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Economia e outras histórias

A meta entra na roda

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Por José Paulo Kupfer
Atualização:

Deve-se à campanha de Marina Silva a iniciativa de lançar ao debate a maior parte dos temas econômicos da presente eleição geral. Seus concorrentes diretos, a presidente Dilma Rousseff e o senador peessedebista Aécio Neves, ambos sem programas estruturados para chamar de seu, têm se limitado a reagir aos pontos levantados pela candidata do PSB. As polêmicas geradas têm sido úteis para revelar um pouco melhor o que cada um, se eleito, defende e pretende executar.Mesmo na barafunda das trocas de farpas e das respostas mais agressivas, é possível localizar linhas de pensamento com pelo menos alguma coerência. Na questão da independência do Banco Central - tema surpreendente para uma campanha eleitoral -, por exemplo, ficamos sabendo que Dilma encara a ideia como absolutamente extemporânea. A presidente, candidata à reeleição, considera essa proposta uma tentativa de transformar a instituição responsável pela regulação do setor financeiro e cumpridora do mandato de controlar a inflação em um novo Poder republicano, o que, se fosse verdade, desequilibraria, de fato, a atual relação entre os três Poderes definidos na Constituição. Tudo indica que é um exagero, mas, pelo menos, agora não há mais nenhuma dúvida do que separa Dilma e Marina - Aécio ainda não se definiu sobre a questão - nesse quesito.Na esteira da questão da independência do BC, outro tema a ele vinculado começou a entrar na roda, novamente trazido ao debate pela equipe de Marina: o nível em que deve ficar o centro da meta de inflação e a amplitude do intervalo de acomodação em torno do centro. Em reunião com convidados do Banco of America Merrill Lynch (BofA), em São Paulo, Alexandre Rands, economista da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e um dos porta-vozes de Marina na área econômica, sugeriu elevar o centro da meta de inflação, hoje em 4,5% ao ano, para 2015, reduzindo ao mesmo tempo o intervalo aceito pelo sistema, atualmente de 2 pontos para cima ou para baixo.Rands foi desautorizado pela própria Marina, que reafirmou seu compromisso com o centro da meta em 4,5%. A manobra, de todo modo, não seria uma novidade - a novidade foi a sugestão de mudar a meta com a inflação ainda dentro do intervalo permitido. Em 2002, quando a meta do ano, reduzida para 3,5%, foi largamente superada por uma inflação de 12,5%, o novo governo Lula, ainda em janeiro de 2003, alterou o nível para 8,5% no ano e para 5,5%, em 2004.Em 15 anos de aplicação no Brasil, o sistema de metas até que funcionou. Prova disso é que, embora só tenha sido alcançado em quatro ocasiões, o centro da meta recuou de 8,5% para 4,5% ao ano, com banda de 2 pontos. Também só estourou o teto do intervalo da meta em três momentos e se manteve acima do centro, mas abaixo do teto, nos demais oito anos. Não é, porém, infalível nem deveria ser impermeável a adaptações e melhorias.Nascido da falência do regime de metas monetárias, entre os anos 70 e 80, caracterizado pelo controle da oferta de moeda e implodido a partir da crise dos petrodólares, o regime de metas de inflação entrou na moda, no início dos anos 90, em conjunto com o conceito de banco central independente. Sua matriz teórica, desenvolvida pelo economista Milton Friedman, é a mesma do sistema anterior, segundo a qual, no longo prazo, a política monetária não afeta a economia real, pois esta tende a uma taxa "natural" de desemprego. A atual crise econômica global, no entanto, provocou fissuras no prestígio do sistema de metas de inflação. Ficou claro que, quando a inflação se mostra muita baixa, ele não consegue evitar a formação de bolhas de ativos, que podem levar a colapsos econômicos de amplo impacto. A verdade é que, enquanto aqui o regime de metas de inflação, para muitos, ainda é um dogma, lá fora novas adaptações já estão em gestação.

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