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'A Latam não precisa ganhar mercado, precisa ganhar dinheiro', diz presidente da aérea no Brasil

Depois de obter sinal verde da Justiça dos EUA para um empréstimo de US$ 2,4 bilhões, companhia foca na retomada dos voos, enquanto vê diminuir sua participação no mercado brasileiro; empresa pode demitir 1,2 mil tripulantes

Por Cristian Favaro
Atualização:

As últimas duas semanas foram tumultuadas para a Latam e, ao mesmo tempo, decisivas para o futuro da empresa. Como se não bastasse a pandemia de covid-19, que deixou em xeque a operação das áreas no mundo todo, o grupo entrou em um intenso processo de negociação para uma linha de financiamento dentro da recuperação judicial (chapter 11) nos Estados Unidos

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Entre alguns tropeços, diante de uma negativa da Justiça norte-americana em um primeiro momento, a empresa conseguiu o sinal verde para captar US$ 2,4 bilhões com credores e acionistas, via DIP - modelo de financiamento que dá preferência de pagamento a quem ajudou a empresa no momento de dificuldade.

"A gente pode voltar a focar no negócio. Antes, claramente estávamos discutindo mais financiamento do que tudo. Agora conseguimos voltar nosso foco para o crescimento, aumento de frequência e de destinos", disse o presidente da Latam no Brasil, Jerome Cadier, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast.

Em outra frente, a relação entre a empresa e o Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) voltou a azedar recentemente, após a Latam anunciar que ainda tem ociosidade de 1,2 mil tripulantes. Sem um acordo para cortar permanentemente a remuneração da categoria, Cadier disse que terá de fazer novas demissões. No fim de julho, a Latam desligou 2,7 mil tripulantes, cerca de 38% do efetivo total.

A pandemia tem prejudicado mais o setor aéreo na América Latina do que no restante do mundo, sobretudo diante das restrições severas ao tráfego aéreo impostas pelos países. Antes, os voos domésticos da Latam Brasil respondiam por 35% da Latam como um todo. Contando com os voos internacionais do Brasil, o braço no País representava 50% do grupo Latam. Hoje, apenas o mercado doméstico do Brasil responde por 70% da Latam no mundo. Confira os principais trechos da entrevista.

O presidente da Latam no Brasil, Jerome Cadier. Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 16/10/2019

O que representa a aprovação do DIP para o grupo?

Sempre falamos que essa crise teria duas fases. A primeira é o desafio de liquidez, de caixa. As vendas despencaram e não é possível ajustar custos na mesma velocidade. Para nós, a decisão do juiz (dos EUA, que liberou o empréstimo de US$ 2,4 bilhões) na semana passada foi o final da primeira fase. Continuamos olhando o caixa, sim, mas tudo que a gente fez nos últimos cinco meses foi em função da liquidez, inclusive a decisão de entrar em recuperação judicial (RJ). Das empresas que estão em RJ, a Latam é a primeira a conseguir se resolver.

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Há alguma barreira para entrada do dinheiro?

O que temos agora são questões burocráticas, que devem ser resolvidas nos próximos dias. Agora a gente vai entrar no segundo desafio, que é a retomada. Entramos na segunda fase com uma boa demanda e o mercado doméstico tem se recuperado. A gente pode voltar a focar no negócio. Antes, claramente estávamos discutindo mais financiamento do que tudo. Uma coisa que vamos voltar a conversar daqui um mês é a pauta de tecnologia, investimento que a Latam não cortou. Vamos lançar no Brasil, provavelmente no mês de novembro, um novo site que vai mostrar ainda mais nossa força.

Como fica a Latam Brasil nesse financiamento? Há estimativa de quanto vem para cá?

Não. Tudo depende das negociações com os tripulantes. Se ela for bem sucedida, a gente consegue garantir que mais recursos venham para o Brasil. De qualquer forma, os recursos não vão ser puxados de uma vez. Ele vai entrar no caixa do grupo nos próximos quatro ou cinco meses.

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Por que essa negociação com os tripulantes é tão importante?

Ela é decisiva para a definição do tamanho da Latam Brasil. Uma negociação positiva pode fazer a gente crescer mais rápido e se recuperar mais rápido. Sem acordo, a gente começou a utilizar alternativas. Retomamos os voos para Nova York, mas estamos voando com tripulação chilena, porque a Latam Chile conseguiu fechar um acordo e alcançamos com eles um custo de operação melhor.

De um lado, vocês demonstram que não vão aceitar um desfecho sem redução de salário. O Sindicato Nacional dos Aeronautas sinalizou que não vai aceitar redução de salário. É possível encontrar um meio termo nesse cenário?

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Eu acho que sim. A gente disse que, se não chegássemos a um acordo, isso implicaria em uma redução da capacidade total de tripulantes. Acharam que não estávamos sendo transparentes. Os lados vão entender o que acontece. Em julho (quando saiu o primeiro resultado, com a categoria negando) estávamos com uma recuperação doméstica e internacional quase parecida. Hoje, o internacional está muito mais fraco. A recuperação completa vai ser lenta. Até agora, não conseguimos sentar e negociar e é isso que a gente espera nas próximas semanas. Queremos encontrar um modelo que faça sentido e estamos abertos a mudar a proposta em função das carreiras.

Diante de uma negativa, a empresa pretende demitir o excedente (1,2 mil tripulantes)?

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A resposta é sim. Mas acredito que tem formas de evitar esse corte. Podemos negociar e não chegar a um acordo, mas é importante negociar.

Dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) de agosto mostram que a Latam perdeu participação do mercado. A Azul se aproximou da Gol e agora cada uma tem 35%. A Latam figurou com 28,2%. Em janeiro, a Gol tinha 36,9%, Latam 35,2% e Azul 27,2%. O senhor já havia dito que a Latam ficará menor. Esse é o tamanho da Latam daqui em diante?

A gente tem de tomar cuidado ao tirar conclusões em cima de market share (participação de mercado) quando o volume total da indústria está 70% menor. É ter uma conclusão equivocada. Hoje, pago meus aviões por hora voada (por causa da negociação no chapter 11). Logo, sou mais seletivo do que Azul e Gol. O que aconteceu e talvez continue acontecendo é que a Latam está muito mais seletiva. Eu já estou em RJ, não preciso mostrar para o mercado que estou voando bastante. Eu não preciso ganhar mercado, preciso ganhar dinheiro. Mas, no futuro, eu não vou brigar por market share.

Como fica o empréstimo com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) agora que o recurso nos EUA saiu?

Mantemos conversas com o BNDES. Com o financiamento que saiu, eu preciso do BNDES para o DIP? A resposta é não. Os US$ 2,4 bilhões são suficientes para o plano que a gente tem de recuperação. Mas temos incertezas, podemos ter uma segunda onda (de covid-19).

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Há espaço para o banco ainda compor o financiamento?

A discussão com o BNDES continua para ele entrar no DIP, que é a forma de uma empresa em RJ capturar recursos. Tendo em vista o que saiu para as outras empresas, entraria no máximo US$ 400 milhões, levando o DIP para US$ 2,8 bilhões. O modelo que o BNDES gostaria de aplicar no caso da Latam precisa de alterações. Por isso, ele não conseguiu colocarna mesa algo tão competitivo quanto o DIP e não faz sentido apresentar algo pior do que já estamos captando.

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