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A pegada hídrica

Por PAULO R. , HADDAD , PROFESSOR DO IBMEC/MG , FOI MINISTRO DO PLANEJAMENTO , DA FAZENDA NO , GOVERNO ITAMAR FRANCO , PAULO R. , HADDAD , PROFESSOR DO IBMEC/MG , FOI MINISTRO DO PLANEJAMENTO , DA FAZENDA NO e GOVERNO ITAMAR FRANCO
Atualização:

Algumas empresas brasileiras já estão incorporando, entre os seus indicadores de sustentabilidade, a pegada hídrica. Trata-se do mais avançado indicador de uso sustentável de água pelas sociedades, pelas corporações, pelos consumidores, etc. A sua origem intelectual está no início dos anos 1990, tendo passado por inúmeros aperfeiçoamentos técnicos e conceituais, coordenados principalmente pela ONU, visando a superar controvérsias sobre a sua aplicação nas políticas públicas e no planejamento estratégico empresarial.O conceito de pegada hídrica é mais abrangente do que alguns indicadores parciais e tradicionais de perspectiva minimalista. Entre esses, destacam-se: a relação entre a qualidade da água captada e a qualidade da água devolvida às bacias hidrográficas; o número de vezes que é reciclado um m³ de água extraída de uma bacia hidrográfica; etc. O conceito de pegada hídrica complementa a perspectiva analítica desses indicadores.A maior abrangência da pegada hídrica se destaca por duas dimensões mais relevantes. Em primeiro lugar, considera três tipos de água: a verde, a azul e a cinza. A pegada hídrica verde contabiliza a água da chuva, incluindo a que é armazenada no solo e usada no processo produtivo, sendo posteriormente evaporada, ou transpirada pelas plantas ou animais, ou, ainda, e geralmente a menor parte, incorporada ao produto. A pegada hídrica azul contabiliza a água superficial ou subterrânea que é usada no processo produtivo. E a pegada hídrica cinza contabiliza como uso de água o volume necessário para diluir a poluição gerada durante o processo produtivo e que é lançada em meio hídrico, de forma que a concentração resultante nesse meio esteja de acordo com o limite de concentração adotado para cada substância poluente contida no efluente, de acordo com as metas de qualidade adotadas para o corpo hídrico receptor.A segunda dimensão inovadora da pegada hídrica se refere a que este indicador observa não apenas o uso direto de água de um consumidor ou produtor, mas também o uso indireto de água para produzir todos os bens e serviços que compõem a estrutura de insumos do produto. Assim, a pegada hídrica de um produto é o volume de água doce usado para produzir o produto, medido em toda a sua cadeia produtiva. É um indicador multidimensional, mostrando os volumes de consumo de água por fonte e volumes poluídos por tipo de poluição. Todos os componentes de uma pegada hídrica total são especificados geograficamente e temporariamente.Essa dimensão permite desmistificar o que denomino de farisaísmo ambientalista, pois, quando se calcula a pegada hídrica de uma agência bancária, de um centro de pesquisa ou de um resort turístico "sustentável" - atividades que se consideram não poluentes e ecologicamente amigáveis -, pode-se chegar a valores muito significativos em termos de um fator primário escasso que tem uso alternativo (no caso, a água). Ao calcular a pegada hídrica dessas atividades por meio da avaliação do ciclo de vida dos produtos através de uso indireto de água desconectado do consumo final, chega-se ao que se denominam recursos hídricos ocultos ou disfarçados. A participação de economistas no cálculo da pegada hídrica, por meio de seus modelos de equilíbrio geral computáveis, permite definir com maior precisão a intensidade direta e indireta de água em diferentes bens e serviços.É crescente, entre os principais líderes públicos e privados em escala mundial, a preocupação com a extensão e a magnitude que as organizações empresariais e os consumidores estão interferindo nos ciclos hidrológicos de países e regiões, frequentemente de forma não sustentável. Estima-se que há mais de 1 bilhão de pessoas no mundo sem acesso à água potável segura, e mais de 2 bilhões de pessoas sem acesso à água potável adequada para saneamento básico. O cálculo da pegada hídrica na linha de produção pode contribuir para tornar efetiva a responsabilidade social ampliada das grandes corporações.

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