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A moral ambígua do Vale do Silício

O rico setor da tecnologia quer salvar o mundo, mas ignora os pobres ao lado

Por NICK BILTON
Atualização:
Equipe faz limpeza na área de San José, Califórnia, conhecida como 'Selva', onde viviam 350 sem-teto Foto: Jim Wilson/NYT

Quando morei no Vale do Silício, fiquei impressionado não apenas com a disparidade da renda na região, mas também com o fato de os ricos funcionários das empresas de tecnologia não se compadecerem da situação dos pobres.

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Ouvi inclusive alguns se queixarem dos sem-teto em termos degradantes - nos cafés, nos bares e nos parques. Às vezes, externavam sua repulsa online. Um exemplo notório é o de Greg Gopman, que, em 2013, era diretor executivo da AngelHack, startup de criadores de códigos. Ele se queixou no Facebook: "Não consigo entender por que o centro da nossa cidade precisa ser tomado por loucos, sem teto, traficantes, marginais e outros lixos". Mais tarde ele deletou o comentário. Esta afirmação não condiz com o slogan da cidade: "Estamos tornando o mundo um lugar melhor".

No Vale do Silício, os sem-teto estão por toda parte em razão também da proximidade do "Jungle" (a Selva), um acampamento em San José, onde 350 sem-teto moravam em barracos até que foi fechada ano passado após pressões dos vizinhos e do Departamento de Águas.

A moral ambígua do Vale manifesta-se também nas coisas bizarras e frívolas que alguns executivos procuram: um Uber para jatinhos, uma rede social para 1% da população, e um aplicativo para encontros com mulheres exclusivo para homens ricos.

Evidentemente, cada cidade tem seus problemas com os sem-teto, mas o Vale do Silício supostamente deveria ser diferente, tornar o mundo melhor...

Paul K. Piff, professor de psicologia e comportamento social da Universidade da Califórnia, acredita que todo o dinheiro que o Vale gera pode fazer com que alguns executivos não tomem conhecimento do problema. Ele realizou várias experiências que mostraram que quando as pessoas têm acesso ao dinheiro, sua empatia para com os menos afortunados desaparece, e, ao mesmo tempo, aumenta sua atitude de defesa dos próprios direitos e interesses pessoais.

"Não que o dinheiro torne as pessoas más, mas mais preocupadas consigo mesmas", disse.

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Em um dos estudos, o professor manipulou um jogo do Monopólio entre duas pessoas para que um participante ganhasse. Logo, a pessoa que começou a ganhar, passou a mostrar atitudes mesquinhas em relação à que perdia.

Outros pesquisadores constataram que o simples fato de pensar em dinheiro pode ter um efeito semelhante. Kathleen D. Vohs, professora de marketing da Carlson School of Management da Universidade de Minnesota, conduziu uma experiência na qual dois grupos sentavam na frente da tela de proteção de um computador. Um grupo viu peixes nadando no desenho da tela; o outro, viu dinheiro.

Embora as experiências de Vohs e Piff sejam em geral pesquisas de laboratório e possam se aplicar a qualquer pessoa que tenha dinheiro, elas ilustram a postura normal de muitos funcionários da área de tecnologia.

Sushi de graça.

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O Vale do Silício foi considerado a maior "fonte de riqueza da história". Um estudo realizado em 2014 mostrou que o salário médio de um trabalhador desta área, no Condado de San Mateo, onde fica Palo Alto Leste e Menlo Park, é de US$ 291.497 ao ano.

Além disso, os que não chegam a ser super ricos frequentemente levam uma vida como se o fossem. Os funcionários de grandes companhias de tecnologia andam em ônibus gratuitos de primeira classe, e trabalham em lugares repletos de regalias como massagens, aulas de ioga e sushis gratuitos.

Isso não quer dizer que não há no Vale quem se condoa com os outros. Muitos fazem trabalho voluntário (sem alardear suas boas ações no Facebook). Gopman, que comparou os sem-teto a lixo, tornou-se um defensor das pessoas necessitadas. Recentemente, montou um empreendimento sem fins lucrativos para aliviar a crise da falta de moradia em São Francisco.

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Executivos famosos participam da iniciativa. Marc Benioff, diretor executivo da Salesforce, procura convencer seus colegas a adotarem um modelo de doações parceladas, ao contrário das que são feitas no final, depois da aposentadoria. "Atualmente, os empregados de várias startups com as quais eu trabalho têm mostrado uma enorme fome e disposição de fazer alguma coisa - de retribuir - mas não têm ideia do que poderiam fazer", afirmou James Higa, ex-executivo da Apple e atualmente diretor executivo da Philanthropic Ventures Foundation, um empreendimento sem fins lucrativos da Bay Area.

/ TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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