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A má herança fiscal de Lula

Por Mailson da Nóbrega
Atualização:

Dias antes de deixar o Ipea, afastado, juntamente com outros colegas, pelos desenvolvimentistas (ou intolerantistas?) que passaram a dirigir o instituto, Fabio Giambiagi escreveu um excelente artigo sobre a política fiscal ("Dezessete anos de política fiscal no Brasil: 1991-2007" - texto para discussão nº 1.309, disponível em www.ipea.gov.br). É um bom guia para entender por que a situação fiscal se agravou, com piora do endividamento público, da rigidez orçamentária e do sistema tributário. A origem está no distributivismo inconseqüente da Constituição e nos aumentos reais do salário mínimo das eras FHC e Lula. Daí por que passamos a crescer menos. Os gastos previdenciários não pararam de aumentar, apesar da realização de três reformas. As despesas com inativos da União mais do que dobraram como proporção do PIB (de 0,91% para 1,95%), mas a expansão foi muito mais rápida nos gastos do INSS (de 3,36% para 7,23%). Nessas áreas, as despesas correntes cresceram cerca de 5% do PIB, mais de cinco vezes o valor médio anual dos investimentos no período. As principais causas desse desastre foram a benevolência da legislação e os aumentos do mínimo, o qual influencia 35% das despesas do INSS (o mínimo constitui piso para dois de cada três benefícios). Dadas as regras de reajuste para 2008, seu valor real terá crescido 111% desde 1991, sendo 42% nos oito anos de FHC e 55% apenas nos cinco anos de Lula. Nada parecido aconteceu em nenhum outro País. Do lado institucional, Giambiagi mostra que o Brasil melhorou muito, graças às mudanças introduzidas a partir da segunda metade dos anos 1980, particularmente o fim da "conta de movimento" do Banco do Brasil, a privatização de empresas estatais, a venda de bancos estaduais, a renegociação das dívidas dos Estados e municípios, a adoção do sistema de metas de superávit primário e a estabilização da economia (Plano Real). O superávit primário do setor público, que era de 2,71% do PIB em 1991, virou déficit de 0,92% do PIB em 1997. Depois do susto das crises da Ásia e da Rússia, voltou ao positivo. Atingirá 3,95% do PIB em 2007. No caso da União, não computadas as estatais, o resultado passou de virtual equilíbrio em 1997 para superávit de 2,20% do PIB em 2007. Mesmo assim, as despesas primárias do Tesouro cresceram 5,11% do PIB, evidenciando que o esforço não decorreu de contenção de gastos, mas sim da expansão da carga tributária, que permitiu a elevação das despesas correntes. No âmbito do governo central, as conclusões mais importantes são: 1) o gasto primário cresceu em termos reais acima do crescimento da economia em todos os períodos de governo abrangidos pelo estudo; 2) na média dos 16 anos, todas as categorias de gasto cresceram em termos reais acima do PIB; 3) a despesa que mais cresceu foi a dos benefícios do INSS. O estudo permite concluir que a situação piorou no governo Lula. As despesas do INSS, impulsionadas pelos aumentos expressivos do salário mínimo, aumentaram 1,27% do PIB. As despesas primárias totais cresceram 2,27% do PIB. Em nenhum momento dos períodos estudados houve tamanha expansão. Mais grave ainda, o aumento decorreu essencialmente de itens de difícil reversão no futuro, isto é, INSS, pessoal e programas sociais. Já os investimentos ficaram praticamente estagnados como proporção do PIB, mesmo com o PAC. Nos últimos cinco anos, os bons ventos da economia acarretaram elevação dos lucros e formalização de empresas. Por isso, a arrecadação aumentou mais rapidamente do que o PIB. A folga poderia ter sido utilizada na maior parte para aumentar os investimentos ou reduzir a carga tributária, mas serviu para elevar os gastos correntes de natureza permanente. A elevação desses gastos reduziu a pobreza e as desigualdades, mas a parte que se expandiu por causa do salário mínimo dificultará a gestão fiscal, o que pode no futuro inibir o crescimento e a melhoria do bem-estar. A margem de manobra orçamentária efetiva caiu para menos de 4% da receita. Por aí se pode entender por que a CPMF, que gera 6% da receita, tornou-se indispensável. A piora fiscal tornará mais difícil a vida dos sucessores de Lula. Se a famigerada CPMF não for prorrogada, crescerá o risco de deterioração dos indicadores de endividamento público, agravando ainda mais essa verdadeira herança maldita. *Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada. E-mail: mnobrega@tendencias.com.br

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