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A OMC na nova política comercial brasileira

Engajar-se em negociações bilaterais não deve se dar à custa do desengajamento na organização

Por Pedro Da Motta Veiga e Sandra Polónia Rios
Atualização:

A campanha eleitoral do presidente Bolsonaro propunha a abertura comercial pela via da redução das tarifas de importação e das barreiras não tarifárias em paralelo com a negociação de acordos bilaterais. Em Davos, o presidente reconheceu que “o Brasil é uma economia relativamente fechada ao comércio internacional e que mudar essa condição é um dos maiores compromissos deste governo”. Afirmou, também, que “buscaremos integrar o Brasil ao mundo por meio de uma defesa ativa da reforma da OMC (...)”.

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Embora o governo ainda não tenha apresentado nenhuma proposta concreta de reforma da política comercial, pode-se legitimamente esperar que seja divulgado, nos próximos meses, um programa de liberalização comercial unilateral. A adoção de uma política de abertura comercial, pela primeira vez desde a liberalização do início dos anos 90, exigirá a reorientação da estratégia de negociações comerciais do País.

O Brasil adotou historicamente posturas defensivas nas negociações comerciais preferenciais (acordos bilaterais), mas também na OMC – instância desde sempre privilegiada pela estratégia brasileira –, onde o País optou por um “multilateralismo defensivo”. Uma guinada liberalizante na política comercial brasileira exige a reorientação da estratégia de negociações comerciais. Quais deveriam ser os vetores desta “adaptação liberal” para um país com as características estruturais do Brasil – uma potência média regional, com parceiros comerciais e de investimentos diversificados geográfica e setorialmente e com vantagens comparativas concentradas em produtos intensivos em recursos naturais?

Não há dúvidas de que a “adaptação liberal” da estratégia brasileira de negociações comerciais passa pela ênfase em acordos preferenciais – de cuja rede mundial a estratégia protecionista nos deixou isolado. Mas é também inquestionável que, para um país com as características do Brasil, o engajamento em negociações bilaterais com países relevantes não deve – nem necessita – se dar à custa do desengajamento na OMC.

A relevância do multilateralismo comercial para o Brasil não decorre de opções políticas, mas das características estruturais e da posição do País na economia internacional, bem como dos recursos de poder de que o País dispõe nesta dimensão.

A característica estrutural está relacionada à distribuição setorial da produção e do comércio no Brasil: a relevância dos produtos agrícolas na pauta de exportações brasileiras. Se é possível buscar a redução ou eliminação de tarifas e quotas que incidem sobre produtos agrícolas em acordos bilaterais, a negociação de subsídios agrícolas, principalmente os relacionados a medidas de apoio interno, tem a OMC como único foro disponível.

A segunda característica refere-se ao fato de o Brasil ser um pequeno ator global. O País tem exportações e importações diversificadas em termos geográficos, mas tem pequena participação no comércio internacional, ocupando a 26.ª posição no ranking das exportações mundiais e a 29.ª no das importações.

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Mais além dos fatores estruturais que avalizam a concessão de prioridade a um “multilateralismo ofensivo”, há ainda dois fatores circunstanciais que reforçam a relevância da OMC para o Brasil. Em primeiro lugar, a consolidação de um mundo multipolar ocorre hoje num cenário de conflitos econômicos e geopolíticos com crescente fragmentação da economia mundial, com consequências nefastas para um país como o Brasil. Em segundo lugar, a OMC é certamente a instância mais adequada para lidar com os desafios gerados pela consolidação da China como potência global.

Numa trajetória de liberalização da economia brasileira, o engajamento do Brasil na reforma da OMC deve ser orientado pelo objetivo de reforçar o regime multilateral de comércio, defendendo a extensão de sua agenda e a adoção de regras que preservem a competição internacional equilibrada, e não distorcida por subsídios governamentais.

*SÃO DIRETORES DO CENTRO DE ESTUDOS DE INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO (CINDES)

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