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Líder de mercado na Oliver Wyman, Ana Carla Abrão trabalhou no setor financeiro a maior parte de sua vida, focada em temas relacionados a controle de riscos, crédito, spread bancário, compliance e varejo, tributação e questões tributárias.

A lanterna na proa

A independência do BC contribui, mas não resolve nosso maior problema, o fiscal

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Por Ana Carla Abrão
Atualização:

Em março de 1991, o Centro Acadêmico da Faculdade de Economia (Caeco) da Universidade de Brasília organizou um seminário para discutir o Plano Collor, que já fazia água àquela altura. Cabia a mim a organização desses debates. Em tempos de Congresso Nacional pós Assembleia Constituinte, não era difícil reunir gente de peso para discutir os assuntos nacionais. Parecia que todo mundo vivia em Brasília. Convidei o então senador Roberto Campos para participar de um dos painéis. Nesse caso, a tarefa foi mais difícil. Não fosse a ajuda do meu pai, também senador, não teria conseguido convencê-lo de que dessa vez ele não seria hostilizado. Campos ainda se ressentia do episódio em que ele e Henry Kissinger, dez anos antes, ficaram sitiados no Auditório Dois Candangos na UnB e só saíram sob escolta policial, acionada para protegê-los de estudantes raivosos.

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Mas dessa vez foi diferente. Roberto Campos dividiu a mesa com o também senador Fernando Henrique Cardoso e fez um discurso memorável para estudantes que o aplaudiram de pé. Falou sobre o Brasil, sobre a redemocratização e discorreu sobre a importância do equilíbrio fiscal e de se gerir os recursos públicos com responsabilidade. E falou também sobre o que representava a independência do Banco Central.

A inevitável associação e a forte lembrança me voltaram à mente com a indicação de Roberto Campos Neto para a presidência do Banco Central. Não é mais do que uma coincidência, mas não deixa de ser interessante isso acontecer no momento em que ganha nova força o debate sobre a independência formal do BC. Assunto que volta e meia vem à tona assim como vão e voltam assuntos não resolvidos.

O Banco Central nasceu independente em 1965, quando Roberto Campos comandava o Planejamento e Octavio Bulhões, a Fazenda. Desde Costa e Silva, que a cassou, a independência do BC foi e veio, a depender de quem presidia o País. O debate voltou com ênfase com a implantação do regime de metas de inflação em 1999, e depois novamente no governo Lula. Mas não é de se surpreender que não tenha ido adiante ali. Em vez disso, concedeu-se status de ministério à autarquia, resolvendo algum outro problema que certamente não era de autonomia. Depois retrocedemos de novo e, mais recentemente, com o sucesso de uma gestão que voltou a ser de fato independente (e muito competente) o tema voltou à pauta e hoje tem o apoio do governo que sai e também do governo que entra.

Mas estamos atrasados. Países como o México ou o Chile já têm seus BCs formalmente independentes há mais de duas décadas. Lá, assim como na maioria dos países que adotam o sistema de metas, os membros da diretoria têm mandatos fixos e suas demissões só podem acontecer com base em critérios claros. Garante-se ainda transparência nas ações para que a sociedade possa acompanhá-las e fiscalizá-las. Como resultado, colhem-se taxas médias de inflação menores e, dados os ganhos de credibilidade, juros mais baixos para conter pressões inflacionárias.

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Após ter sido a grande vilã de uma campanha eleitoral feita para desinformar em 2014, a independência do Banco Central pode se tornar agora o que sempre foi: um importante avanço institucional. Afinal, hoje sabemos, o que faz sumir a comida do prato da população brasileira é o desemprego gerado por uma política econômica equivocada e não a independência do BC. E o papel da autoridade monetária para reverter essa situação é o de garantir a estabilidade de preços, a solidez do setor financeiro e a eficiência do mercado de crédito.

Há que se lembrar, contudo, que a independência do Banco Central do Brasil contribui, mas não resolve nosso maior problema que hoje é fiscal. Ao contrário, esse avanço sozinho não durará o suficiente para que celebremos. Precisamos sim de um Banco Central formalmente independente, mas não se pode colocar sobre a política monetária – e sobre o País – o peso de um desequilíbrio fiscal que nos impede de avançar econômica e socialmente. E é por isso que o que precisamos hoje é de iluminar o futuro com o que aprendemos no passado. Como a Lanterna na Popa de Campos deverá iluminar, agora na proa, o futuro de Campos Neto quiçá à frente de um BC formalmente independente.

*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN

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