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A pandemia mostrou que a inflação é um fenômeno fiscal?

Uma década de flexibilização quantitativa não causou muita inflação, mas o estímulo fiscal fez com que ela disparasse

Por The Economist
Atualização:

Aqui está um resumo da história da política econômica e da inflação recentes. Nos anos 2010, os bancos centrais jogaram grandes quantias de dinheiro por meio de seus esquemas de flexibilização quantitativa, enquanto os governos decretavam austeridade fiscal. A inflação no mundo rico era, em grande parte, baixa demais, não alcançando as metas dos bancos centrais.

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Então, surgiu a pandemia. Houve mais flexibilização quantitativa. Mas a política econômica verdadeiramente nova foram os US$ 10,8 trilhões em estímulos fiscais implementados pelo mundo todo, o equivalente a 10% do PIB global. O resultado foi uma alta inflação. O país rico que mais esbanjou, os Estados Unidos, teve mais inflação. Com os preços ao consumidor subindo a um ritmo anual de 6,8%, o Federal Reserve (Fed) foi obrigado a reconhecer que a inflação tinha se tornado uma grande ameaça.

À primeira vista, essa aparente supremacia da política fiscal é estranha para os fãs da visão de Milton Friedman de que a inflação é “sempre e em toda parte um fenômeno monetário”. Os bancos centrais, e não os governos, são responsáveis por atingir as metas de inflação. Mas a experiência da pandemia mostra que a inflação é realmente fiscal?

Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos; autoridades têm se preocupado cada vez mais com o risco da inflação Foto: Stefani Reynolds/ The New York Times

Uma maneira pela qual o estímulo fiscal aumenta a inflação é fortalecendo os balanços das famílias e das empresas, fazendo com que elas se tornem mais propensas a gastar. Suponhamos que o governo levante dinheiro de investidores, que recebem títulos em troca. Em seguida, o governo distribui o dinheiro às famílias, fazendo com que ele volte a circular.

No fim, é como se o governo tivesse apenas dado novos títulos. Se esses títulos realmente constituem uma nova riqueza para o setor privado, é o tema de um velho debate teórico. Quando o governo acumula dívidas, a sociedade também poderia esperar pagar impostos mais altos no futuro - um compromisso que compensa seus ativos recém-criados. Porém, na realidade, está claro que o estímulo fiscal leva a mais gastos.

Agora, adicionemos uma nova etapa a esse exercício mental. O banco central, realizando flexibilização quantitativa, gera um novo dinheiro com o qual compra os títulos que o governo emitiu. Então, quando colocamos tudo na balança, o governo não está distribuindo títulos. Ele está distribuindo dinheiro. Isso não está muito distante da combinação de políticas durante a pandemia. O tsunami de estímulos fiscais foi acompanhado pela compra de títulos de magnitude quase igual: os bancos centrais dos EUA, Grã-Bretanha, zona do euro e Japão compraram juntos mais de US$ 9 trilhões em ativos. O resultado foi um aumento nos depósitos em bancos comerciais.

Nos EUA, eles aumentaram de cerca de US$ 13,5 trilhões, no início de 2020, para quase US$ 18 trilhões, atualmente. Já na primavera de 2020, alguns economistas monetaristas, como Tim Congdon, da Universidade de Buckingham, chamaram a atenção para o aumento das medidas para manter o dinheiro circulando, que inclui depósitos bancários, e alertaram sobre a inflação como resultado.

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Política econômica

Até agora, também o fizeram os seguidores de Friedman. Mas qual parte da política importa mais: o estímulo fiscal, que impulsionou a riqueza agregada das famílias, ou a flexibilização quantitativa, que garantiu que a injeção fosse de dinheiro e não de títulos? Há provavelmente algo especial em incluir dinheiro nos balanços das famílias, disse Chris Marsh, da Exante Data, uma empresa de pesquisa. Ele sugeriu que uma “redescoberta” do monetarismo poderia acontecer em breve, após a pandemia.

Outros economistas, entretanto, argumentam que a flexibilização quantitativa é, em grande parte, ineficaz, exceto em períodos de forte estresse financeiro, como a “corrida pelo dinheiro” na primavera de 2020. Suponhamos que, assim que a crise passasse, os bancos centrais tivessem encolhido seus balanços rapidamente, mas ainda tivessem prometido manter as taxas de juros em zero por muito tempo. Parece provável que o enorme estímulo fiscal americano, ao impulsionar a riqueza das famílias, ainda assim tivesse feito os gastos e os preços dispararem.

Contudo, acreditar na impotência da flexibilização quantitativa em comparação com o estímulo fiscal é, na realidade, coerente com o monetarismo - se você expandir a definição de dinheiro. Distinguir o dinheiro eletrônico criado pelos bancos centrais dos títulos de dívida emitidos pelos governos está cada vez mais difícil.

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De certo modo, isso ocorre porque, quando as taxas de juros estão próximas de zero, eles são os substitutos mais próximos. Também é porque a maioria dos bancos centrais agora paga juros sobre o dinheiro eletrônico que cria. Mesmo se as taxas aumentassem, os chamados “juros sobre as reservas” ainda deixariam o dinheiro eletrônico um pouco parecido com a dívida pública.

O contrário também é verdade. Os investidores avaliam a dívida do governo, sobretudo a dos EUA, por sua liquidez, o que significa que eles estão dispostos a mantê-la a uma taxa de juros mais baixa do que outros investimentos - da mesma forma que as pessoas estão dispostas a aceitar um baixo rendimento em poupanças. Como resultado, “parece mais preciso ver a dívida nacional menos como uma forma de dívida e mais como uma forma de dinheiro em circulação”, escreveu David Andolfatto, do Federal Reserve Bank de St. Louis, em dezembro de 2020.

Ele também alertou os americanos para “se prepararem para uma explosão temporária da inflação” tendo em conta o raro aumento da dívida nacional durante a pandemia. Se dinheiro e dívida são substitutos, apenas trocar um pelo outro, como a flexibilização quantitativa faz, pode proporcionar pouco estímulo, coerente com a experiência dos anos 2010. Mas expandir sua oferta combinada pode ser fortemente inflacionário.

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Acertando em cheio

A lógica extrema desse argumento é conhecida como “teoria fiscal do nível de preços”, criada no início dos anos 90 (e em processo de atualização: John Cochrane, da Universidade Stanford, escreveu um livro de 637 páginas sobre o tema).

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Ela diz que as reservas em circulação e a dívida do governo são um pouco parecidas com as ações de uma empresa. Seu valor - ou seja, quanto ele pode comprar - é ajustado para refletir a política fiscal futura. Se o governo não estiver suficientemente comprometido com os excedentes contínuos para pagar suas dívidas, as pessoas serão como acionistas esperando uma diluição societária. O resultado é inflação.

No entanto, explicar a alta inflação de hoje não exige que você vá tão longe. Basta olhar para os déficits recentes, em vez de indagar sobre o futuro. Ainda assim, é surpreendente que economistas como Andolfatto, que se concentraram na oferta de dívidas do governo, tenham previsto a situação atual, enquanto a maioria dos banqueiros centrais, cujos olhos estavam firmemente fixados nos mercados de trabalho como um indicador da pressão inflacionária, não tenham conseguido isso.

A década passada mostrou que, quando as taxas de juros caem a zero, é preciso mais do que apenas flexibilização quantitativa para escapar de um mundo de baixa inflação. De qualquer modo, o Friedmanismo continua vivo. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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