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A nova década perdida

Na década de 70 do século passado, o Brasil cresceu à taxa média anual de 6,9%, ou seja, o Produto Interno Bruto (PIB) quase dobrou em dez anos! De 1980 a 1983, o País mergulhou em profundo ciclo de retração, que provocou queda de 13% do PIB percapita. Mesmo com a moderada recuperação nos anos seguintes, em 1989 o PIB per capita era igual ao de 1979. Daí o apelido de década perdida para os anos 80. A inflação galopante que se seguiu, só debelada com o Plano Real, em 1994, foi mera continuidade da mesma crise.  A década perdida não ocorreu por acaso. Foi gerada durante o "milagre econômico" dos anos 70, por deterioração da economia mundial, duas crises do petróleo, forte piora dos termos de troca (preços das exportações em relação aos preços das importações), cessação do financiamento externo e, principalmente, enormes equívocos na condução da política econômica. O governo militar da época insistiu em manter o modelo de substituição de importações e outras políticas expansionistas financiadas com dívida externa, embora a piora do quadro mundial tornava evidente a necessidade de austeridade. Quando o crédito externo secou, deflagrou-se a crise, que levou mais de 20 anos para ser totalmente superada. É assustador constatar que, guardadas as devidas proporções, a atual recessão brasileira tem muitas semelhanças com a dos anos 80 e por isso tende a ser também muito difícil de ser revertida. A mais importante dessas semelhanças é que em ambos os casos ocorreu cessação da fonte de financiamento do crescimento: antes, os recursos externos; agora, os recursos públicos. A atual crise fiscal do País pôs fim abrupto ao crescimento induzido por recursos governamentais. O setor público, em todos os seus níveis, não tem capacidade para realizar investimentos, e não há espaço para incentivos na forma de subsídios, subvenções e desonerações. Pelo contrário, tais renúncias de receitas precisam ser rapidamente revertidas. Também não é realista supor que o setor privado já esteja disposto a assumir o papel de financiador do crescimento, dadas as enormes incertezas macroeconômicas ainda presentes. Antes disso, o governo precisará mostrar que tem capacidade política para promover as reformas necessárias, principalmente as relativas ao ajuste das contas públicas. As semelhanças entre as duas crises não se restringem à questão do financiamento do crescimento. Em ambas ocorreu expressiva deterioração dos termos de troca e a política econômica, rotulando-se desenvolvimentista, tinha viés nacionalista e protecionista. Nos dois casos foram criadas as campeãs nacionais, antes as grandes estatais, agora os grupos privados selecionados pelos burocratas de plantão. Tanto na década de 80 como agora o governo tentou assumir o papel de protagonista do crescimento e com isso arrebentou as finanças públicas e elevou a inflação. Tais similitudes não são mera coincidência. Ações desse tipo são comuns em governos autoritários e/ou populistas. Quando o governo Temer assumiu, julgava-se que a melhora das expectativas desencadearia o círculo virtuoso do crescimento. Não tem sido assim. A economia segue em forte recessão, e é difícil de prever quando esse processo será revertido. O déficit primário continua gigantesco e as incertezas políticas voltaram a crescer. Além disso, sabe-se que, após a aprovação da PEC do Teto de Gastos, o ajuste fiscal precisa entrar em questões muito mais difíceis de prosperar no Legislativo, como a reforma da Previdência e a reversão das desonerações. Os agentes econômicos já perceberam a gravidade da situação e os índices de expectativa voltaram a piorar, como mostraram as últimas pesquisas.  Infelizmente, é de fato possível que o País esteja apenas no início de mais uma década perdida. 

Por Claudio Adilson Gonçalez
Atualização:

*Economista, diretor-presidente da MCM Consultores, foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda

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