Está na hora de os movimentos sociais repensarem seu marketing. Levar multidões às ruas não basta: é preciso propostas originais, ideias que seduzam as pessoas e que sejam capazes de para mantê-las mobilizadas por um longo período. "Busco a inovação no ativismo", diz Micah White, ex-editor da Adbusters, a revista canadense anticonsumo criadora do movimento Occupy Wall Street, que levou milhões a protestarem no distrito financeiro de Nova York. Único americano entre os mentores do movimento, White foi eleito pela revista Esquire, em 2014, uma das figuras mais influentes com menos de 35 anos (ele nasceu em 1982), ao lado de Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, e da cantora Beyoncé. Agora, White comanda a Boutique Activist Consultancy, que orienta movimentos sociais. A convite da nova agência Gume, White fará uma palestra nesta terça-feira, em São Paulo. Na semana passada, ele falou ao Estado da "mudança de paradigma" necessária para que os protestos ao redor do mundo tenham mais eficácia. O ativista diz que, grande como foi, o Occupy Wall Street não passou de um "fracasso construtivo".O problema dos protestos é a falta de demandas claras? Acho que, mesmo com demandas específicas, os protestos não são eficientes. Vimos protestos contra a guerra (do Iraque) em 2003 ao redor do mundo. Não adiantou nada: a guerra aconteceu. O desafio principal parece ser o fato de que o protesto não é eficiente. As táticas atuais não funcionam.
Você ajudou a criar o movimento Occupy Wall Street, que também não chegou ao objetivo. O que a experiência ensinou? Considero o Occupy Wall Street um fracasso construtivo. A ideia era levar pessoas de todas as classes sociais às ruas de forma não violenta com a meta de acabar com o financiamento de campanhas políticas por corporações e usando o discurso dos 99% (pobres) contra o 1% (muito rico). Acreditávamos que poderíamos trazer uma mudança com isso, mas não conseguimos.Como você se envolveu em campanhas e protestos? Sou ativista desde os 14 anos. Tive sucesso razoável em provocar eventos para vê-los falhar em seguida. Acho que, após o Occupy Wall Street, ficou claro para mim que levar 1 milhão de pessoas às ruas não vai trazer mudança por si só.Agora você tem uma butique que ajuda a organizar protestos. Como é esse trabalho? O primeiro objetivo é trazer inovação para a maneira de se pensar em ativismo. Temos visto cada vez mais protestos, toda hora recordes são batidos. Na Índia, chegou-se a ter protestos com 100 milhões de pessoas. Os ingredientes para o levante social estão disponíveis, mas é preciso encontrar uma nova abordagem. É nisso que o meu negócio se concentra.Há alguma indicação de quais são os caminhos a seguir? Hoje, o pensamento dominante é que a revolução é causada por uma ação. Entendo agora que o ativismo é uma emoção contagiante. Tanto na Primavera Árabe quanto no Occupy Wall Street, as pessoas perderam o medo e foram às ruas. Acho que não é só o discurso, mas também a emoção que se transmite. E penso que isso também está relacionado a eventos que não podem ser controlados. Um movimento de prevenção a terremotos em cidades suscetíveis a eles pode se fortalecer caso um grande terremoto ocorra às vésperas da posse de um novo presidente, por exemplo.Mas há um histórico de sucesso em movimentos sociais. Diferencio progresso social de revolução social. Com o Occupy Wall Street, queríamos fazer uma revolução, tornar ilegal a prática de empresas doarem ilimitadas quantidades de dinheiro a campanhas políticas, mas isso não ocorreu. Algumas pessoas diriam que o Occupy Wall Street foi um sucesso porque criou o debate, mas o fato é que só teria sido um êxito se tivesse conseguido mudar a lei, sua meta final. Estou particularmente interessado em movimentos com metas concretas.O Brasil viveu duas ondas de protestos, em 2013 e 2015. No entanto, a desmobilização das pessoas foi tão rápida quanto sua mobilização. Isso é comum? Este é o grande desafio. Hoje, é possível trazer as pessoas para as ruas em 24 horas, mas esse ânimo inicial desaparece logo. Isso é porque, no fim das contas, o ativismo não está funcionando. De repente, aquele momento em que todo mundo acredita se dissipa. E então todo mundo passa a esperar o próximo momento de acreditar de novo na mudança. Enquanto isso, as pessoas ficam em casa. Acho que hoje os movimentos sociais só pedem para as pessoas irem às ruas. Essa demanda tem de ser maior: é preciso conclamar gente para formar um partido, ganhar eleições, administrar uma cidade, abrir um negócio... Se a exigência envolver um comportamento mais complexo, talvez os benefícios se tornem mais permanentes.Em 2013, um aumento de R$ 0,20 na tarifa do metrô de São Paulo motivou protestos que depois se tornaram muito mais abrangentes. Um grande protesto pode ser iniciado a partir de uma questão trivial? Acho que as pessoas estão ávidas por mudanças. E as revoluções podem ser iniciadas a partir de uma questão pequena. Na verdade, acaba sendo quase sempre assim: as pessoas precisam de um 'gatilho'. Mas é sempre um anseio maior que está por trás dos movimentos. E é preciso tomar cuidado com o governo que, de forma geral, é muito eficaz em se apropriar das demandas da população para tentar dissipar a mobilização. Nos Estados Unidos é assim também. Após os protestos contra a brutalidade da polícia, decidiram vigiar a polícia com câmeras. Esse não é o ponto. A meta é fazer com que a polícia não se ache no direito de matar as pessoas.Qual é sua visão sobre o ativismo de internet? A ideia de que clicar em um link traz alguma mudança é uma ilusão. Não muda nada. Mas há toda uma indústria que lucra a partir dessa noção, como a Avaaz e outras grandes organizações. Ao mesmo tempo, é fácil criticar os protestos online, mas a verdade é que o protesto real também não está funcionando. Então, no fim das contas, ninguém sabe muito o que fazer para trazer eficiência aos movimentos.Existe também uma fadiga do discurso repetitivo de certos grupos de ativistas? Sim. À medida que certas táticas são repetidas ao infinito, fica cansativo. Depois de Occupy Wall Street, a ideia de fazer algo na mesma linha é deprimente para mim. Eu acreditei, a princípio, que iria funcionar. E não vejo motivo para repetir estratégia que fracassou. Há um falso positivismo na indústria do ativismo. Temos tanto medo de sermos críticos que acabamos conformados com fracassos em série. Veja o Greenpeace. Eles gostam de se vender como um sucesso. São o maior grupo de ativismo do mundo, mas o que eles podem mostrar em termos de progresso (em relação à degradação do meio ambiente)? Não proponho desistir, mas sim repensar o papel do ativismo.A ideia de um protesto tem de ter um aspecto de marketing ou contar uma história, como no caso da menina paquistanesa Malala, que acabou ganhando o Prêmio Nobel da Paz? O ativismo tem de ser ousado. A melhor ideia é aquela que te deixa com medo. É aí que a maioria dos ativistas falha. Eles vêm com essas ideias velhas e seguras pensando que vão ser atraentes para mais pessoas. Malala, por exemplo, foi quase morta, é uma figura ousada. O mesmo acontecia com Occupy Wall Street. É perigoso dormir em público no distrito financeiro, as pessoas tinham medo disso. É a partir dessa ousadia inicial que nasce a coragem coletiva. O Occupy Wall Street teve de ser inventado por uma revista canadense. Eu era o único americano lá, porque as organizações dos Estados Unidos são avessas ao risco, só se preocupam com suas obrigações legais.O que você espera de sua visita ao Brasil? O Occupy Wall Street pegou ideias do Egito e da Espanha e as combinou para a realidade americana. E isso é parte da inovação no ativismo. A próxima grande ideia para um movimento social pode vir do Brasil. Vocês estão vivenciando todos esses grandes protestos. Embora eles não estejam exatamente trazendo grandes mudanças, algo novo e excitante pode surgir deles.