melhores. Quando se pede para usar menos defensivo, isso já está acontecendo naturalmente. Não precisa nem a ONG pedir. Agora, a lei atual é muito restritiva. Está previsto no projeto, por exemplo, que, se três países da OCDE – como Alemanha, Austrália e Estados Unidos, que têm processo regulatório de qualidade reconhecida internacionalmente – já tiverem aprovado dossiês toxicológicos do mesmo produto e ele já estiver em uso no campo, a gente vai poder pular este estágio no processo brasileiro, para não ter de fazer aqui a mesma avaliação, para ganhar tempo. Custa menos e todo mundo fica feliz. Mas o que o pessoal do ouro lado fala? “Esses gananciosos estão querendo liberar o veneno, para as multinacionais venderem mais, espremerem o produtor e envenenar a água e os alimentos, para ganhar mais dinheiro.”

A Europa não quer aceitar milho e soja transgênicos, que ela não produz, mas toda a proteína animal que ela consome se alimenta com transgênicos

Em que pé está o projeto?

Era para ele ter sido votado no final do ano passado. Todo mundo estava esperando que fosse, mas a oposição enfiou o PNaRA (Projeto Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos) no meio e criou-se um impasse. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, não quis tomar posição sobre isso, uma pena, e está tentando promover uma convergência de textos. Então, até abril deste ano esse projeto deve ser votado. Acho que está indo no bom caminho. Uma ou outra coisa que tem no PNaRA, que não tem a ver com essa matéria, como pedir subsídio para orgânico, pedir que a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) compre orgânico quando houver excesso de produção, vai acabar sendo incorporada no projeto. Algumas coisas que não fazem o menor sentido, que são ruins para o Brasil, mas não são da nossa área, nós não vamos comentar. Agora, está no PNaRa que produto biológico não precisará mais ter registro. Para você ver como a agenda está invertida, hoje os brasileiros querem produzir o próprio defensivo biológico, dentro de uma visão conhecida como onefarm. O sujeito faz uma fabriqueta com uns tancões, umas panelonas, vê a receita, mistura ali o fungo na água quente, faz um troço estranho e pulveriza na plantação. Eles querem aprovar isso. É mais perigoso que a molécula sintética. O agricultor vai pulverizar um microrganismo em cima da plantação de milho e se errar na dose vai matar todo o milharal, contaminar o espaço geográfico e ainda pode dar desequilíbrio de biodiversidade. Isso a gente vai lutar contra.

O Brasil não estaria melhor colocado para atender à demanda internacional se investisse mais nos orgânicos?

Não só se colocaria melhor, como já se coloca. O Brasil é um dos grandes produtores e exportadores de orgânicos. O nicho do orgânico é um belíssimo mercado. Tem um grande espaço para ocupar e o Brasil vai ocupá-lo, mas uma coisa não elimina a outra. A ideia de que o orgânico é o futuro é falsa, por uma razão muito simples: preço. Os sete bilhões de pessoas que vivem na Terra não se vão alimentar com orgânicos. Hoje, esse mercado está muito concentrado na Europa e nos Estados Unidos. Quem quer comprar tomate com pinta preta e pagar um euro por tomate é o alemão – e eu bato palmas para ele. Tudo certo. Só que ele paga dez vezes mais no tomate. É uma escolha que ele pode fazer. Agora, se a gente quiser realmente alimentar as pessoas mais pobres do mundo, vai ter que ser produção em grande escala e isso não é possível fazer com orgânico. Então, as coisas têm que andar juntas.

Muitos consumidores também têm restrições em relação aos transgênicos. Muita gente teme o efeito dos transgênicos na saúde e movimentos como o MST se colocam contra os transgênicos. Como o sr. analisa essa questão?

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No Brasil, a percepção sobre os transgênicos mudou muito – e para melhor. Na última década, caiu muito a resistência, que era virulenta. Houve um processo de esclarecimento da sociedade. O CNTBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) nasceu com avaliadores muito resistentes à inovação, geralmente professores universitários, cientistas. Mas eles foram se convencendo através de um trabalho intenso de esclarecimento que essas tecnologias não eram perigosas e eram muito favoráveis à produção. Foi um processo institucionalmente positivo que aconteceu no Brasil. Agora, o debate internacional continua. A Europa é refratária a essa matéria. Para você ver como a coisa é demagógica, a Europa não quer aceitar milho e soja transgênicos, que ela não produz, mas a proteína animal toda que ela consome tem de se alimentar com transgênicos, porque não há soja sem transgênico em quantidade suficiente para alimentar os animais. Do ponto de vista mais teórico e filosófico, a discussão lá leva em conta o princípio da precaução. Como não se sabe se pode ter efeito no futuro, eles preferem que não se use. Os americanos pensam o contrário. Como já se passaram 30 anos e a humanidade está se alimentando com produtos transgênicos sem problemas para a saúde, podemos continuar a consumi-los. Ainda bem que, nos Estados Unidos, do ponto de vista da burocracia de Estado americana, a visão é de produção de alimentos em larga escala, usando as tecnologias mais avanças, das quais eles, inclusive, são pioneiros. Aliás, cada vez mais as empresas europeias, as alemãs, as suíças, estão transferindo seus centros de pesquisa para os Estados Unidos, porque lá elas conseguem trabalhar.

A saída para a Embrapa é aproveitar tudo o que se construiu de expertise nesse campo no Brasil, procurando aliá-la a projetos com empresas privadas

Como a Embrapa, no Brasil, que é uma empresa de pesquisa agrícola, insere-se nesta discussão? Como o senhor analisa o trabalho da Embrapa, que é tão festejada do ponto de vista da inovação, em relação ao trabalho dos cientistas das grandes empresas internacionais do setor?

A Embrapa é isso mesmo o que falam dela. Ela foi a grande transformadora da agricultura brasileira, porque fez exatamente, na esfera estatal, o que as empresas hoje fazem na esfera privada. Nos anos 70, 80 e até 90, a Embrapa desenvolveu a ciência das plantas, fez sementes, alterações genéticas, melhoramentos. Ela não desenvolveu produtos de defesa vegetal, não fez defensivos, mas trabalhou na genética, para o ambiente tropical, e fez a revolução agrícola brasileira acontecer. No entanto, ela não vai mais conseguir fazer o que já fez, porque dos anos 90 para cá o custo de ciência e de produção científica e do investimento em tecnologia aumentou demais. Uma empresa estatal, ainda mais no caso do Brasil, não tem condições de acompanhar esse processo.

O senhor é favorável à privatização da Embrapa?

Na minha visão, a saída para a Embrapa não é a privatização. Mas a Embrapa tem de mudar o seu perfil. Que ela continue a ser uma empresa que tem R$ 3 bilhões de orçamento, mas que faça, cada vez mais, projetos em combinação com empresas estrangeiras, como já faz, com a Basf, com a Bayer, desenvolvendo junto sementes de soja, algodão, de milho. Ao inventar uma semente nova, ela receberia participações e conseguiria se financiar. Por que isso não aconteceu antes? Porque o governo anterior não aceitava. Então, a saída para a Embrapa é mantê-la viva, aproveitar tudo o que se construiu de expertise nesse campo no Brasil, mas procurando aliá-la a projetos com empresas privadas. Esse governo tem essa visão. O pessoal que fala que a Embrapa vai concorrer com a Monsanto, que nem existe mais, tem de entender que isso não vai acontecer, porque ela não tem escala, não tem dinheiro para isso. Uma empresa lá fora gasta para desenvolver um único produto o que a Embrapa tem de orçamento por ano.

O senhor é presidente de uma entidade que defende essas coisas todas, essa questão dos agrotóxicos, dos transgênicos, como representante das grandes indústrias do agronegócio. Se estão chamando o PL que facilita o registro de agrotóxicos de “PL do veneno”, daqui a pouco vão chamá-lo de “Mr. Veneno”. Isso não o preocupa?

Se quiserem me chamar de Mr. Veneno, podem me chamar. Mas tenho certeza de que o que a gente faz é uma das coisas mais importantes para o Brasil de hoje. Se você pegar qualquer outro setor da economia, nenhum tem tanto potencial quanto a ciência investida na produção de alimentos. Por isso, estou aqui. Então, pode chamar de Mr. Veneno. Eu vou tentar mostrar que sou o Senhor Alimento.

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