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A influencer que ajuda no trabalho dos catadores

Anne Barbosa saiu da rua por meio da coleta de materiais recicláveis e hoje cria conteúdo para milhares de seguidores

Por Shagaly Ferreira
Atualização:

“Reciclamores”. É com esta palavra, que une reciclagem e amor, que a influenciadora Anne Barbosa, de 29 anos, mais conhecida como Anne Catadora, se refere aos seus 137 mil seguidores no Instagram. No perfil criado em 2020, mais de 300 postagens orientam sobre o universo da reciclagem, desde o modo mais adequado de descartar resíduos domésticos até os desafios do trabalho de catadora de material reciclável, que exerce há cinco anos. A sul-mato-grossense se intitula como sobrevivente.

Anne, com o marido, Lucas (ao fundo), diz que o trabalho nas redes ajuda a quebrar estereótipos Foto: Giovanna Lima

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Desde criança, nutria a vontade de sair de Corumbá e migrar para a capital paulista em busca de mais oportunidades. O sonho foi realizado em 2017, mas em seguida veio a frustração. Com poucos recursos e morando em um albergue, foi rejeitada nas seleções de emprego, apesar da formação em Design. “O primeiro preconceito com o qual eu tive contato aqui foi o do mercado de trabalho com as pessoas em situação de vulnerabilidade. Depois, descobri que esse preconceito está em todos os âmbitos”, conta.

Nesse período, conheceu o marido, Lucas Martins, de 24 anos, que vivia em condição semelhante. Com ele, passou a morar em situação de rua e se tornou usuária de crack. Foi Martins quem lhe ensinou o ofício da coleta de materiais recicláveis. O casal começou a trabalhar inicialmente para a manutenção do vício, até que a vinda de um bebê mudou o rumo da história. O nascimento de Mellissa Luz marcou a saída da família das drogas e das ruas, e a adoção da reciclagem como meio de sustento. 

Para coletar na região do Brás, a catadora chegou a morar na favela Zaki Narchi, em um barraco de madeira, onde começou a refletir sobre a precariedade do local, agravada com a pandemia. Foi ali que teve o incentivo de uma amiga para fazer vídeos sobre como era ser catador em meio à quarentena. “Comecei a fazer esse trabalho para orientar as pessoas não só sobre reciclagem, mas também sobre a importância de uma classe que vem fazendo um trabalho maravilhoso e até hoje ainda não é reconhecida.”

Tudo é gerenciado em dupla. O marido cuida da parte de negócios e da assessoria de imprensa, enquanto Anne fica com a criação. O conteúdo publicado é inspirado nas dúvidas deixadas pelos seguidores, em notícias relacionadas à reciclagem e também nos conteúdos dos dois cursos superiores que faz atualmente: Jornalismo e Gestão Ambiental. Com a visibilidade, marcas como O Boticário e Heineken já patrocinaram postagens da catadora. 

Apesar disso, Anne ainda tem a reciclagem como atividade principal e usa um carro de carga para fazer as coletas. Com o preço dos materiais em baixa, a renda média da família fica por volta de um salário mínimo, incompatível com as contas domésticas, como o aluguel da casa em que mora na Zona Leste de São Paulo, que custa R$ 2 mil. As parcerias pagas acabam sendo um importante complemento de renda.

“O que sustenta a gente é a coleta do material reciclável, mas, quando consigo fazer uma publicidade, faz toda a diferença. É uma quebra de paradigma dentro da rede social pela história que eu tenho”, diz. 

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Cataflix

Anne não está apenas no Instagram. Em 2020, ela foi uma das apresentadoras da série de vídeos “Cataflix”, disponível no YouTube e idealizada pela Pimp My Carroça, ONG que atua na promoção do trabalho de catadores. A temporada de estreia teve apoio da Nestlé. “Toda a equipe que participou era muito talentosa. Gostei muito de fazer isso porque, dentro do Pimp, foi um projeto totalmente diferente do que existia até o momento”, relembra.

Para Patrícia Rosa, que coordena um dos projetos da ONG, o trabalho de Anne e de outros catadores dedicados em conteúdos digitais é relevante para a conscientização da população. “Acho genial. Isso pode abrir portas para mais e mais pessoas trabalhadoras como a Anne. Quanto mais catadores e catadoras conseguirem fazer isso e atingirem o público, melhor, pois vai ajudar no tratamento diário desses profissionais que estão hoje à margem da sociedade”, avalia a gestora. 

Representatividade

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Hoje, Anne se orgulha de ter lutado por reconhecimento e por um lugar de fala no segmento da sustentabilidade, acima dos estereótipos. “Quem estava falando sobre o tema era gente branca e rica. E, de repente, surge uma pessoa que está ali suja, trabalhando na rua… A sustentabilidade tinha de ser bonita na internet, não podia ser real”, critica.

Ela considera que as dificuldades atuais são pequenas diante da satisfação em ocupar um lugar de referência que não é só dela, mas coletivo.

“A partir da minha representatividade, muitos outros catadores começaram a fazer conteúdo também em suas redes. É sobre ensinar as pessoas, sobre potencializar a voz de toda uma classe e poder mostrar que todo mundo tem valor, que todo mundo carrega o conhecimento consigo, que todo mundo tem o que dizer e precisa ser ouvido”, defende Anne.

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