07 de maio de 2022 | 08h00
A guerra na Ucrânia e a operação de compra do Twitter pelo multibilionário Elon Musk, por US$ 44 bilhões, colocaram holofotes numa prática menos falada, mas cada vez mais intensiva, que é o uso da moeda como instrumento de poder.
Os manuais de Economia Política atribuem três funções clássicas à moeda. Ela é meio de troca, porque pode ser usada como pagamento de bens, serviços e direitos. É unidade de conta, porque é por meio dela que se mede o valor de qualquer coisa: mil dólares, mil euros, mil reais. E é, também, reserva de valor, porque é bem patrimonial que pode ser guardado para uso futuro.
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Qualquer um sabe que aquele que possui mais dinheiro também pode mais: tempo é dinheiro, dinheiro é poder.
Mas isso não se limita a graus variados de riqueza. Os emissores de moeda, especialmente os das mais confiáveis, também têm condições de usá-la para o exercício do poder político. Este já é fenômeno fartamente estudado pelos teóricos da Economia, mas nem sempre notado na experiência.
Nesta guerra, os governos do bloco ocidental proibiram empresas e bancos russos e o próprio governo russo de transacionar em moedas fortes. Essa proibição foi acompanhada por bloqueios financeiros denominados nessas moedas, como depósitos, aplicações, patrimônio e valores diversos. Essas moedas passaram a funcionar como arma destinada a enfraquecer economicamente a Rússia. O presidente Putin revidou exigindo pagamentos em rublos nos seus fornecimentos de petróleo, gás natural e cereais. Assim, também usou sua moeda para produzir impacto geopolítico.
A História registra inúmeros casos de bloqueios comerciais de utilização de moedas no exercício da força por potências de toda a envergadura, mas, aparentemente, nunca em tão grandes proporções, como agora.
Há alguns anos, por exemplo, analistas consideravam a hipótese de que o governo da China pudesse usar seus trilhões de dólares em reservas internacionais lastreadas em títulos do Tesouro dos Estados Unidos para derrubar o valor do dólar e também enfraquecer a capacidade de endividamento do governo norte-americano. Mas isso não passou das conjecturas.
Governantes, chefes de Estado e autoridades dos bancos centrais vêm manifestando preocupação de que as emissões de moedas digitais privadas (criptomoedas) cheguem a tais proporções que acabem por solapar a capacidade dos países líderes de utilizar sua moeda, não só na execução de sua política de juros (política monetária), como, também, no exercício do poder dentro do próprio país e no exterior. Por isso, estudam um jeito de controlá-las. Até agora não obtiveram avanços.
Enfim, estamos diante da utilização intensiva da moeda como instrumento de geopolítica, situação que exige melhor compreensão sobre sua natureza e suas consequências.
*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA
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