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A guerra cambial do Brasil

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Por Rolf Kuntz
Atualização:

O Brasil tem cerca de US$ 270 bilhões de reservas e o governo planeja acumular mais um bom volume, agora com o Fundo Soberano jogando em dupla com o Banco Central (BC). A perspectiva de mais dólares no mercado assusta empresários e governo. Se o real continuar em alta, a piora do balanço de pagamentos será mais veloz. O superávit comercial ficou em US$ 12,5 bilhões de janeiro até a terceira semana de setembro - resultado 41,1% inferior ao de um ano antes. O buraco em transações correntes continua a aumentar. Chegou a US$ 31,1 bilhões neste ano, até agosto, e a US$ 45,8 bilhões em 12 meses. Poderá ir a US$ 50 bilhões em 2010 e a US$ 60 bilhões em 2011, segundo as projeções coletadas pelo BC para o boletim Focus. Mas a intervenção no mercado será suficiente para conter a valorização do real? Provavelmente não, até porque a instabilidade do câmbio é um problema global, e não apenas brasileiro.O propósito, segundo a explicação mais equilibrada, não é defender um piso para o dólar, mas limitar o ritmo de sua depreciação. De vez em quando alguma autoridade confessa a ambição maior - intervir no mercado para conter, de fato, a valorização da moeda brasileira. O objetivo mais modesto pode ser alcançável, mas o saldo comercial continuará a encolher, se a evolução depender só do câmbio.De toda forma, está descartada liminarmente, pelas autoridades, a ideia de aceitar sem reação o ingresso dos dólares. Essa enxurrada, segundo vários analistas, é o custo do sucesso. Essa frase consoladora, no entanto, não elimina o problema. Atribuir a valorização do real à boa posição relativa do País pode ser bom para o ego, mas ego inflado não cria nem protege empregos.A principal vantagem da acumulação de reservas tem sido, até agora, a criação de um colchão de segurança. Em 15 de setembro de 2008, quando quebrou o banco de investimentos Lehman Brothers, o Brasil dispunha de US$ 207,6 bilhões. Esse dinheiro serviu para neutralizar as tentativas de especulação e para financiar empresas quando o acesso aos bancos estrangeiros foi fechado. Isso compensou o custo financeiro da manutenção de reservas. Agora, a recessão americana foi declarada extinta, mas o Escritório Nacional de Pesquisa Econômica, responsável pela datação dos ciclos, advertiu: a economia continua fraca e antes de 2013 o emprego não voltará ao nível pré-crise. Com a Europa em dificuldades e riscos financeiros ainda elevados, o cenário internacional permanecerá ruim. Assim, um colchão de segurança ainda poderá ser útil, especialmente se o balanço de pagamentos continuar em deterioração. O custo da intervenção é mais preocupante quando examinado de outra perspectiva. A acumulação de reservas envolve expansão da dívida pública. Essa consequência seria menos perigosa, se outros fatores já não agravassem o quadro fiscal. O governo tem recorrido a dividendos das estatais para reforçar suas contas. Sem isso, o setor público estaria bem mais longe do superávit primário de 3,3% do Produto Interno Bruto, programado para o ano. Além disso, as autoridades têm recorrido à criatividade contábil, já descrita pela imprensa, para gerar receita não tributária e melhorar sua posição financeira.Mas o câmbio é apenas parte do problema. Em países muito mais competitivos, como Estados Unidos, Japão e vários europeus, é difícil contornar a desvantagem cambial com a melhora de outros indicadores. No Brasil, ao contrário, a depreciação da moeda serviu por muito tempo para compensar deficiências graves.O quadro mudou parcialmente. As empresas ficaram mais competitivas nos últimos 15 ou 20 anos, mas continuam prejudicadas por fatores extramuros, como a tributação, os custos logísticos e a energia absurdamente cara. Isso não é tudo. Até para recorrer a medidas de proteção os produtores nacionais estão em desvantagem. Nem eles nem o governo estão equipados para bem aproveitar os mecanismos autorizados pelas normas internacionais. No caso do Brasil, a intervenção no câmbio é uma resposta muito limitada aos problemas comerciais. Quase certamente produzirá resultados modestos e não impedirá a piora das contas externas - um fator de limitação para o próximo governo. Mas não se deve esperar, a curto prazo, um esforço sério de redução de custos, embora haja ampla margem para isso. Se houver alguma desoneração tributária, será restrita. O governo já decidiu aumentar seus gastos até o fim do ano e mais desperdício está previsto para 2011. Desoneração fiscal para valer não combina com despesa em alta. Resta intervir no câmbio. O passo seguinte poderá ser uma restrição tributária a capitais de curto prazo - se isso não atrapalhar a Petrobrás.JORNALISTA

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