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Economista e sócio da MB Associados

Opinião|A indústria em crise

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Atualização:

A indústria brasileira vive uma fase muito difícil. A produção de hoje não é muito diferente daquela de 2008. Como resultado da perda de competitividade, as exportações estão caindo. Os resultados das empresas, em geral, pioraram. Há três anos, publiquei dois artigos neste espaço: Competitividade e o Câmbio, em 4 de abril de 2010, e Câmbio e Competitividade, no dia 18 do mesmo mês. No primeiro trabalho, a atenção estava voltada para a área microeconômica, argumentando que estava ocorrendo uma piora sistêmica em nossa competitividade derivada do sistema tributário, da precariedade da infraestrutura de logística, do alto custo da energia elétrica e da persistente elevação do custo salarial, num contexto de baixo volume de inovações e de reduzido crescimento da produtividade. O aumento do salário real, como se sabe, equivale a uma valorização do câmbio, afetando a competitividade do setor. De lá para cá, o volume de evidências acumulado sobre a elevação do Custo Brasil, do baixo crescimento da produtividade e a consequente redução da capacidade de nossa indústria competir foi avassalador. O segundo trabalho tratava da área macroeconômica: ali sugerimos, em linha com as estimativas de outros economistas, que o real estava valorizado em algo entre 15% e 20%, o que, sem dúvida, prejudicava a indústria. Entretanto, o problema era, já naquela época, como corrigir a sobrevalorização num contexto de uma política fiscal muito expansionista, sem apenas acabar por provocar mais inflação. Na verdade, a questão fica mais difícil, dado que o custo salarial, direto ou indireto, nunca parou de subir além da produtividade. Também aqui a discussão tem sido muito aguda, mas com avanços limitadíssimos. De um lado, como ocorreu no final do ano passado, a tentativa voluntarista de desvalorizar o câmbio nominal acabou por contribuir para que a inflação brasileira se consolidasse no topo da meta. Por outro lado, nunca se cogitou seriamente praticar uma política fiscal mais contida ou reconhecer que o crescimento persistente dos salários reais acaba por consolidar uma taxa de câmbio relativamente forte. Como nesses anos pouca coisa mudou, as coisas foram ficando mais difíceis para a indústria. De fato, o setor de serviços pressiona fortemente as contratações e a taxa de salários. Como não tem competição, o segmento repassa custos para preços e com isso, segue apresentando bons resultados com expansão de sua atividade, ao custo de uma inflação de serviços que roda há muito tempo na faixa de 8% ao ano (os resultados das empresas abertas mostram isto muito nitidamente). O setor agropecuário, por outro lado, tem apresentado fortes ganhos de produtividade e, com alguma ajuda de boas cotações internacionais, pode aumentar a oferta e ainda ter bons resultados (a explosão de custos, entretanto, está matando essa boa fase). A indústria, por sua vez, acabou se ajustando através de uma elevação muito forte das importações, como única forma de se manter minimamente competitiva no mercado interno. Elementos específicos tornam a situação ainda mais difícil. Entre eles, o elevado custo do gás natural tira a competitividade da indústria química; a forte proteção a insumos básicos, ao mesmo tempo, reduz o espaço da manufatura. A guerra fiscal estimula artificialmente as importações. A decisão ideológica de se aliar aos países bolivarianos vem reduzindo o mercado para as indústrias e levando a uma perda de oportunidades em outros países. Finalmente, a legislação trabalhista, além de custosa e confusa, é francamente impeditiva da flexibilidade, como terceirização, tão necessária nos arranjos modernos das cadeias produtivas. Entretanto, a questão é mais séria ainda, pelo que vem ocorrendo no cenário internacional. Queria chamar a atenção de três pontos: estamos bastante fora das cadeias internacionais de suprimento, o que tira grande parte do estímulo para a inovação e a manutenção de competitividade. O caso da nossa indústria automobilística é exemplar: em 2000, o Brasil produziu 1,6 milhão de veículos, tendo exportado 22% do total. As vendas externas se dividiram entre a Itália (11%), Venezuela (9%), EUA (8%), África do Sul (6%), Chile (6%), México (28%), Argentina (18%) e 13% para outros países. Em 2012, produzimos 3,17 milhões de veículos, tendo exportado 13% do total. Ao contrário de 2000, as exportações se concentraram na Argentina (80%) e no México (10%), sendo os outros mercados irrelevantes. O País ainda não percebeu a inadequação da visão agricultura x indústria e indústria x serviços. Na verdade, modernamente, o que temos é a integração agricultura/indústria e indústria/serviços, como modelo de negócios que geram maior valor. O complexo alcoolquímico da Evonik nos EUA ou os complexos cana/combustíveis avançados/energia elétrica no Brasil são exemplos da integração agricultura/indústria. Por outro lado, muitas empresas globais vêm expandindo a área de serviços como forma de agregar valor à companhia. A Porsche Consulting é um desses exemplos: a experiência na excelência de manufatura automotiva foi posta a serviço de terceiros através da consultoria. A Schneider Electric entrou pesadamente na área de serviços de gerenciamento de energia e automação, além da produção de equipamentos. No Brasil, poucas empresas, como o Grupo Ultra, evoluíram nesta direção com muito sucesso. O terceiro ponto, de longe o mais importante, é a conformação de uma nova revolução industrial, da qual tratamos aqui há algum tempo (Uma Revolução na Indústria Global?, em 15 de abril de 2012). Novos materiais, grandes avanços na mecânica e robotização, a "personalização massificada", manufatura verde e o uso de grandes bases de informação, que alteram o valor estratégico da TI estão mudando, inclusive, a geografia industrial global. Aos interessados, sugiro a leitura do fascinante The new industrial revolution, de Peter Marsh, editor de tecnologia do Financial Times. Sugiro também Manufacturing the future, recente relatório do Mckinsey Global Institute.Estamos bastante fora de tudo isso. A tentativa de avançar via "campeões nacionais" é apenas risível.

Opinião por JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
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